Entrevista: Ladytron

entrevista por Renan Guerra

O Ladytron está completando 20 anos de banda e depois de oito anos de hiato está de volta com um disco homônimo. Desde o lançamento de “Gravity The Seducer” (2011), a banda inglesa se espalhou pelo mundo em diferentes projetos: Reuben Wu mudou-se para Chicago e investiu na carreira de fotógrafo; Helen Marnie passou a viver em Glasgow e lançou dois álbuns solo; Mira Aroyo manteve-se em Londres, colaborou com diferentes artistas independentes e ainda investiu em sua carreira de DJ; já Daniel Hunt se casou, mudou-se para São Paulo e passou a produzir diferentes bandas.

De forma quase remota (como praticamente fizeram em toda a carreira, segundo revelam na entrevista abaixo), eles produziram “Ladytron” (2019), disco lançado no Brasil pelo selo LAB344, e que soa como um Ladytron perante o caos deste final de década. Produzido conjuntamente entre Hunt e Jim Abbiss (que já trabalhou com o Arctic Monkeys), o disco conta com a participação do brasileiro Iggor Cavalera na bateria e foi construído em grande parte através de um crowndfunding pela Pledge Music, onde você poderia adquirir diferentes produtos, desde discos e cassetes até um remix do Ladytron para sua música.

Esse sexto disco parece ser o trabalho mais sujo do quarteto; os ecos de electropop ainda estão por aqui – já que o Ladytron sempre esteve nas bases da cena electroclash no início dos anos 2000 –, mas agora pendendo mais para o lado do pós-punk, com camadas pesadas de guitarra e sintetizadores que dão corpo a canções quase niilistas. É um jeito bem Ladytron (será que poderíamos dizer “um jeito bem inglês”?) de olhar para o nosso tempo. Conversamos com a banda para entender o processo de produção do novo disco, os diferentes projetos de cada membro do grupo e até falamos de política brasileira. Confira:

Daniel Hunt vive em São Paulo há alguns anos, assim como outros membros da banda não moram mais na Inglaterra. Sabendo disso, como foi a construção deste novo álbum? Foi feito principalmente remotamente?
Helen: Desde que começamos, havia apenas breves períodos em que vivíamos na mesma cidade ou país, por isso estamos acostumados a trabalhar remotamente desde o início. A única diferença agora que Daniel está em São Paulo e Reuben está em Chicago é a distância. O processo é imutável: trabalhamos remotamente, colaboramos, nos reunimos para trabalhar em ideias e depois nos reunimos no final para completar o álbum, como sempre foi.

O vídeo de “The Animals” (acima), primeiro single do disco lançando ainda no primeiro semestre de 2018, foi gravado pela cidade de São Paulo. Que influência o Brasil e a cidade de São Paulo têm nesse novo álbum?
Daniel: Eu queria filmar esse vídeo em São Paulo e mostrar um lado da vida e uma estética muito familiar para quem mora na cidade, mas que é estranha para a parte externa (das demais pessoas). Trabalhando com o meu amigo, o diretor Fernando Nogari, começamos a construção de um universo em torno do álbum que estávamos produzindo, que continua e continuará com os clipes subsequentes. Tenho vivido em São Paulo há algum tempo e isso deve me influenciar, é claro, mas a natureza disso muitas vezes não é clara e só é compreendida depois do fato. Raramente é consciente.

O Ladytron ficou em hiato por muitos anos e nesse meio tempo muitas coisas aconteceram: Helen Marnie lançou dois álbuns solo e Daniel lançou um projeto ao lado dos brasileiros Luisa Maita e Fernando Rischbieter. Quanto esses projetos influenciaram a sonoridade explorada no novo álbum?
Helen: O que esses outros projetos fazem é trazer novas perspectivas e experiências ao processo e à prática, em vez de influenciar o som real.

Christina Aguilera é fã da banda e vocês acabaram produzindo algumas faixas com ela, incluindo duas que estão na versão de luxo do álbum “Bionic” (2010). Como foi trabalhar com a cantora e esse gigantesco esquema de produção pop? É muito diferente da maneira como vocês produzem coisas da banda?
Daniel: Esse foi um episódio surreal para nós, mas foi uma experiência positiva. Acho que Christina merece muito crédito pelo álbum que ela imaginou e seu desejo de trabalhar com seus artistas favoritos, não apenas com produtores que os copiariam. No contexto da música pop mainstream em 2008 (quando o álbum começou a ser produzido), a versão original desse disco era monumental, e esse era o problema: era muito arriscado para sua gravadora, por isso o álbum resultante se tornou algo diferente, sua visão original havia sido comprometida. Ainda assim, parece que “Bionic” virou objeto de culto posteriormente.

Reuben, no seu trabalho como fotógrafo você produz lindas fotos da natureza e capas para grandes nomes pop como o Zeed. Como a fotografia entrou em sua vida?
Reuben: A fotografia só se tornou importante para mim quando eu estava viajando com a banda. Desenhar era o meu principal passatempo (inclusive fiz algumas das ilustrações nos primeiros lançamentos do Ladytron) até que o processo ficou muito demorado com todas as turnês que estávamos fazendo, então comecei a usar minha câmera mais do que o meu lápis. Me envolvi com a fotografia muito mais depois durante o nosso hiato.

Daniel, como você vê o momento político no Brasil? O que você espera do país para o futuro?
Daniel: Este é um assunto que é muito importante para mim, claro. Quando me mudei para o Brasil, havia muito otimismo. Eu acreditei que finalmente tinha chegado ao futuro. É evidente que as sombras estavam se aproximando – e entendi isso muito rapidamente. O que aconteceu desde 2013 já era previsível naquela época; muita gente, eu incluso, percebeu que um golpe era iminente. Lá atrás, me falaram para “superar a polarização” e disseram que tudo estava bem, muito bem. O que foi feito ao Brasil desde então – essa onda revanchista – é algo vil, parte de um projeto neocolonialista maior. A soberania nacional é algo vital e acredito que é tolo entender os problemas políticos apenas de uma perspectiva interna. É tolo ignorar as lições da história e os padrões estabelecidos ao longo de 500 anos de exploração – e que seguem hoje no coração do momento brasileiro. Claro, a cultura é um tema central nesse assunto. Vou ficar feliz de ver o Brasil que eu amo lutando na resistência – e ganhando.

Voltando ao novo álbum, “Ladytron” conta com a participação de Iggor Cavalera. Como você o conheceu e como participou do álbum?
Daniel: Iggor é sensacional, é um velho amigo que conhecemos em 2006 quando o Ladytron tocou pela primeira vez em São Paulo. Já trabalhei com ele antes, participei do Mixhell e também da CVLTV DO FVTVRV. Sempre quis que ele participasse de algo no Ladytron, e no novo disco ele tocou nas faixas “Until the Fire”, “Figurine” e algumas outras.

“Ladytron” quebra um silêncio de 8 anos desde “Gravity the Seducer” (2011). O que motivou vocês a voltarem?
Helen: Sempre foi o plano gravar um novo disco, mas demoramos um pouco mais do que o esperado. Precisávamos de uma pausa após 10 anos sem parar de gravar e fazer turnês.

Daniel: Ainda assim, para nós a pausa não foi tão dramática porque começamos a trabalhar em “Ladytron” em 2016, depois de uma pausa em 2012. Então, para nós foram apenas 4 anos realmente.

Em 2019 vocês estão completando 20 anos de banda! Vocês imaginaram que o Ladytron cresceria tanto, seria tão bem sucedida e teria tantos fãs? Como é olhar para aquele Ladytron de 1999?
Daniel: Não creio que, naquele tempo, tivéssemos ideia do que aconteceria com a banda. As memórias são fragmentadas e é difícil imaginar nossa perspectiva. Sabíamos que tínhamos algo bom e novo para a época. Tínhamos crença e estávamos determinados. Mas também éramos pouco convencionais em muitos aspectos. Demos os primeiros passos de maneira incomum e curtimos não ter que participar da corrida de ratos que era a indústria então. Nós éramos desajeitados e travessos. Na verdade, ainda somos.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Também colabora com o site A Escotilha.

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