Três filmes: “No Portal da Eternidade”, “No Coração da Escuridão”, “Poderia Me Perdoar?”

por Marcelo Costa

“No Portal da Eternidade”, de Julian Schnabel (2018)
Dá-lhe Van Gogh conquistando duas indicações ao Oscar seguidas! Em 2018, o pintor pós-impressionista holandês marcou presença na categoria de Melhor Animação por “Com Amor, Van Gogh”, esforço da Polish Film Institute e de uma campanha no Kickstarter que não conseguiu barrar a vitória da Pixar (o favorito “Viva – A Vida é Uma Festa” levou a estatueta), mas alcançou um público imenso interessado nas novidades sobre a vida deste artista. Sim, novidades, pois apesar de ter falecido em 1890, novas biografias e descobertas lançam luz sobre a vida do homem famoso que morreu pobre, louco e fracassado aos 37 anos de idade, a mais contundente polemizando sobre sua morte, que não deveria ser vista como suicídio, mas sim homicídio. Em 2019 é a vez de “At Eternity’s Gate” (título original), que parte da mesma premissa (e das mesmas descobertas recentes) de “Com Amor, Van Gogh”, e em muitos momentos o espectador irá sentir que está (re)vendo o mesmo filme, agora com cenas reais, e não pintadas – descontando a opção da nova fotografia em turvar a tela nos momentos de delírio do pintor, expediente que mais atrapalha do que ajuda. “No Portal da Eternidade” entrega mais uma grande atuação de Willem Dafoe, sua quarta indicação ao Oscar (as anteriores foram por “Platoon”, 1987; “A Sombra do Vampiro”, 2001; e o injustiçado “Projeto Flórida”, um dos grandes filmes do cinema mundial em 2018), um grande mérito visto que, assim como Glenn Close em “A Esposa”, ele precise carregar o filme nas costas devido a um elenco constrangedor (o Paul Gauguin de Oscar Isaac é uma caricatura ofensiva – o de Vincent Cassel em “Gauguin – Viagem ao Taiti” é muito melhor, ainda que o roteiro peque de maneira imperdoável). Não leva o Oscar de Melhor Ator (única indicação do filme), mas merece ser visto.

Nota: 6

“No Coração da Escuridão”, de Paul Schrader (2018)
Você consegue conceber que “La La Land”, “Foxcatcher”, “Trapaça”, “O Voo” e “Missão Madrinha de Casamento” (para citar apenas cinco filmes dos anos 10) foram indicados na categoria Melhor Roteiro, e Paul Schrader até 2019 nunca havia tido uma indicação? Sim, o autor de “Taxi Driver” (1976), “Gigolo Americano” (1980) e “Touro Indomável” (1980) foi esnobado pela Academia a vida toda, mas em Hollywood sempre há tempo de corrigir injustiças (Scorsese e Morricone que o digam). No caso de Paul Schrader, a derradeira indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Original surge enfim com “First Reformed” (título original), um pesadíssimo jogo de estilos cinematográficos que vem conquistando o fascínio da critica e diversos prêmios, mas que, desculpe colocar água no seu chope, tenta abraçar o mundo e… não comove. A história traz um ex-militar (Ethan Hawke) que, após a morte do filho na Guerra do Iraque, se refugiou na fé tornando-se pastor. Ele está envolvido com as comemorações de 250 anos da igreja (a “First Reformed”) que administra ao mesmo tempo em que atende ao pedido de ajuda de uma fiel (Amanda Seyfried), cujo marido, um ambientalista, está com ideias bastante radicais em mente. Dai pra frente a história choca religião, ambientalismo, Neil Young, homens bomba, rituais não sexuais e mudança climática para falar que… o amor salva. Ok, ok. Tudo bem, há méritos, claro: a grande atuação de Ethan Hawke deixa Bradley Cooper no chinelo – e deveria tomar sua indicação por “Nasce Uma Estrela” – e a citação na trama do casal de ambientalistas brasileiro José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva, assassinados numa emboscada em 2011 na Amazônia, no momento que o governo brasileiro tenta apagar o brilho de Chico Mendes, coloca em perspectiva o período de trevas que nosso país vive, mas Paul Schrader é muito mais do que isso. Porém, se pensarmos que Scorsese foi ganhar um Oscar por “Os Infiltrados”, tudo bem.

Nota: 7

“Poderia Me Perdoar?”, de Marielle Heller (2018)
Com três indicações ao Oscar, “Can You Ever Forgive Me?” (o titulo original) é uma das perolazinhas mal-humoradas desta temporada cinematográfica fraca e contaminada por hypes de grandes bilheterias. Baseado no livro biográfico de mesmo nome (lançado em 2008) da escritora nova-iorquina Lee Israel, falecida em 2014, “Poderia Me Perdoar?” rememora a epopeia de uma mulher de 51 anos que, desempregada e com boletos se acumulando embaixo da porta nos difíceis anos 90, decide usar seu melhor dote (a escrita) para burlar o sistema, pagar o aluguel e levar seu gato ao veterinário. Ela começa a falsificar cartas de famosos mortos (como a escritora Dorothy Parker e o compositor Noël Coward) e vender em livrarias, que as intermediam com colecionadores. Mais de 400 cartas (inventadas) depois (algumas delas, como as de Coward, sendo posteriormente citadas em biografias oficiais do artista), o FBI entra em cena e a história – tão americana – de “Prenda-me Se For Capaz” (2002), “A Grande Jogada” (2017) e tantos outros personagens se repete. O que torna “Poderia Me Perdoar?” especial são as grandes atuações de Melissa McCarthy (conhecida dos fãs de “Gilmore Girls”), como Lee Israel, e Richard E. Grant, no papel do amigo gay junkie e parceiro de crimes Jack Hock (ela indicada a Melhor Atriz, ele a Melhor Ator Coadjuvante – a terceira indicação do filme é a de Melhor Roteiro Adaptado). São os dois que conseguem dar brilho a esses personagens grosseiros, convencidos e nada simpáticos, e que permanecerão assim do primeiro ao último minuto da projeção (e da vida). Ou seja, sem causar nenhuma simpatia e, não à toa, muitos foram contra o lançamento do livro, pois seria Lee novamente ganhando dinheiro com suas falcatruas, mas vale a citação de uma livreira enganada em 1992: “Embora tenha sido uma experiência de aprendizado cara e muito forte para mim, não estou mais com raiva, porque ela é realmente uma excelente escritora. E tornou as cartas ótimas”. Como diria outro, o ditado “ignore o artista, foco na obra” soa perfeito neste filme menor, mas sedutor.

Ps. Há uma canção nada obvia de “Doolittle”, do Pixies, na trilha sonora…

Nota: 8

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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