Entrevista: Barral Lima (Under Discos)

entrevista por Bruno Lisboa

A efervescente cena musical mineira acaba de ganhar mais veículo para propagar a música produzida por aqui: o selo Under Discos. Criado pelo empresário e produtor Barral Lima ao lado do produtor Rodrigo Brasil e com a benção do saudoso (“irmão de alma e luz”, segundo Barral) Carlos Eduardo Miranda, a Under Discos tem a grande (e valorosa) missão de agitar a cena local, investindo sua estrutura no lançamento de novos artistas, na produção de programas de WebTV e na realização de shows/festivais.

Já saíram sob a chancela do selo os novos trabalhos Leo Moraes (“Dia Verde Escuro”), Luan Nobat (“Estação Cidade Baixa”) e Felipe Oliveira (“Coração Disparado”). E a próxima iniciativa já tem data para acontecer: dia 22 de setembro acontecerá a 5ª edição do Palco Ultra, festival que tem curadoria própria da Under Discos e traz no lineup nomes como Djonga, Francisco, El Hombre, Maglore, Giovani Cidreira, Luan Nobat, Marcelo Veronez, Sara Não Tem Nome e Moons. O evento, gratuito, acontece a partir das 12h na Praça da Assembleia, em Belo Horizonte.

Neste ótimo bate papo, Barral fala sobre os primórdios do selo, os objetivos mercadológicos da Under Discos (“Dizem que mineiro trabalha em silêncio, mas se você quiser ocupar um espaço maior no mercado da música atual precisa fazer muito barulho), o critério de seleção para fazer parte do cast (“Queremos um parceiro, um sócio e não um prestador de serviços”), avalia a cena atual mineira, problematiza o crescimento da cena independente e a decadência das grandes gravadoras, a importância dos festivais de rua e a necessidade de novos espaços (“Precisamos cada vez mais de novas casas porque os festivais são sazonais e são nas casas que os artistas conseguem ter uma agenda mais significativa e também formar e fidelizar o seu público”), novas apostas e muito mais. Papo bom! Confira!

Como se deu a gênese do selo Under Discos? Qual fatia do mercado musical vocês almejam dialogar?
O selo Under Discos é fruto de muitas conversas entre eu e o Miranda (falecido em março deste ano), quando falávamos sobre a nova cena da música brasileira nos últimos anos, especialmente a cena de Belo Horizonte. Temos em BH uma cena musical diversa e surpreendente. Muitos artistas produzindo em seus home studios e se apresentando em guetos e casas de shows da cidade. Dizem que mineiro trabalha em silêncio, mas se você quiser ocupar um espaço maior no mercado da música atual precisa fazer muito barulho. De preferência um barulho grande e muito planejado. E essa era a nossa vontade: colocar BH como um das principais capitais da produção musical no Brasil. Porque é o que ela é de fato. Para isso planejamos começar com um selo que pudesse não apenas lançar álbuns, mas também ser parceiro do artista durante todo o processo da construção de sua carreira. Buscar parcerias entre produtores de outros Estados, fazer intercâmbios com artistas, festivais e casas de shows das principais capitais do país, além de trabalhar uma efetiva assessoria de comunicação. Colocar os artistas do selo em todos os canais de mídia e nas ruas. Infelizmente o nosso principal mentor e parceiro não conseguiu ver o nosso sonho criar corpo, mas estamos aqui dando vida a ele como planejamos juntos em todos esses anos anteriores. O nosso foco no mercado é trabalhar a nova música brasileira contemporânea, que utiliza a canção como o fio condutor e que busque um diferencial na sonoridade, indo dos tambores mineiros ao folk americano, podendo misturar com elementos eletrônicos e guitarras noises, mas sempre buscando ousar se e renovar. Sempre com qualidade e autenticidade.

Como responsável pelo selo qual o seu critério para selecionar um artista para que faça parte da Under Discos?
Na verdade divido essa função com o Rodrigo Brasil e sempre conversamos muito antes de selecionar um artista. Temos três critérios básicos iniciais: autenticidade, qualidade e comprometimento. Precisa nos surpreender de alguma forma, seja na sonoridade, nos arranjos, no texto, na mistura rítmica, enfim precisa trazer algo novo na sua música. A qualidade é um fator relevante também. Mesmo que nos apresente um trabalho da maneira mais simples, com violão e voz, por exemplo, precisa ser bem tocado e bem cantado. O cuidado em produzir um bom material para ser apresentado já é um bom indicador do que teremos pela frente. E por fim ter compromisso com ele mesmo e com o projeto que será realizado. Queremos um parceiro, um sócio e não um prestador de serviços. Vamos fazer um trabalho conjunto e os resultados serão iguais para ambos. Vamos colocar toda a nossa experiência e a nossa estrutura a disposição do artista e esperamos que o mesmo nos traga novas ideias, vigor, dinamismo e muito trabalho para somar. Essa ideia onde o artista fica em casa compondo e o selo trabalhando pra ele, fechando shows, contratos com patrocinadores, editais, etc não é a nossa realidade.

Recentemente vocês anunciaram a iniciativa de criação da TV Under Sessions. Em que consistirá? E ainda: em tempos multifuncionais, gerar conteúdo nas mais variadas plataformas é o melhor caminho para gerir um selo?
A TV Under Sessions será uma das ferramentas para divulgação não só do selo, mas também da nova cena de BH. Queremos mesclar os novos artistas que são responsáveis pela nova cena da música brasileira em nossa cidade com artistas de todo o Brasil que estão nesse mesmo caminho. Desta forma o público irá identificar facilmente o diálogo existente entre todos esses artistas que estão construindo a nova música brasileira. Temos sim vários programas de TV e WEB TV que produzem conteúdos musicais parecidos, mas não temos nenhum sendo produzido em Belo Horizonte. Ninguém está contando essa história daqui para o Brasil. Assim também estaremos produzindo mais um produto audiovisual com muita qualidade, visto que o mesmo será gravado dentro de um estúdio profissional, mixado e masterizado. Será um material que o artista poderá usar para divulgar e vender o seu show.

O selo nasceu com a nobre iniciativa de dar espaço à cena independente, em especial artistas mineiros. Como você vê a cena atual mineira, que de uns tempos pra cá tem vivido dias de efervescência?
Minas sempre teve uma produção intensa e diversa. Mas muita coisa não sobreviveu por diversos motivos, mas um deles é justamente a falta de estrutura. A maioria dos artistas não consegue gerir as suas carreiras e não encontram parceiros para tal. Nesse momento temos vários artistas circulando e todos eles em parceria com alguma gravadora, selo, produtora ou agentes culturais. Sara Não Tem Nome (Sony), Djonga (CEIA Ent.), Moons (Balaclava), Young Lights (Records DK/Quente), Nobat (Under Discos) são alguns exemplos da importância destas parcerias. Acho que o momento é agora, não podemos mais uma vez perder esse “time”. E a única forma de consolidar esses artistas é o trabalho coletivo. São as parcerias, o intercambio e o networking. Mas o maior responsável pelo sucesso de uma carreira é o próprio artista. E a atual cena mineira está madura, os artistas estão cada vez mais se profissionalizando e sabendo lidar com todos os desafios do mercado. Essa maturidade está fazendo a diferença. Não existe a relação artista/gravadora. A relação é trabalho/trabalho.

Como veterano no mercado fonográfico, como você este cenário onde o artista não visa, de imediato, um vínculo com uma gravadora, mas por um outro lado opta por gerir tudo por conta própria? Em que momento as gravadoras perderam esta supremacia?
Acho que o artista que está em busca de uma carreira de verdade, de um trabalho sólido no mercado, um contrato com alguma grande gravadora pode ser apenas uma consequência e uma necessidade de uma grande parceria para gerir um grande negocio naquele momento, após anos de batalha. O artista precisa pensar inicialmente em construir o seu negócio na música. Precisa se informar muito, se formar dentro do seu propósito, precisa produzir muito material, seja autoral ou de interprete. Precisa estar pronto para o momento certo. As oportunidades virão com certeza e quanto mais ele estiver pronto e seguro para elas, mais longe ele irá. Gerir a própria carreira artística tem seus segredos que você aprende no dia-a-dia. Muitas coisas ninguém vai ensinar a você, você vai precisar perceber com os seus erros e os erros do outros ao seu lado. E precisa coragem para encarar e sobreviver aos primeiros anos. Ficar buscando um contrato com uma grande gravadora antes de ter construído esse piso sólido pode ser o começo do fim, você pode estar entrando na fila dos que vão morrer.

O Palco Ultra, iniciativa em parceria da Under Discos e a produtora Ultra Music, chega este ano a sua 5ª edição. O festival segue mantendo o seu propósito de colocar em evidência o suprassumo da cena independente. Em tempos onde o artista segue carente de espaços para mostrar o seu trabalho, os festivais de rua são as melhores alternativas para sanar esta carência?
Com certeza os festivais de rua tem uma grande importância na divulgação do trabalho do artista independente, mas precisa ser com uma estrutura profissional. Temos que dar uma condição realmente digna e respeitar o rider de som e luz, o mapa de palco e também dar uma estrutura confortável e segura para o público. Só assim conseguiremos realmente valorizar a nossa cultura e exporta-la para o resto do país e do mundo. O Palco Ultra Festival sempre se preocupou em disponibilizar a melhor estrutura possível para que os artistas consigam apresentar honestamente o seu trabalho para o público. Mas acho que os festivais não substituem as casas de shows. Precisamos cada vez mais de novas casas porque os festivais são sazonais e são nas casas que os artistas conseguem ter uma agenda mais significativa e também formar e fidelizar o seu público. Em BH temos um grande exemplo que é a A Autentica. Uma grande parceira da música independente do Brasil.

Carlos Eduardo Miranda foi um dos gurus da Under Discos. Qual o legado deixado por ele?
Falar do Miranda não é fácil porque a emoção toma conta na hora. Pessoalmente ele foi um irmão de alma e luz. Penso nele todos os dias. Ele deixou um legado gigantesco na música brasileira, principalmente na musica independente. Nunca parou de pensar em fazer as coisas acontecerem, em promover encontros e provocar. Ele não foi um dos gurus, ele foi o guru e sempre será. Tudo o que fazemos pensamos antes; “como o Miranda faria isso?”. Desta forma erramos menos. A generosidade dele não tinha limite. Ele se doava o tempo inteiro e buscava sempre o coletivo, as parcerias e o entendimento. Sempre surpreendia. Esse legado nós vamos levar pra sempre. O Under Sessions, o Palco Ultra e todas as iniciativas do Selo estarão sempre conectados com as ideias e os ideais do Miranda.

Muito se discute o fato de que artistas mineiros atuais não conseguem ter um alcance nacional de seus trabalhos. Por que você acha que isto acontece e como é possível corrigir este cenário?
Falta a conexão. Mas conexão planejada e estruturada, com desdobramentos. Não adianta fazer ações isoladas e individuais. Precisa pensar em intercâmbios e pensar em grupo. Em ações conjuntas. O artista não pode esperar ser convidado para os festivais, ele precisa ir aos festivais, conhecer os produtores, os artistas, os movimentos que estão sendo feitos em outras cidades, comunidades e se integrar. Não via isso acontecendo como deveria entre os artistas mineiros, às vezes nem em nossa própria cidade. O cara reclamava que não era convidado para tal festival, mas ele não tinha ido a nenhuma edição anterior, nem sabia do que se tratava. Nós já estamos promovendo isso com os nossos artistas e queremos cada vez mais buscar novos parceiros em outros mercados e também trazê-los para nossos festivais e lançamentos, assim como toda a imprensa nacional. Precisamos romper mais uma vez essas lindas montanhas. Tenho ido a várias feiras e festivais em todo o Brasil e não tenho visto Minas nas mesas e nem nos line-ups. Precisamos corrigir isso urgentemente. Temos música e artistas para todos os line ups e queremos estar em painéis, debates e discussões em todo o pais e colaborando sempre para o crescimento e fortalecimento do mercado da música no Brasil.

Os álbuns mais recentes do Leo Moraes (“Dia Verde Escuro“), Nobat (“Estação Cidade Baixa”) e Felipe Oliveira (“Coração Disparado”) foram os primeiros trabalhos lançados com a chancela do selo. O que mais está programado para sair?
Lançamos três artistas maduros, que entendem a importância do trabalho em conjunto. Desde o lançamento do selo estamos diariamente buscando outras parcerias e caminhos diversos para consolida-los cada vez mais no mercado. Todos os dias recebemos várias propostas e novos projetos que buscam a nossa parceria. Todas são ouvidas e discutidas. Temos já dois ou três projetos em audição e em breve vamos fazer o lançamento do primeiro single do cantor e compositor Bernardo Bauer, que também é baixista da banda Moons. Não queremos inchar muito o selo neste momento para poder trabalhar melhor cada um dos artistas com a atenção devida.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014. A foto que abre o texto é de Ed Zimerer / Divulgação

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