Entrevista: Lourenço Crespo novamente solo

entrevista por Pedro Salgado, de Lisboa

O percurso musical de Lourenço Crespo é exemplificativo do espírito de camaradagem e inovação que caracterizam o selo lisboeta Cafetra Records. Lourenço começou por integrar uma das bandas nucleares da Cafetra, os Kimo Ameba, ao estilo Mudhoney, dos quais se destaca o álbum “Rocket Soda” (2012). Em parceria com Maria Reis (do Pega Monstro), formou os 100 Leio, garantindo algum destaque pelo pop lo-fi do disco “Gang$star” (2013), produzido por Lourenço e B Fachada. Depois, colaborou com João Marcelo (o músico conhecido como Éme), tocando teclas nos trabalhos “Último Siso” (2014) e “Domingo à Tarde” (2017), enquanto no duo Iguanas cantou e escreveu as letras do álbum “Lua Cheia” (2018), servindo a produção e os beats de Leonardo Bindilatti com imaginação. Finalmente, tocou diversos instrumentos e fez os arranjos do disco de Francisca Salema (Sallim), “A Ver O Que Acontece” (2019).

Para a sua estreia solo, “Nove Canções” (2016), o músico lisboeta conjugou o seu lirismo satírico com um pop colorido criando diversos momentos de eficácia sonora. Este trabalho lançou as bases da consolidação artística e criativa que se manifestou no álbum homônimo editado recentemente. De “Lourenço Crespo” (2020) sobressaiem a bossa nova de “Escandaleira”, o pop “Pelo Pêlo”, o indie rock de 90 “Fetra!” e a romântica “Amor Não Te Vou Largar”, mas, acima de tudo, a música que se escuta é vibrante e a confiança interpretativa superior. “Eu e o B Fachada (co-produtor do disco) dedicamos muito tempo à gravação das vozes e as letras também foram mais trabalhadas. Julgo que a vontade de fazer algo melhor, esforçado e variado, está visível no álbum como estão o grau de diversão e a envolvência musical”, conta-me Lourenço via Skype.

Globalmente, aponta “Domingo à Tarde”, de Éme (um disco produzido em estúdio e pensado como um álbum inteiro) e “A Ver O Que Acontece”, de Sallim (onde experimentou diversos métodos criativos e fez arranjos diferentes), como as principais influências para o novo trabalho. “A partir do disco da Sallim fiquei com vontade de elaborar algo mais cheio para o meu álbum e com uma variedade superior à do “Nove Canções”, explica. Essa multiplicidade, palpável em termos sonoros, contempla igualmente as histórias pessoais que apresentou, patentes no tom sedutor de “Vampiro”, na nostalgia de “Férias Escondido” ou no apelo geracional de “Fetra!”.

No que diz respeito à promoção do seu disco homônimo, Lourenço planeja um show em Lisboa, que ainda não tem data marcada. “Estou focado nesse concerto e na maneira como poderei torná-lo interessante para poucas pessoas, que estarão sentadas e usando máscaras. Será uma atuação diferente, porque o público estará distante e terei de criar alguma envolvência em virtude de estarmos tão separados”, refere. Sobre a sua música e em jeito de balanço, destaca o caráter urgente da mesma: “As minhas canções são trabalhadas, com muita vontade de serem cantadas e de saírem cá para fora”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Lourenço Crespo conversou com o Scream & Yell. Confira:

Porque escolheu dar o seu nome ao título do álbum?
Eu tive muita dificuldade em encontrar um título que resumisse aquilo que o disco significa. Atribuir o nome de uma canção fazia pouco sentido para mim. Quando não há uma designação é normalmente ‘self-titled’. Por isso, decidi que essa era a forma do álbum ter uma leitura mais limpa e em aberto, sem que dissesse nada de partida.

Quais foram, tematicamente, os motivos de inspiração para o novo trabalho?
Basicamente, a inspiração veio da minha vida pessoal. Os temas começam sempre com as minhas histórias e as coisas que eu sei e a partir daquilo que conheço tento criar algo que seja legível para toda a gente. O objetivo é que as pessoas se revejam quando escutam as músicas. Isso acontece através de assuntos específicos, ao meu redor, e dos pormenores que refiro, os quais tenciono que pertençam a todos. Existem traços auto-biográficos, mas não é obrigatório ser eu o narrador ou a personagem da canção. Mas, acaba por ser inevitável escrever sobre a minha experiência. Se assim não fosse as histórias não teriam sentido.

Acho particularmente interessante a forma como o seu disco evolui de um pop apelativo (“Pelo Pêlo”) para uma faixa romântica (“Amor Não Te Vou Largar”)…
São aspectos relacionados com a forma de compor. Eu quis fazer um disco variado e com bastante canções. Para concretizar essa ideia falei com B Fachada (co-produtor do álbum) e procuramos encontrar uma maneira do trabalho ser diversificado. As músicas que você mencionou são ao piano, mas também me empenhei a compor no baixo e na groovebox. Nunca tentei forçar nada tematicamente, porque isso decorre com naturalidade à medida que a canção evolui. A parte instrumental representa outro desafio: é aquela em que se insiste, são as chamadas abordagens concretas.

Você partilhou a produção do álbum com B Fachada. Em que medida a contribuição dele influenciou o resultado final deste disco?
Foi uma contribuição enorme e seria um disco diferente se não tivesse sido produzido com ele. Eu gravei o “Nove Canções” (2016) durante três dias, em Lagos (cidade do Algarve), com o Leonardo Bindilatti e a Maria Reis, enquanto “Lourenço Crespo” foi gravado em quase um mês. Contou com um grande trabalho de pré-produção e quando tive seis canções prontas mostrei-as ao B Fachada e a partir desse repertório pensamos no que poderia ser a segunda metade do disco. Foi um processo parecido com os álbuns “Domingo à Tarde” (2017) e “O Último Siso” (2014), do Éme. Durante as gravações do meu novo trabalho, beneficiei também com o fato do B Fachada ser um produtor hiper-sensível às canções, que puxou muito por mim para que o resultado fosse melhor, mais fechado, em si mesmo, e consistente. Para além disso, a circunstância de termos gravado na casa dele proporcionou um à vontade e uma dedicação total ao disco e esses aspectos fizeram toda a diferença.

A pandemia levou-o a fazer mais canções ou manteve o seu processo normal de trabalho?
Durante o tempo de pandemia estive a melhorar as canções e recordo que joguei fora uma música e fiz outra. A maior parte das faixas já estavam acabadas. A única coisa que esse período gerou foi um atraso na gravação do disco do B Fachada (“Rapazes e Raposas”) e também retardou um bocado o meu álbum. Esta fase não me deu mais vontade de trabalhar nem me senti mais produtivo, tudo decorreu de forma normal.

Gostaria de deixar uma mensagem aos leitores do Scream & Yell?
A minha mensagem é de agradecimento, porque a música brasileira tem um peso enorme na música portuguesa. É muito influente e toda a gente copia. No meu caso, tanto adoro a música brasileira dos anos 60 e 70 como da atualidade. O Jorge Ben Jor é uma referência constante. Ele é um dos meus cantores e escritores de canções preferidos. Noutro dia estive a pensar no fato das letras dele serem mais distantes do que as minhas. A maneira como o Jorge escreve é completamente natural, porque é simples e composta por poucas palavras. Contrariamente a mim, ele diz tudo numa frase e depois diz a frase ao contrário (cita a estrofe: “Menina Gata Augusta/Menina Augusta Gata”). O Jorge Ben Jor é mesmo incrível.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. A foto que abre o texto é de Vera Marmelo.

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