Entrevista: Telvrichaos

entrevista por Rafael Donadio

Telurismo: influência do solo de uma região sobre a formação, caráter e aspectos do indivíduo. É a partir dessa ideia que nasce a banda Telvrichaos (SP/RS), dissecando o caos interior constante em relação a estar onde estamos e ser quem somos. Depois do primeiro disco lançado em agosto de 2018, “Orbis internvm et imago Milonganesh”, o quarteto retorna com o single “Obliteration”, música que precede uma sequência de novos lançamentos.

Cantada em inglês e latim, “Obliteration” discute sobre a canalização do ódio como forma de construção pessoal engrandecedora e se apresenta repetitiva como um mantra: “Uma ideia que vai crescendo e tomando forma mais emotiva e catártica à medida que outros elementos começam a aparecer durante a música”, explica o multi instrumentista Eduardo Ribeiro.

Além disso, o single faz uma provocação sobre a “conexão com o todo através do microcosmo da própria existência”, ideia que pode explicar a organização de trabalho da Telvrichaos, segundo Eduardo: “O projeto não é construído 100% em conjunto. As guitarras são compostas sozinhas, assim como as vozes. Os momentos mais criativos e menos técnicos tem a ver com a forma com que cada um se conecta com o todo e como entende suas influências para transformar isso em música”.

O projeto começou a germinar em 2013, quando Béla Simon e Eduardo começaram a estreitar afinidades. Em 2015, depois de muitas conversas existenciais e trocas de ideias entre os dois, principalmente sobre influências musicais e cinematográficas, surge a Telvrichaos. Segundo Eduardo, “Pink Floyd e Bergman são até hoje pautas presentes nas conversas, mesmo que repetindo conversas que já tivemos milhares de vezes”. Repetição que está nos trabalhos da banda de diversas outras formas.

O nome surgiu de um neologismo – “teluricaos” – criado para uma das músicas (que abre o primeiro disco). A palavra se mostrou forte demais para ser apenas o título de uma faixa, criou-se então o nome do projeto. Com a Telvrichaos já caminhando e com músicas gravadas, Rafael Taufer foi chamado para os sintetizadores e Marina Dolinsky para as vozes.

Em Telvrichaos a carta Temperança é representada por Marina, que dá a voz ao projeto conduzindo o ouvinte aos caminhos da inquietude. Os Amantes é a carta que representa Rafael, responsável pela produção dos synths, transitando sobre dualidades. Simon vem representado pelo Eremita e é o letrista e praticante do telurismo. Já Eduardo, representado pela carta O Mago, é o grande articulador do projeto, sendo o nome responsável pelos arranjos e composições.

Para entender mais sobre todo o projeto e as ideias por trás de “Obliteration” e todo o trabalho da Telvrichaos, Eduardo Ribeiro conversou com o Scream & Yell sobre o caos do país, a formação da banda, a canalização do ódio como forma de construção, telurismo, cartas do Tarot e influências místicas e musicais.

Em “Obliteration”, vocês falam sobre a canalização do ódio como forma de construção pessoal engrandecedora. Queria que explicassem um pouco isso. Como e quando o ódio se torna construtivo?
Num primeiro momento, quando você entende a sua origem. Ao entender sua origem você entende sobre si e o que te forma. Aqui entra o telurismo novamente. A terra que se vive também conta com as pessoas que nela estão e o seu papel na formação de quem se é. Aqui entra o caos, que nesse caso é: o que fazer com esse sentimento? Pra gente, foi falar sobre isso e transformar nessa música e nesse segundo disco, sempre a partir de uma perspectiva de engrandecimento individual.

O single se apresenta como um mantra, com muitas repetições. Quais são as energias emanadas do manta “Obliteration”?
Todo o projeto se baseia na repetição e no mantra. Essa ideia de ir potencializando um sentimento a partir da fixação e da reflexão. A ideia da música é a mesma do início ao fim: cortar tudo aquilo que impede seu engrandecimento, que na música tratamos como parasitas, exatamente por sugarem forças essenciais que nos permitem chegar a esse objetivo. Uma ideia que vai crescendo e tomando forma mais emotiva e catártica à medida que outros elementos começam a aparecer durante a música.

Vocês dizem que uma conexão com o centro da terra pode despertar os sentimentos subjetivos relativos ao caos humano de forma coletiva e individual. O caos que o país enfrenta atualmente pode ser explicado por essa conexão, o telurismo?
Estar consciente do que é viver no Brasil atualmente é estar em caos constante, então sim. Toda a ideia do projeto é arquetípica, logo conseguimos observar diversos contextos e situações pela mesma ótica. As influências de desgraças diárias só passam ilesas por quem não dá a mínima pra elas. Ainda assim, essa pessoa não está 100% ilesa, já que seu entorno também influencia em si. Talvez o mais marcante do que está acontecendo agora é a escassez de muitos sentimentos que no senso comum se tem como bons. Todo mundo está com raiva, angustiado, ansioso, preocupado, e tudo isso tem origens muito similares no momento. Nesse aspecto, tratar o ódio como um sentimento nato e buscar o crescimento individual a partir dele é mais do que útil: é necessário.

A banda tem integrantes no Rio Grande do Sul e São Paulo. Como e quando a banda se formou?
2011 foi o ano que eu e Simon começamos a estreitar afinidades. Ele já havia vivido em SP por uns anos e foi assim que o conheci. A partir daí a troca sobre referências musicais e cinematográficas foi uma crescente, e sempre vinham junto de muitas conversas existenciais. Pink Floyd e Bergman são até hoje pautas presentes nas conversas, mesmo que repetindo conversas que já tivemos milhares de vezes (repetição essa que também está presente no projeto). Em 2013 decidimos que faríamos um projeto juntos, mas ainda não sabíamos o que. Em 2015 ele apareceu com o neologismo “teluricaos” para uma música (que abre o primeiro disco) e quando vi aquilo, de cara entendi que era um nome forte demais pra ser só uma música, então foi aí que o nome do projeto nasceu. Na virada do ano de 2016 para 2017 gravamos o primeiro disco. Simon trouxe o Rafa pro projeto, já que nenhum de nós tinha experiência com sintetizadores, e era algo que queríamos valorizar. Depois de gravado, começamos a ir atrás de uma vocalista (o vocal feminino também era um consenso) e foi assim que chegamos na Marina, amiga de adolescência e que já fazia parte das minhas conversas com Simon durante a gravação.

Vocês utilizam as cartas do Tarot para explicar um pouco sobre os integrantes. Queria que você explicasse melhor a ligação das cartas com cada integrante e o papel de cada um na banda.
Simon, como O Eremita, é essa pessoa que no individualismo e no isolamento encontra respostas e delas extrai pontos que se tornam as letras das músicas, o conceito de cada álbum e as correlações. O Rafa, como Os Amantes, além de ser a carta que simboliza seu signo de gêmeos, também é a pessoa que traz decisões em momentos de dúvida no processo de gravação do projeto. A Marina, como A Temperança, tem um papel alquímico importante ao transformar o projeto no que ele é. É quem, ao mesmo tempo que sintetiza emoções e sentimentos, abre a interpretações e à subjetividade de como receber cada palavra e cada nota. E eu (Eduardo), como O Mago, me vinculo a essa articulação para encontrar os meios para chegar no objetivo de cada música, do álbum como um todo, esse impulso de tornar física e material uma ideia.

De que forma os saberes místicos influenciam a banda?
Aqui, novamente a individualidade. Cada um tem seu nível de interesse, conhecimento e atuação sobre esses saberes. O que fez o projeto acontecer foi entender como cada um se relaciona com seu engrandecimento e o que está disposto a fazer pra viabilizar cada música e cada disco. Essa influência se dá em alguns momentos por afinidade estética e admiração artística, e em outros momentos em planos extremamente técnicos. A principal influência desses saberes então deve estar no campo da descoberta, e de ir chegando em novos lugares a partir dessa reflexão.

Qual o significado da palavra “Telvrichaos”?
Telurismo se trata da influência da terra (que pode ser lido aqui como planeta, mas também como a terra natal e onde se viveu e cresceu) sobre a formação, caráter e aspectos do indivíduo. A partir daí a ideia da música, que virou nome do projeto, é dissecar sobre o caos interior constante sobre estar onde estamos e ser quem somos.

Quais são as principais influências musicais da banda?
Para o projeto como um todo, Pink Floyd, Massive Attack, Tycho e algumas outras sempre foram referências de como gostaríamos de soar e direcionou a produção e gravação. Mas as guitarras, particularmente, sempre foram compostas em momentos extremamente particulares, e aí entram referências particulares também que são formadas, a maioria, por guitarras dos anos 80/90: Jeff Buckley, Daniel Johnston, Frusciante, Cat Power, Hurtmold, Alice in Chains, assim como outras de outras décadas, como Neil Young, Nick Drake, Leonard Cohen. Para as vozes, Cat Power e Massive Attack reaparecem, junto de Thom Yorke, A Percect Circle (e qualquer outro projeto do Maynard), Angel Olsen, Warpaint.

– Rafael Donadio (Facebook: rafael.p.donadio) é jornalista maringaense.

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