Música: Silvia Machete surge soturna e sedutora no disco “Rhonda”

Texto de Renan Guerra

Lá nos anos 2000, Silvia Machete apareceu nos palcos e na TV cantando, dançando bambolê, fazendo bolha de sabão, entre outras estripulias, numa estética exagerada que combinava com suas canções de um humor até que melancólico, em certa medida. Era natural que ela cantasse canções tristes como “Noite Torta”, de Itamar Assumpção, enquanto usava figurinos coloridos e jogava de forma sedutora com a plateia, até por que “Toda Bêbada Canta”, dizia outra canção sua. Era uma persona interessante, que nos atraia.

Antes de sua tropical extravagância, Silvia morou em cidades como Paris, Nova Iorque e São Francisco, em uma vida de artista de rua, onde sua formação circense se atrelou ao seu canto límpido. Esse casamento levou Silvia a essas performances que ficavam entre o cool e o kitsch, num encontro divertidíssimo. Porém, “Rhonda”, seu quarto disco autoral, lançado em 2020 pela Biscoito Fino, deixa de lado as noites de cerveja no calor carioca e mergulha bem mais fundo nas esfumaçadas noites nova-iorquinas.

Ok, vamos aproximar as coisas: talvez as noites esfumaçadas sejam as paulistanas mesmo – não podemos afirmar que fumaça seja essa, talvez seja poluição a encobrir nossos olhos. De todo modo, é por São Paulo que Silvia resolveu morar e foi na cidade que gravou seu álbum “Rhonda”. As andanças pelo mundo ficam claras nas canções: o disco é todo cantado em inglês, com um groove e uma energia que surpreendem quem muitas vezes não se atentou a grandiosa cantora que Silvia Machete é.

Gravado no estúdio Buena Família com a produção de Alberto Continentino e Lalo Brusco, participam de “Rhonda” os músicos Vitor Cabral (bateria), Chicão (teclado) e Guilherme Monteiro (guitarra), além da presença do tecladista Jason Lindner na faixa “Great Mistake” – Lindner é conhecido por figurar nos créditos do excelente “Blackstar”, de David Bowie.

A banda cria uma cama interessante para que a voz de Silvia converse de forma forte e intensa com sonoridades distintas do que estávamos habituados. Sua sensualidade não é mais brejeira, suas paixões não são mais de verões. Há uma intensidade nova, um calor em meio à noite que provam que esse é um álbum muito mais maduro de uma cantora que entende as camadas de sua voz.

“Rhonda” foi composto em sua maioria por Silvia ao lado de Alberto Continentino, além de contar com duas parcerias dela com o músico de São Paulo Emerson Villani, uma com o norte-americano Nick Jones (roteirista das séries “Orange Is The New Black” e “Glow”, ambas da Netflix), uma música do compositor de Fortaleza Rafael Torres e o curioso resgate de uma canção de Tim Maia, “With No One Else Around”, de seu disco em inglês gravado em 1976. E é interessante como ela segura um setlist soturno, de canções entregues e rasgadas, de forma sedutora. Silvia, além de grande cantora, é interessantíssima atriz, que nos leva por palcos, boates e fumódromos, sem medo de nos assustar.

“Rhonda” é um ato de coragem: Silvia poderia seguir cantando seu show de tropicalidades, poderia engendrar num mesmo esquema a que estava habituada, porém é surpreendente vê-la entregue e aberta a um trabalho que a expõe de forma crua enquanto artista. É bonito vê-la criando aquilo que lhe interessa nesse momento. É isso: 11 canções, pouco mais de 35 minutos e “Rhonda” é como um passeio sedutor por uma nova Silvia Machete. Ouça e descubra.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o Monkeybuzz.

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