Conexão Latina: Juan Olmedillo

entrevista por Leonardo Vinhas 

Juan Olmedillo desenvolveu sua longa carreira musical em sua Venezuela natal: 18 anos com o rockabilly pesadão e latinizado dos Los Mentas, seis com o duo indie folk La Pequeña Revancha. Porém, se você quiser assistir a um show da turnê de seu primeiro álbum solo, “Ningún Lugar” (2018), é melhor você ir para o México. Olmedillo é um dos mais de 2,5 milhões de venezuelanos que deixaram o país nos últimos anos, e a divulgação do disco está mais corrente na pátria adotiva.

Vivendo na Cidade do México desde novembro, ele só teve tempo de fazer um único show de “Ningún Lugar” em Caracas. O álbum é uma breve e bem resolvida coleção de canções que, por diversas razões, não encontravam lugar nos seus projetos coletivos. Varias delas tratam da situação do país, seja com humor (“Encuentro el Amor”, que se disfarça de rockabilly romântico para falar da escassez de bens e alimentos) ou com pungência (a fortíssima “Calle Ciega”, que abre o álbum). As estéticas mais elementares ao rock’n’roll estão no álbum, do blues ao folk, passando até pelo romantismo à latina comum nos roqueiros sessentistas da América do Sul. Não reinventa nenhuma roda – aliás, a intenção é assumidamente reverente – mas é um disco que cai bem nos ouvidos do começo ao fim, e reafirma a sagacidade de Olmedillo como letrista, bem como sua confessa admiração (e vocação) pela canção pop.

Via Skype, Olmedillo se mostrou bem animado e com o mesmo bom humor que sempre exibiu nos palcos brasileiros (veio duas vezes ao festival El Mapa de Todos com Los Mentas, em 2011 e 2015), em suas letras e em sua entrevista anterior ao Scream & Yell. Contou que, mesmo espalhados pelo mundo, Los Mentas ainda estão dispostos a tocar, e confirmou que La Pequeña Revancha continua, já que a outra metade da dupla, Claudia Lizardo, também se estabeleceu na capital federal do México. Mas o grosso do papo foi sobre o disco solo, sua adaptação artística ao cenário mexicano e, inevitavelmente, sua visão sobre a situação da Venezuela.

“Ningún Lugar” foi todo concebido na Venezuela. Como tem sido divulgá-lo tão longe de casa?
Estranho, como todas as circunstâncias que envolvem meu país. Então acredito que estou em sintonia com o momento que vivemos (risos). É difícil entender, de modo que no fim prefiro não entender, apenas tocar. Já toquei três vezes no México desde que o disco saiu, mas deu tempo de tocar uma vez em Caracas. Sinto que o público daqui percebe essas canções, porque estamos todos em crise e as canções são universais. Como compositor, gosto disso, porque é bom experimentar canções e vivenciar essa cumplicidade. O público que peguei aqui é praticamente virgem no que tange ao meu trablho e isso também é bom.

E como você chegou a essa banda, que é totalmente diferente da que te acompanhou no disco?
A banda com quem estou tocando em México são todas pessoas com quem nunca me passou pela cabeça tocar, só que tudo aconteceu de maneira orgânica. São músicos que eu conhecia da cena venezuelana, mas só agora nos conhecemos de uma maneira interessante. Antes era uma relação mais distante. Eu conhecia o trabalho deles, sabia que era bom. Por exemplo, na bateria está Armando Lovera, que vinha de uma banda que tocava cumbia, reggae, gêneros latinos, mas também em uma outra banda que tinha humor e música folclórica, que eram Los Hermanos Naturales. Cesar Garcia, o baixista, tocava ska e reggae, e eu toquei ska por muitos tempos, fui um RudeBoy também (risos). Por outro lado, Luis Henriquez, o tecladista, é de Valencia, uma cidade que é famosa por ter a cena rock muito forte. Então quando eu soube que ele estava aqui, convidei-o e ele aceitou, mesmo não tendo nos falado mais que umas duas vezes antes. E na guitarra está o Rainer Diaz, que é um cara de uma linha mais folk, mais jazz. É um grupo muito heterogêneo, e minha música é muito convencional, de certa forma: muito rock clássico e blues com toques da canção latino-americana. Ao vivo acaba sendo algo muito diferente do que fizemos no estúdio por causa da riqueza que esses caras trazem. Eu que acabo sendo o músico mais fraco ali.

Você se definiu agora como “convencional” musicalmente. Isso é algo que você assume, que quer preservar?
Na gravação do estúdio acabamos sendo um pouco puristas. Não sou hermético: quero que minhas músicas sejam assimiláveis. Mas agora as músicas mais latinas do disco ficaram com uma sonoridade bem venezuelana, e aqui no México o pessoal gostou muito disso. O clima da Cidade do México é muito seco, montanhoso, diferente do nosso clima quente e ritmo de vida, que são bem caribenhos.

As faixas de “Ningún Lugar” foram feitas ao longo de muitos anos. Quando você as compunha, como definia o que iria para as bandas e o que poderia virar um possível disco solo?
Nunca tive o plano de gravar um disco solo. Pode ser que intuitivamente eu tenha separado algumas canções mais pessoais. Quando você faz muitas canções para uma banda, sempre seleciona aquelas que funcionam melhor para o grupo. Aí sempre sobram algumas canções estacionadas, e foi isso que aconteceu com esse disco. Algumas tinham um lado que eu não queria dividir com ninguém (risos). Não queria ter que negociar algumas coisas das canções, porque eu me identificava muito com elas, entende? Quando decidi fazer o disco solo, eu já tinha umas 15 canções que funcionavam juntas, e a partir daí comecei a trabalhar com elas. E tem umas três que foram escritas para o disco.

Você trabalhava essas canções sozinho, a partir de suas demos? (nota: uma delas, “Tiempo Perdido”, inclusive, foi parar no álbum “Conexão Latina”, do selo Scream & Yell: ouça e baixe aqui)
As demos tinham um nível de pré-produção importante, mas o determinante foi Max Martinez (produtor do álbum). Ele é um grande amigo de Puerto la Cruz, que é um produtor de uma bagagem muito grande daqui, e tem um estilo de se envolver muito no trabalho. E mostrei para ele o disco para que ele fosse um maestro e desse o toque da sua batuta, entende? Sou permeável, e conforme fui mostrando, ele foi sugerindo coisas que foram se incorporando. Na hora de gravar, ele trazia muitos músicos que vinham com seu trabalho e sua amizade, a coisa virou meio que uma festa e todo mundo propunha alguma coisa. No fim, todo mundo se divertiu e colaborou. A escolha das faixas que entraram foram minhas e, um tanto menos de Max. Na verdade, existe um grupo de amigos em quem confio muito e fiz meio que uma enquete (risos). Max tem uma cabeça de “rocanrol” latino-americano que orientou essa escolha.

A situação atual da Venezuela está em muitas das canções, seja no humor de “Encuentro el Amor” ou no tom mais dramático de “Calle Ciega”. Claro que é seu olhar pessoal, mas você acredita que essas canções possam servir como fonte de informação para pessoas de outros países?
Eu adoraria que isso acontecesse. Que a música ao menos servisse para despertar a iniciativa de pesquisar a respeito. Eu escutava muito rock argentino quando era mais jovem: Sui Generis, Charly Garcia, Fabulosos Cadillacs… Sabia muito do que se passava por lá a partir do que ouvia. Isso também me acontecia com o rock espanhol, com as canções da [banda punk] La Polla Records sobre os conflitos do País Basco. Pode ser que esteja aí o germe que me fez compor “Calle Ciega”. Quando moleque, eu podia não saber bem o que rolava no mundo, mas já entendia e sentia a preocupação das canções, escutava sobre a presença dos militares – inclusive aí no Brasil, ou com Pinochet no Chile. Então, você começa a se transformar em músico e tem a preocupação de comunicar algo social. Cheguei tarde nisso, porque Los Mentas era meio vazio nesse sentido. Mas se agora posso chegar a esse ponto de contar o que passa em meu país através das canções… bem, é isso que devo fazer. Uma canção como “Calle Ciega” é muito dolorida, e sou vítima da situação que ela retrata como tantos outros venezuelanos, e portanto não teria como não falar sobre isso.

Sei que o tema é extremamente complexo, mas como você apresentaria a situação da Venezuela hoje para alguém que não vive no país (ri). Não estou pedindo uma aula de história (risos), mas queria te propor expor a sua percepção pessoal mesmo.
É pela situação do meu país que estou no México, um país que escolheu um presidente (Andrés Manuel López Obrador) que tem uma visão mais socialista. Quando vou falar desse assunto com um mexicano, eu deixo claro que o que acontece na América do Sul não é um problema de ideologias. Se por exemplo Maduro fosse ultradireitista e estivesse morrendo gente por falta de medicamentos, por falta de tratamentos no setor público, crianças com desnutrição, eu estaria fora do mesmo jeito. O problema é que temos uma ditadura que não atende os requisitos sociais mínimos. Não dá para ter uma afinidade imediata com ele só porque ele se diz socialista. É claro que todos nós queremos voltar ao nosso país. Coletivamente, temos uma expectativa de voltar. Mas é mais “wishful thinking” que realidade hoje. Nós como civis temos poucas chances de enfrentar alguém que está armado. Eu queria que tudo se resolvesse da forma mais pacífica possível, mas não sei o que te dizer. A situação é urgente. Tem gente que vive com 2 ou 3 dólares por dia, não há vacina, a mortalidade infantil aumentou. A crise está severa, a inflação está altíssima e quem não consegue trabalhar tem que sair pra roubar.

Eu pergunto isso porque, como tantas coisas na sociedade hoje em dia, a situação na Venezuela passa por paixões bem polarizadas, com cada “lado” apresentando palavras de ordem e informações controversas para enfatizar e defender seus pontos de vista.
Se eu não vivesse em Venezuela – fosse mexicano, por exemplo – e tivesse a informação que tenho aqui, eu diria: “ah, se esse pessoal que governa a Venezuela está contra Trump, me coloco ao lado deles”. Que é o que aconteceu com o Roger Waters, por exemplo, que chamou a Venezuela de uma democracia autêntica. Mas não é que não é o que acontece lá. Eu não gosto do Trump, mas as pessoas que tiveram pensamento crítico toda a vida e andam ao lado de quem vivem o dia a dia da Venezuela, sente que o governo está contra o povo.

Claudia [Lizardo] recentemente foi morar no México, então La Pequeña Revancha continua. Mas os Los Mentas estão espalhados pelo mundo (risos). Como fica a banda? Está parada? Dando uma pausa? Ou só volta se receber 80 milhões de dólares em uma mala preta?
Pode ser menos de 80 milhões (gargalhadas) Hoje em dia não precisam nos oferecer dinheiro para voltarmos, somos bons amigos. Mas é que depois de 18 anos tocando juntos precisávamos de uma pausa (a banda anunciou sua parada em 2016), e essa pausa se deu com a condição do país. Lucas, o baixista, está em Miami, Drupy está em Bogotá, o outro no Equador e o Chicha, baterista, é o único que está em Caracas. E eu no México. Quando tiver circunstâncias que nos permitam estar nos mesmos territórios, estaremos. Claro que todos temos filhos, família, e isso tem que ser levado em consideração. Mas, por exemplo, o Lucas está tocando com Acosta, na Flórida; Chicha está com os Javelin e Druppy está com os projetos dele. Claudia está aqui e já estamos trabalhando no próximo disco.

Voltando à questão do som mais “convencional”, como você definiu: Los Mentas é uma banda com uma proposta musical bem clara, La Pequeña Revancha também. Você tem aqui e ali alguma abertura folclórica na estrutura das suas canções, mas elas são bem roqueiras. Você não sente vontade de se arriscar em coisas diferentes?
Com Los Mentas, uma vez que conseguimos o som, sentimos que já tinha a identidade e seguimos em frente. Não acho que era purismo, era só um som bem identificado. Mas gosto de praticamente tudo da música latino-americana, e do rock também quase tudo. Só nunca gostei de nu-metal (risos). Pode ser que eu esteja um pouco distante da parte eletrônica, mas já posso usar um pouco dos elementos dela. O legal é usar esses elementos no seu território. Sei lá, você pode trazer uma cumbia e um bolero, desde que seja dentro dos seus termos.

A pergunta é um baita clichê, mas tem hora que o clichê vai bem (risos). Então queria perguntar quais são suas lembranças das duas passagens da banda no Brasil.
Eu gostei muito de tocar no Brasil. Mas como dizemos na Venezuela, foi uma emoção incompleta. Faltou fazer mais coisas. Gostamos demais de Porto Alegre, só que ela é tão diferente de qualquer outra cidade do Brasil… Queríamos ter andado por São Paulo, Rio, por mais cidades. Tentamos voltar: mandamos muitas propostas para festivais, e não aconteceu. Obviamente, eu adoraria ir ao Brasil com meu projeto solo ou La Pequeña Revancha. Duvido que vão nos convidar, mas se convidarem… (risos) E as pessoas foram demais! Formamos fãs, mesmo. É incrível lançar um disco, uma música nova, e ver que tem comentários em português nas postagens.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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