Boteco: 12 países, 12 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série de países com um país estreante no Scream & Yell, Cuba, que chega aqui representado pela Cerveceria Bucanero, fundada em Havana em 1997, e que desde 2014 tem metade de seu capital dividido com a poderosa InBev (ou seja, 50% da empresa é da InBev e os outros 50% são do governo cubano). Esta latinha, presente do amigo Bruno Capelas, é da Cristal, cujo lema “la preferida de Cuba” estampa o rótulo. Trata-se de uma American Premium Lager de coloração dourada e creme branco de média formação e rápida dispersão. No nariz, a delicadeza conhecida do estilo mais popular do mundo: notas pálidas de malte sugerindo doçura, leve herbal advindo dos lúpulos e percepção de metálico. Na boca, doçura rápida seguida de amargor baixo. A textura é seca e o amargor praticamente nulo, como manda o estilo. Dai pra frente um conjunto discreto que presa pela refrescancia até o final, levemente herbal. No retrogosto, refrescancia.

De Cuba pulamos o muro e partimos em direção a Portland, no Maine norte-americano, com minha 11ª Shipyard, a Chocolate Milk Stout, uma Sweet Stout cuja receita une os maltes Pale, Crystal, Chocolate e Black com os lúpulos Pearle e EK Golding além de receber adição de soro lácteo, que a deixa bastante cremosa. De coloração marrom escura com creme bege de média formação e retenção, a Shipyard Chocolate Milk Stout exibe um aroma que combina notas que oferecem sugestões de doçura (chocolate, ainda que amargo, e baunilha) com forte pegada de café derivada do malte torrado. Há ainda leve percepção terrosa. Na boca, chocolate amargo no primeiro toque seguido de café muito mais suave do que o aroma prevê. A textura é suave, cremosa, mas nem tanto. O amargor é médio e abre as portas para um conjunto achocolatado e com leve sugestão de café e baunilha. No final, chocolate amargo e café. No retrogosto, mais doçura que amargor.

Dos Estados Unidos partimos para outro país estreante no Scream & Yell, agora Israel, que chega aqui através de outro presente do Bruno Capelas, que trouxe na mala uma Dark Lager da Jem’s Beer Factory, a primeira micro cervejaria kosher do país, aberta em 2009 em Petah Tikva, na região da Grande Tel Aviv, e hoje com três brewpubs de sucesso no país, ainda que o mercado, naturalmente, seja pequeno. Essa Jem’s Dark Lager apresenta uma coloração âmbar caramelo com creme bege clarinho de boa formação e média retenção. No nariz, doçura de malte caramelo com leve presença de lúpulo herbal e, também, de levedura, acrescentando condimentação. Na boca, doçura caramelada com condimentação de levedura na sequencia. A textura é metálica e picante e o amargor baixo, com a levedura e o metálico interferindo na percepção. O conjunto segue oferecendo doçura e metálico até o final, com um toque de café. No retrogosto, caramelo, toffee e metálico.

De Israel seguimos para a Alemanha com uma novidade da famosa cervejaria bávara Erdinger, que já passou por aqui com seus seis rótulos principais (e excelentes) agora chega com a Sommerweisse, uma German Hefeweizen que aposta no dry-hopping para acrescentar mais personalidade ao conjunto sem trair a Lei da Pureza Alemã. O resultado é uma cerveja mais amarelada (com leve turbidez puxando para o palha) com creme branco de excelente formação e longa permanência. No nariz, delicadas notas cítricas (limão e laranja) convivem com sugestão de pão e biscoito – há, ainda, leve percepção de acidez. Na boca, doçura de trigo rápida que vai recebendo acréscimo de notas cítricas bem agradáveis, que influenciam delicadamente no amargor, uma pancadinha rápida e suave. A textura é cremosa e levemente picante e o conjunto se mostra americanizado sem perder o jeito alemão. No final, refrescancia e leve cítrico. Já o retrogosto traz limão, amargor suave e trigo. Gostei.

Da Alemanha para ali do ladinho, na República Tcheca, mais precisamente para Nová Paka, uma pequena cidade que quase chega a 10 mil habitantes, fica a uma hora da capital Praga (e a cinco horas de Erding, na Alemanha) e é casa da enorme Pivovar Nová Paka, cervejaria com cerca de 500 anos de história responsável por esta Zlatopražske Lager, uma Premium Lager de coloração âmbar escura e creme branco espesso de boa formação e média alta retenção. No nariz, doçura de caramelo e discreta percepção herbal. Na boca, a textura é levemente seca e um tiquinho metálica. O primeiro toque confirma a pegada do caramelo oferecendo doçura, mas logo em seguida há presença de lúpulos herbais equilibrando a pendenga. O amargor é baixo, mas eficiente, abrindo caminho para um conjunto simplista, que aposta na refrescancia e na delicadeza do encontro do caramelo com o herbal. O final é levemente adocicado e amargo. No retrogosto, leve doçura, amargor sútil e caramelo.

Da República Tcheca para o interior de São Paulo, casa da Dama Bier, que marca presença com o lote único da Maresia, uma Sour que recebe adição de extrato de cranberry. De coloração vermelha clara com creme branco de boa formação e média permanência, a Dama Maresia exibe um aroma com percepção de notas frutadas remetendo a frutas vermelhas além de suave acidez. Na boca, doçura frutada rápida seguida de acidez marcante e leve salgadinho, tradicional do estilo. A textura é levemente acética, e a acidez também influencia no amargor, que na verdade nem marca presença, mas a pancada acética toma a função pra si, e faz bonito num conjunto que, dai pra frente, aposta em doçura frutada e acidez pronunciada. O final é doce, levemente adstringente e refrescante, percepção que se estende ao retrogosto. Delícinha.

Do Brasil de volta para a Europa, agora para a França (ainda que a cidade de Angoulême esteja mais a Espanha do que para Paris) com a segunda La Débauche a passar por aqui: Volga, uma American Pale Ale de coloração âmbar caramelada e, assim como Lindy Hop (a La Débauche anterior), creme branco espesso e majestoso de bela formação e longa retenção. No nariz, equilíbrio entre doçura de caramelo e notas herbais advindas da lupulagem. Na boca, textura cremosa e levemente picante. O primeiro toque traz doçura de caramelo que no segundo seguinte recebe uma pancadinha herbal até o equilíbrio do amargor, baixo, e acompanhado de efervescência, que abre o caminho para um conjunto simplesinho, mas saboroso, que valoriza a doçura do malte sem deixar de dar uma piscadela para o lúpulo. O final é docinho e com um levezinho amargor. No retrogosto, herbal prenunciado e doçura de caramelo. Delicinha (2)

Da França para a Rússia com a terceira Baltika, de São Petersburgo, a passar por aqui (as duas anteriores foram a número 4 e a número 8): número 7, uma Dortmunder Export Lager de coloração dourada cristalina com creme branco de boa formação e média retenção. No aroma, notas oferecendo doçura caramelada de malte bastante discreta sobre notas herbais suaves e tão discretas quanto. Na boca, a doçura domina o primeiro toque e é seguida de metálico suave, herbal discreto e amargor baixo. A textura é cremosa e o amargor, baixo, mas eficiente, abrindo as portas para um conjunto bastante simples, como manda o estilo, oferecendo doçura maltada e amargor herbal bastante suaves, buscando refrescar o bebedor. O final é levemente amargo e maltado (e metálico). No retrogosto, doçura maltada, leve herbal e refrescancia suave, bem suave.

Da Rússia partimos para a Suécia com a Omnipollo (cigana produzida na fábrica belga da De Proefbrouwerij), que marca presença aqui com a Zodiak, uma (Old) American India Pale Ale cuja receita aposta na força dos lúpulos Simcoe, Citra e Centennial. De coloração amarela turva, juicy, e creme branco de ótima formação e longa retenção, a sueca Omnipollo Zodiak exibe um aroma com pungentes notas cítricas (limão, abacaxi, melão) além de suave herbal (pinho e grama) e condimentação suave. Na boca, doçura cítrica deliciosa com um toque de limão e grapefruit. A textura é suave, quase cremosa, com leve picância. O amargor é médio e eficiente abrindo as portas para um conjunto que mantém o foco no cítrico em primeiro plano, mas com herbal bastante presente, e final seco e levemente amargo. No retrogosto, maracujá, ervas e refrescancia. Gostosa.

Da Suécia descemos para o Reino Unido com uma India Ale, a quarta cerveja da Samuel Smith a passar por este espaço (antes vieram Taddy Porter, Oatmeal Stout e Nut Brown Ale), uma English IPA que respeita o estilo nascido no continente (e virado maravilhosamente do avesso no Novo Mundo). De coloração âmbar caramelada com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção, a Samuel Smith India Ale exibe um aroma com forte pegada herbal, derivada dos lúpulos, combinando com a doçura dos maltes, que aqui não ficam escondidos, mas disputam a atenção do bebedor. Na boca, amargor herbal no primeiro toque seguido de doçura caramelada (os Estados Unidos inverteram isso em sua revolução). A textura é cremosa e levemente picante enquanto o amargor médio é eficiente. Dai pra frente surge um conjunto bastante saboroso, mais amargo que doce, mas, ainda assim, English IPA: aqui o malte aparece até no final, doce e levemente herbal. No retrogosto, pinho mais intenso e caramelo. Boa!

Do Reino Unido para a Holanda, casa da De Molen, que já passou por aqui com mais de 20 rótulos, e chega agora com a Vuur & Vlam (Fogo e Chama), uma American IPA cuja receita utiliza lúpulo Cascade para amargor e Amarillo, Chinook, Columbus e Citra para aroma. De coloração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de boa formação e permanência, a De Molen Vuur & Vlam combina doçura caramelada de malte com notas cítricas e herbais que surgem da lupulagem. Na boca, o primeiro toque equilibra cítrico, herbal e doçura caramelada, mas no segundo seguinte os lúpulos colocam uma cabeça de vantagem sobre o malte, com leve amargor resinoso batendo ponto. A textura é cremosa, levemente picante, e o amargor é médio abrindo as portas para um conjunto que segue o dogma das Old American IPAs, muito amargor, mas caramelo presente. No final, amargor herbal suave. No retrogosto, refrescancia. Boa!

Fechando o passeio na Bélgica, com uma das mais antigas cervejarias do país, a Brasserie Du Marché, fundada em 1456 e, segundo a lenda, tendo abastecido as tropas aliadas contra Napoleão na Batalha de Waterloo. Tendo fechado as portas em 1971, a cervejaria foi reaberta em 204 com as receitas originais recriadas pela Brasseria Du Bocq. Esta Waterloo Strong Kriek é uma Fruit Beer que recebe adição de polpa de cerejas e exibe uma coloração avermelhada com creme branco de traços vermelhos apresentando uma média formação e permanência. No nariz, sugestão artificial de cereja e chiclete. Na boca, doçura de cereja com uma suave percepção dos 8% de álcool. A textura é suave com leve picância alcoólica. O amargor é quase zero e, dai pra frente, surge um conjunto meio qualquer nota, com doçura e cereja artificial tentando encobrir o álcool, que mesmo assim dá as caras, sutilmente, até o final, frutadinho. No retrogosto, essência de cereja.

Balanço
Abrindo mais uma série de países agora com Cuba, que marca presença com sua popular lager Cristal, que pode descer bem em dias calorentos nas praias da ilha, mas não surpreende. A Shipyard Chocolate Milk Stout, dos EUA, é uma boa Sweet Stout, que pode conquistar corações. Já a Jem’s Dark Lager, de Israel, chegou levemente metálica, mas lança luz sobre essa interessante micro cervejaria israelense. Eis a Alemanha se rendendo ao Novo Mundo, e fazendo bonito com essa Sommerweisse, que soa redondinha e deliciosa para o verão. Nada revolucionário, mas bem saboroso. Já a Nová Paka Zlatopražske Lager é uma Premium Lager bávara, ou seja, mais arisca que concorrentes do Novo Mundo, mas ainda assim bastante simples. Já a Dama Bier oferece uma Sour chamada Maresia, com cranberry, que refresca e traz sabor. Uma delicinha! Outra delicinha é a francesa La Débauche Volga, que não tem o mesmo brilho da Lindy Hop, mas coloca sorrisos no rosto também! Agora na Rússia, mais uma Baltika, a número 7, uma Dortmunder refrescante e bem suave, simples, mas eficiente. Já a sueca Omnipollo marca presença com uma boa American IPA, cítrica e levemente amarga. Da Inglaterra, uma boa English IPA da Samuel Smith, que soa, inclusive, mais “pegada” das que as India Ales tradicionais do país. Gostei. Penúltima da série, a De Molen Vuur & Vlam é mais uma Old American IPA que honra o estilo. Fechando o passeio, uma Fruit Beer tosquinha da Waterloo chamada Strong Kriek, que chega a ser boazinha de tão ruinzinha.

Cristal
– Produto: Pale Lager
– Nacionalidade: Cuba
– Graduação alcoólica: 4,9%
– Nota: 2/5

Shipyard Chocolate Milk Stout
– Produto: Sweet Stout
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,34/5

Jem’s Dark Lager
– Produto: Dark Lager
– Nacionalidade: Israel
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,02/5

Erdinger Sommerweisse
– Produto: German Hefeweizen
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 4.6%
– Nota: 3,33/5

Zlatopražske Lager
– Produto: Premium Lager
– Nacionalidade: República Tcheca
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,86/5

Dama Bier Maresia
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4,8%
– Nota: 3,34/5

La Débauche Volga
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: França
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,39/5

Baltika 7
– Produto: Dortmunder Export Lager
– Nacionalidade: Rússia
– Graduação alcoólica: 5,4%
– Nota: 2,88/5

Omnipollo Zodiak
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Suécia
– Graduação alcoólica: 6.2%
– Nota: 3,46/5

Samuel Smith India Ale
– Produto: English IPA
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,38/5

De Molen Vuur & Vlam
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: Holanda
– Graduação alcoólica: 6,2%
– Nota: 3,42/5

Waterloo Strong Kriek
– Produto: Fruit Beer
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 2,86/5

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– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
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