Entrevista: Donatinho fala sobre seu disco com João Donato

entrevista por Renan Guerra

Quando Donatinho nasceu, João Donato já estava na casa dos 50 anos e já era O João Donato, pianista, arranjador, cantor e compositor que fez parte da construção do que chamamos hoje de MPB, desde os tempos da Bossa Nova. Músico reconhecido por sua inovação e por suas mesclas de jazz e ritmos latinos, Donatão – como é chamado na intimidade – se arrisca agora em um universo completamente distinto no dançante e recém-lançado disco “Sintetizamor”, produzido ao lado de seu filho Donatinho.

Sai o piano acústico e entram os sintetizadores: o encontro musical de pai e filho gerou um disco que bebe nos exageros dos anos 70 e 80, com estética pop, que traz logo na capa Donatinho e Donatão em roupas futuristas, como cartuns de algum gibi perdido. Com produção do próprio Donatinho, “Sintetizamor” traz 10 faixas inéditas, compostas pela dupla e por parceiros como Davi Moraes (“De Toda Maneira”; “Interstellar”), Jonas Sá (“Luz Negra”), Ronaldo Bastos (“Vamos Sair à Francesa”) e Domenico Lancellotti e Julia Bosco (“Surreal”), entre outros.

Desse encontro de gerações surgiu um disco atual, que se comunica com o nosso tempo e que expande o universo já explorado anteriormente por Donatinho, artista que já trabalhou com gente como Vanessa da Mata, Fernanda Abreu, Gilberto Gil e Caetano Veloso. Donatinho, para quem não lembra, já tocou junto da banda Metrô, lá no início dos anos 2000, e lançou seu disco de estréia em 2014, intitulado “Zambê”. Para entender mais sobre esse projeto afetivo ao lado de seu pai, conversamos, via telefone, com Donatinho, que nos contou sobre a produção de “Sintetizamor”, suas referências e seu olhar vintage sobre o mundo pop. Confira abaixo:

O disco marca o encontro de pai e filho, mas especialmente uma inserção de João Donato no seu universo. Como vocês chegaram a esse projeto?
A gente já vinha a muitos anos querendo fazer um trabalho juntos, fazia muito tempo. E quando ficou decidido que eu ficaria responsável pela produção e pelos arranjos do disco, eu vi que se a gente fizesse um disco de banda seria apenas mais um disco do João Donato, e a minha ideia era fazer uma coisa original, que ele nunca tivesse feito antes na vida dele. E aí eu propus que a gente trabalhasse com uma estética mais pop, dançante, mais eletrônica. Ele topou e foi nessa viagem; e deu super certo, ele ficou super feliz com o resultado. Eu acho que na realidade a minha ideia como produtor do disco era surpreender as pessoas, mostrar que o Donato, apesar de estar com 83 anos de idade, continua muito jovem e é capaz de fazer qualquer tipo de som. Ele não tem barreiras, ele é livre.

Nesse sentido de inovação e tal, para mim, o “Sintetizamor” é um caminho natural de exploração para o seu pai depois do “Donato Elétrico” (2016), por exemplo. Isso mostra que ele está sempre buscando caminhos diferentes.
É, eu acho que o “Donato Elétrico” na verdade não é um disco que traga uma novidade, por que ele tenta reproduzir a sonoridade do “Bad Donato”, de 1972, a proposta foi meio que tentar ir naquela linha. Eu acho que o disco que a gente está fazendo agora é esse sim, de fato, um projeto mais ousado. Eu acho que esse é o projeto mais ousado que ele já fez na vida. E também por que fazia 15 anos que ele não cantava, que ele não lançava um disco cantando [referindo-se ao disco “Managarroba”]. Desde 2002 que ele só vem fazendo trabalho instrumental ou então ao vivo, mas disco de composições inéditas com ele cantando não acontece desde 2002. Acho que isso foi muito bacana também, botar ele pra cantar de novo, sabe?

O repertório do “Sintetizamor” é todo inédito. Algumas dessas faixas já existiam ou elas foram todas pensadas especialmente para esse projeto?
Duas delas já existiam anteriormente e outras oito foram compostas especialmente para esse trabalho. A gente se reuniu no início do ano passado para começar a compor as músicas, em encontros informais na casa dele, dali foram pintando as ideias, surgindo as melodias, as ideias iniciais, daí eu chamei alguns amigos, parceiros meus. A maioria – com exceção do Ronaldo Bastos, que já é parceiro antigo do Donatão – são pessoas da nova geração da música, e eu achei legal botar ele em contato com essa geração mais jovem de letristas.

O “Sintetizamor” foi todo gravado com antigos sintetizadores e de forma mais analógica, é isso não? Como se deu essa produção?
Esse trabalho demorou um pouco para acontecer, pra ser realizado, até por que às vezes as coisas só acontecem na hora que elas têm que acontecer mesmo. E, desde quando a gente teve a ideia inicial, não vou saber dizer quando assim, sei lá, deve ter mais de cinco anos que a gente já fala em fazer um trabalho juntos. De lá pra cá – na verdade um pouco antes -, eu comecei a colecionar instrumentos vintage, então eu tenho uma coleção bem grande de teclados antigos, da década de 60, 70 e 80. Esses teclados hoje em dia fazem parte do meu estúdio, o Synth Love. E esses instrumentos foram fundamentais para a sonoridade do disco, por que ele é todo baseado nesses instrumentos antigos, n essa sonoridade dos anos 70 e 80, basicamente.

Além dessa sonoridade vintage, o visual do trabalho também é todo calcado nesse universo retro-futurista. Nesse sentido, há um cuidado especial com a arte, como a ilustração de capa não é?
A proposta desse disco era trazer o Donato pro meu universo, tanto na questão do som quanto na questão visual e aí eu já trabalho há algum tempo com o Alan Jefferson, o desenhista que fez a ilustração da capa e também do pôster que vem no encarte e que é todo baseado nessa estética de comics, do super herói americano, esse universo DC e Marvel – ele inclusive é desenhista da DC Comics, que é a empresa do SuperMan, do Batman. E ele já vem trabalhando comigo há algum tempo, por que no meu trabalho solo, o “Zambê”, eu uso algumas das imagens que ele fez pra mim, no show elas são projetados no telão, pois um super herói é o personagem que eu encarno no meu show, até tem uma roupa especial, que é toda iluminada. E a idéia foi trazer o Donatão para esse universo também, tanto que na capa do disco ele está com uma roupa igual a minha, toda de luz também. E é bem bacana isso, até por que eu acho que seria mais fácil e mais óbvio eu me inserir no estilo musical dele do que ele no meu, seria mais esperado a gente fazer um disco onde eu me encaixa-se no que ele já faz. Eu acho que esse que foi o grande diferencial desse disco: é conseguir trazer ele para isso. Eu queria tirar ele da zona de conforto, tanto que não tem piano acústico em nenhuma das faixas, são todas com piano elétrico ou sintetizador.

Nesse universo da relação de vocês, em algum momento você sentiu alguma pressão ou peso pelo nome e pela história de seu pai?
Se eu senti alguma pressão? Na vida, você diz assim?

É, nesse sentido de as pessoas ficarem fazendo comparações e tal?
Ah, eu acho que isso é inevitável, as pessoas gostam de comparar, é uma coisa natural, mas isso não me incomoda nem um pouco, eu acho que isso já é ultrapassado também, acho que hoje em dia nem rola mais isso, por que a nossa música é tão diferente. A gente trilhou caminhos diferentes: ele tem a assinatura dele, eu tenho a minha. Eu acho que não tem mais espaço pra isso não; mas também se tiver não é algo que me incomode, eu não ligo muito pra isso.

Você mencionou seu disco solo “Zambê”, de 2014. Nesse sentido, depois do “Sintetizamor” você pretende fazer outro trabalho solo?
Pretendo sim, já tem algumas composições, eu devo fazer alguma coisa diferente – diferente em relação ao “Zambê”, que é um projeto especial, que é um disco onde eu não canto, é um disco com vários parceiros, onde eu chamei várias pessoas para cantar. Eu imagino que meu próximo trabalho seja mais na linha do “Sintetizamor”, isto é, um trabalho meu, de músicas minhas, cantando e tal. Mas eu não tenho certeza também, eu meio que deixo rolar, eu não fico planejando, deixo acontecer; mas por enquanto eu não pretendo fazer nada por agora, por que a gente acabou de lançar o disco, pretendemos trabalhar esse disco ainda por um tempo. Paralelo a isso eu faço os meus shows do “Zambê” ainda, tanto que no dia 6 de agosto eu irei me apresentar em Brasília, no Festival CoMA. E o Donato também, ele continua fazendo o trabalho dele, segue a carreira normal, isso é um projeto paralelo, onde a gente se encontra e toca junto.

Falando do disco, o que mais me encantou no “Sintetizamor” foi o caráter envolvente e pop do disco, essa coisa dançante…
Ah, obrigado!

Quais são as suas referências nesse sentido?
Ah, tem muitas referência, como Michael Jackson, Lincoln Olivetti, Zapp & Roger, Rick James, Parliament, Funkadelic, muita coisa da Black music antiga, particularmente dos anos 80, que é a minha grande referência musical. Eu gosto muito desses funks e souls da década de 80, que tinham muito sintetizador. Gap Band também, Midnight Star, várias bandas que eu gosto muito. No Brasil, o Lincoln Olivetti, é claro, que eu gosto muito, que é um dos maiores ídolos musicais que eu tenho. Ele também tinha muito essa sonoridade de sintetizador e tal, inclusive, ele era o maior produtor da época nos anos 80.

Eu vejo essa referência aos anos 80, mas a mim, curiosamente, me remeteu ao Cláudio Zoli, a Fernanda Abreu e o Ed Motta em alguns momentos dos anos 90, que era uma fase diferente entre a MPB e o Pop, que também tinha essas referências a Black music e tal. Hoje eu sinto que há certo distanciamento entre esses universos da MPB e do Pop nacional, sabe?
Ah é, totalmente. Hoje em dia é tudo meio americanizado. As produções de música pop hoje em dia parecem muito com as coisas lá de fora, elas não têm muita brasilidade. E daí eu volto a falar em relação ao Lincoln Olivetti, que é um cara que tinha muito isso, que tinha a capacidade de fazer os arranjos de nível internacional, mas ao mesmo tempo era tudo super brasileiro. Se você pegar aquelas gravações do Marcos Valle dos anos 80, “Estrelar”, por exemplo, “Bicicleta”, aquelas coisas eram muito nessa pegada que você está falando, da música pop dançante, mas ao mesmo tempo brasileira, com swing brasileiro. Ele era mestre em fazer isso!

Renan Guerra é jornalista e colabora com o sites A Escotilha e Scream & Yell. A foto que abre o texto é divulgação. As duas fotos posteriores são de Marcelo Costa / Scream & Yell, registro do show de João Donato na Virada Cultural de São Paulo, 2008, em que ele contou com a presença de Donatinho no palco.

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