Entrevista: Motormama

por Marcelo Costa

18 anos de banda, quatro álbuns, dois EPs, um compacto em vinil e a experiência de quem já tocou em um dos melhores festivais do planeta, o Primavera Sound, em Barcelona. Eis a credenciais iniciais do Motormama, quinteto de Riberião Preto, interior de São Paulo, que nasceu das cinzas do Motorcycle Mama (Neil Young é referência), uma banda que viveu os anos (não tão) dourados da cena guitar nacional (rememorados em documentários como “Sem Dentes – Banguela Records E A Turma de 94″ e “Time Will Burn”), mas decidiu se reinventar no final do século apostando na junção de rock regressivo, psicodelia, indie e folk rock. Nascia o Motormama.

“O grupo é uma espécie de denominador comum de cinco pessoas que tem vidas bem diferentes”, explica o guitarrista e vocalista Régis Martins, um dos três integrantes da formação original da banda, em conversa por e-mail. “Nosso amor à música é o que nos une porque se a gente pensasse apenas na grana, o Motormama não existiria há muito tempo”, ele conta. Esse amor à música acaba de render o quatro álbum do grupo, “Fogos de Artifício”, lançado no primeiro semestre de 2017 pelo selo midsummer madness, a mesma casa pela qual saíram “Carne de Pescoço” (2003), “A Legítima Cia Fantasma” (2006), “Aloha Esquimó” (2010) e o compacto em vinil “Flores Sujas no Quintal” (2013).

Disponível para download e audição no Bandcamp, “’Fogos de Artifício’ é uma espécie de resposta ensolarada a ‘Aloha Esquimó’, um dos discos mais melancólicos que já gravamos”, avisa Régis. Segundo o guitarrista, o novo álbum combina coesão roqueira com psicodelia, traz oito faixas (divididas no CD em lado A e lado B) e é um disco para o palco. Feliz com o resultado do álbum, Régis Martins conversou com o Scream & Yell sobre as diferenças entre ter uma banda nos anos 90 e hoje em dia, a loucura de tocar em um festival como o Primavera Sound, o desejo de lançar o novo disco em vinil e o próximo clipe, em fase de edição, feito “num esquema guerrilha total com amigos ajudando”. Confira o bate papo.

O Motormama parece manter um padrão de lançamentos: o “Carne de Pescoço” é de 2003; “A Legítima Cia Fantasma” saiu em 2006; “Aloha Esquimó” é de 2010 e pra dizer que o espaço entre ele e o novo “Fogos de Artificio” é maior, houve o compacto em vinil “Flores Sujas no Quintal” em 2013, o que me faz perguntar como funciona a banda no dia a dia de vocês? Vocês estão juntos há tanto tempo e sempre criando coisas novas…
Existe um padrão mesmo, mas é algo tão inconsciente que, se você não me falasse antes, eu nem perceberia (hehe). Detesto deixar a banda muito tempo sem lançar algo. Gostaria de ser como Ty Segall, Thee Oh Sees ou Jack White e lançar coisas novas anualmente, mas isso no Brasil é algo impensável. Legal você lembrar que entre “Aloha Esquimó” e “Fogos de Artifício”, existe “Flores Sujas do Quintal” que eu considero um lançamento muito importante na nossa discografia. No mais, o grupo é uma espécie de denominador comum de cinco pessoas que tem vidas bem diferentes. Nosso amor à música é o que nos une porque se a gente pensasse apenas na grana, o Motormama não existiria há muito tempo. A gravação de um material novo, seja um disco ou vídeo ou a elaboração de um novo show são coisas que nos dão um fôlego para continuar. O processo de criação é algo que nos motiva, apesar de todos os contratempos de um mercado tão desolador quanto nosso. Não é fácil, mas a luta continua.

Como está a formação atual do Motormama? Quem está contigo há mais tempo?
Hoje somos eu na guitarra e vocais, Gisele Z. nos vocais, maracas e theremin, Joca Vita no baixo, Alessandro Perê nos teclados e Thiago Carbonari na bateria. Da formação original, e lá se vão 18 anos, estão eu, a Gisele e o Joca. O Perê entrou em 2014 e o Thiago em 2016.

Como você vê o “Fogos de Artifício” na discografia do Motormama? O que vocês buscaram com esse disco?
“Fogos de Artifício” é uma espécie de resposta ensolarada a “Aloha Esquimó”, um dos discos mais melancólicos que já gravamos. Ele retoma uma certa coesão roqueira do “Legítima Cia Fantasma”, nosso álbum mais vendido, mas vai fundo na psicodelia. É um disco pra palco, tanto que tocamos ele inteiro nos shows de lançamento, a exemplo do que o Wilco fez em “Star Wars”. Veja você que nada disso foi algo premeditado, já que “Fogos de Artifício” foi criado em estúdio e foi ganhando uma cara nesse processo de captação, mixagem e masterização. Dia desses, estava ouvindo ele para a gravação de nosso novo clipe e fiquei espantado com as coisas boas que parecem ainda estar escondidas nele. Um disco que deixa a banda feliz, enfim.

“Fogos de Artifício” é dividido em lado A e lado B. Esse pensamento tem relação real com a posição das faixas, tipo, “Foi Pelo Dinheiro / Foi Por Diversão” foi escolhida realmente para abrir o lado B? Há ideia de lança-lo em vinil?
O advento do CD e consequentemente dos streamings e downloads acabaram com a visão do disco como um produto conceitual, uma obra completa com começo, meio e fim. Parece que retomamos aquela época jurássica do rock em que um disco era um amontoado de singles. Escutando “Man Machine”, do Kraftwerk, que tem apenas seis músicas, percebi que um LP funciona quando escutado integralmente, não de forma aleatória. O lance do lado A e lado B foi uma forma de deixar o ouvinte mais atento ao álbum como um todo. Perceber que existe uma diferença proposital entre as quatro primeiras músicas e as quatro finais. “Foi pelo Dinheiro” começa com um barulho de agulha sendo colocada no vinil, como se o cara estivesse trocando o lado, saca? Ela foi escolhida como abertura do Lado B porque é um baião, como se a gente dissesse; “acorda aí, que vem coisa diferente pela frente”. Além disso, nosso sonho é lançá-lo em formato de vinil o quanto antes e até mesmo a capa foi desenhada pra isso. Oremos!

Aliás, fui olhar na estante e descobri que eu não tenho o “Carne de Pescoço”. Como faz para a galera comprar os CDs e o compacto em vinil de vocês? Via midsumer madness mesmo ou é só entrar em contato com a banda?
Mais fácil conseguir pela gravadora (midsummer madness) mesmo que manda tudo direitinho pelo correio. Tem lojas em SP e pelo Brasil (as que restaram) que também tem CDs nossos. Deem uma olhada no site da nossa distribuidora, a Tratore, que mostra lá quais são. Mas se o interessado pode falar direto com a banda pelo Face também, se quiser. Na verdade, preferimos vender diretamente nos shows mesmo, mas a gente dá um jeito.

O embrião do Motormama foi o Motorcycle Mama, que estava bastante ativo na cena independente dos anos 90 que vem sendo cada vez mais retratada em documentários, como o “Sem Dentes – Banguela Records E A Turma de 94” e, principalmente, “Time Will Burn”. Você chegou a assisti-los? Como foi ter uma banda para vocês naquele período?
Eu assisti ao “Sem Dentes” e achei bem legal, porque traz muita coisa de bastidores de uma época em que ainda era possível sonhar com o contrato de uma gravadora. Apesar de ser um selo ligado a uma multinacional, o Banguela era um local muito acessível. O Miranda adorava receber a molecada das bandas no escritório, mesmo se ele nunca contratasse a gente (kkkkkkkk). Existia uma coisa chamada direção artística, que hoje é algo raro. Mas, pessoalmente, os anos 1990 foram uma época meio difícil pra mim porque estava sempre sem dinheiro, com filha pequena pra criar. Tem coisas que eu simplesmente não lembro, por vários motivos que agora não vem ao caso (kkkkkk). Mas hoje eu entendo o Lou Reed quando dizia não se lembrar porque havia escrito músicas como “Perfect Day”.

E como é ter uma banda agora, em 2017?
Eu acho melhor do que nos anos 1990. Naquela época, se você não estivesse numa grande gravadora, não existia. O advento da internet, queira ou não, ajudou muito as bandas do independente. O Motormama, que é um grupo dos anos 2000, se deu muito melhor do que o Motorcycle. Quando poderíamos imaginar que sairíamos em publicações como Rolling Stone, Playboy, Folha de S. Paulo ou faríamos shows no Sesc Pompeia e em países como Canadá e Espanha nos anos 1990? Era um sonho distante. Talvez nos anos 1990, se você realmente acertasse a mão, teria mais chances de ter uma carreira com mais profissionalismo. Mas a gente ouvia tanta merda das gravadoras…

Nesse meio tempo de intervalo discográfico do Motormama você aproveitou para se lançar em outra banda, o Regis Martins e a Cia Fantasma. Como surgiu esse projeto?
A Cia Fantasma surgiu durante um ano sabático do Motormama: 2015. O curioso é que 2014 tinha sido um período muito bom, com shows no Primavera Sound e uma paulada de Sescs e centro culturais. A banda realmente estava dando grana. Porém, no final daquele ano, nosso baterista resolveu sair do grupo e viver em Brasília. Apesar de estar acostumado a mudanças da formação do grupo, pra mim, foi um baque, porque era um time vencedor, de certa forma. Quis dar um tempo naquilo tudo, esquecer o Motormama. Mas como não fico longe da música, gravei uma espécie de disco solo, meio minimalista, caseirão e árido, o “Ondas Curtas”. Há erros ali que eu fiz questão de manter. A Cia Fantasma é uma banda de boteco com direito a muitos covers ao vivo (que a gente toca do nosso jeito) e diversão. Aliás, a gente vai tocar em SP no dia 9 de setembro.

Opa, libera ai pra nóis: como é esse show da Cia Fantasma? O que de cover pode aparecer no set?
O show da Cia Fantasma tem vários formatos, depende do espaço e da paga, hehe. Mas é algo mais no formato folk’n’blues, menos psicodélico que o Motormama. Em shows maiores, tocamos músicas de Neil Young, Mutantes, Creedence Clearwater, Bowie e até Gang 90 e Kraftwerk. Uma festa enfim. Tocamos em aniversários, festas de casamento, batizados e até velórios, se alguém se interessar.

A faixa que encerra o disco do Motormama, “Se o Mundo Desmoronar (Nunca Perca a Cabeça)”, é uma homenagem ao grande Flávio Basso. A morte dele, tão jovem, foi uma grande perda para a música, hein?
O Flavio foi um cara que me influenciou muito. Muita gente nos diz que temos algo de “gaúcho” no som. Na verdade, isso se deve ao Júpiter Maçã. Eu me lembro que no final dos anos 1990, eu estava completamente sem ideias na cabeça, frustrado pra caralho, até que eu ouvi “A Sétima Efervescência”. Aquilo me deixou maluco, como uma bomba psicodélica. Ali estava tudo aquilo que eu presava na música: loucura, bom humor, letras em português (ou gauchês), lisergia sixties e fuleiragem latina. O cara ter morrido tão cedo foi um choque. E fiquei sabendo que ele estava deprimido, solitário e de mal com a vida. Triste. Então, resolvi dedicar uma canção a ele.

“Metti La Macchina”, que abre o disco, já ganhou um clipe divertido filmado com celular. Como surgiu a ideia?
“Metti La Macchina” surgiu da idea de fazer um webclipe de forma rápida, boa e sem custos. Acho que os celulares são equipamentos muito pouco aproveitados no processo criativo. Eles são como aquelas câmeras Super 8 dos anos 1970. Mas precisávamos de uma música instrumental, porque seria impossível linkar nossos lábios a letra na edição. Ai o Joca, nosso baixista que manja desse processo áudio visual, teve a melhor decisão: sujar tudo. Para ficar um lance meio fantasmagórico, colocamos máscaras. Ficou engraçado. É algo que ajuda a divulgar ainda mais o disco, enquanto o clipe oficial não sai. Aliás, vai sair. Gravamos e estamos em processo de edição.

Em 2013 vocês tocaram no Primavera Sound, em Barcelona, que para mim é o melhor festival de música do mundo. Como foi a experiência para o Motormama?
Foi um divisor de águas na história da banda. Na verdade, foi um choque. A gente não tinha ideia do tamanho do evento porque nossa experiência anterior havia sido o Pop Montreal (CA), que é uma versão mais modesta do SXSW, em Austin. O Primavera é gigante, e bota o nosso Lollapalooza no chinelo, porque é um dos maiores festivais da Europa. Cara, artistas que você venera estavam lá, tocando do seu lado. Tinha um palco só para bandas de pós rock como God Speed You Black Emperor e Mogwai. Loucura! Conversamos com gente do mundo inteiro por lá. Mas acho que poderíamos ter aproveitado melhor essa viagem em 2014, fazer mais shows, mais contatos, ou networking, como dizem. Faltou um manager pra organizar tudo isso. Mas, vivendo e aprendendo.

E agora, como estão os planos para o Motormama?
A curto prazo, vamos lançar o clipe da música ‘Não Sou Mais o Mesmo Sujeito’, um dos ‘hits’ do novo disco. As gravações foram um barato, num esquema guerrilha total com amigos ajudando. E queremos ver a repercussão do clipe para conseguir mais shows, né. Esse disco precisa de mais estrada. Avante!

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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