Conexão Latina: Gaby Moreno

por Leonardo Vinhas

Gaby Moreno é uma cantora guatemalteca que vem criando uma história bastante peculiar na música pop. Apesar de seu país de origem, ela vem pavimentando uma carreira sólida nos Estados Unidos, com ecos para outros países de idioma espanhol. Nos EUA, ela não está restrita ao saco de gatos que é o mercado “latino”, mas também se destaca no cenário de soul e folk, dois elementos que, juntamente com o blues, formam a espinha dorsal de seu estilo musical.

Gaby foi a primeira artista de seu país a ganhar um Grammy – em 2013, levou a estátua de Melhor Artista Novo, mesmo já tendo três álbuns e um EP à época. Seu primeiro disco, “Still the Unknown” (2008), traz blues e folk em estado cru, diferente do som grandioso e vintage que se escuta no belo Ilusión (2016), seu lançamento mais recente.

Em paralelo a seu trabalho autoral, Gaby também colabora com diversos artistas. Sua participação em “Didn’t It Rain”, de Hugh Laurie (2012), e na turnê subsequente do disco, levou seu nome e sua voz a diferentes países, incluindo o Brasil, por onde o Dr. House passou na sua primeira turnê mundial. Sua colaboração com seu conterrâneo Ricardo Arjona, “Fuiste Tú”, atingiu quase meio bilhão de views no Youtube (você não leu errado!). Foram parcerias que lhe renderam forte sucesso comercial, mas ela também pode gravar com nomes de menor alcance, como Calexico e Jonny Two Bags (guitarrista do Social Distortion).

Pouco antes de vir ao Brasil, da casa de sua mãe na Guatemala, Gaby atendeu a uma ligação telefônica do Scream & Yell. Ao som de pássaros como fundo, risonha ainda às oito da manhã, ela comentou sobre essas parcerias, sua primeira apresentação solo no Brasil e as transformações de sua música.

Desde que sua vinda ao Brasil foi anunciada, você recebeu alguma manifestação do público brasileiro?
(ri) Sim, alguns seguidores que tenho no Brasil me mandaram mensagens. É a primeira vez que vou ao país com minha própria música. Claro que não tenho expectativas tão altas, e na verdade isso acontece sempre: não tenho altas expectativas a nenhum lugar aonde vou (risos) e sempre encontro muita gente, muito emocionada. É muito bonito sentir que vai haver uma boa energia, não importando quanta gente haja. Pensar se vai ou não ter gente é algo que não me incomoda nem me tira o sono. Da minha parte, o importante é fazer um bom show e que as pessoas se divirtam, depois vemos o que acontece (risos).

(Nota: o show no Festival Mucho! cativou público e foi apontado como o destaque do festival pelo Scream & Yell e outros meios)

Você colabora com gente muito diferente. Pode estar com Jonny Two Bags (também guitarrista do Social Distortion) ou com [Ricardo] Arjona (risos – Arjona é um cantor popular extremamente desprezado pela crítica, uma espécie de Fabio Junior com aspirações a poeta visceral), então queria saber quais são seus critérios para aceitar um convite para uma gravação.
O primeiro é se gosto do artista e se sou admirador do trabalho que ele faz. O segundo ponto que considero muito importante é escutar a canção e ver se ela me enche de emoção. Curto muito fazer colaborações, desde que elas tenham sentido e que eu possa aportar algo à canção. E aí não me importa se estou com Ricardo Arjona, Hugh Laurie ou com os meus amigos do Calexico. São colaborações que me inspiraram muito como artista, me fizeram crescer e deixaram algo bom em mim. Sinto que isso é crucial para um artista: poder escolher qual é o momento de colaborar, qual é o de focar num projeto solo, e saber silenciar por certo tempo.

Seus discos são pensados como álbuns, tal como seus amigos do Calexico o fazem – John Convertino falou muito disso na entrevista que deu para o Scream & Yell. Como é para você, compositora com essa visão do formato álbum, ver seu trabalho se dispersando nesse mundo de escuta aleatória e impaciente?
Esse boom digital faz com que muita gente pare e compre apenas dois singles, ou as canções mais populares, e não o disco inteiro. Para mim, como artista, isso é lamentável, obviamente. Sei que existe gente que ainda desfruta da experiência de ouvir algo completo, e isso é algo que eu e muitos artistas queremos continuar oferecendo. Eu preciso escutar música: o começo, o meio, o fim. É uma arte que está se perdendo, e temos que mantê-la viva.

Ainda sobre seus discos: é notável como eles são diferentes uns dos outros. “Still the Unknown” é muito diferente de “Ilusión”, por exemplo…
Sim, sim. São quase oito anos separando um do outro (risos).

A questão é: que te conduz nessa busca? O que te faz transitar por propostas tão diferentes?
Primeiro, acredito que como artista é importante evoluir e não ficar estagnado em um só campo. Desde sempre gosto de soul, blues e folk, um pouquinho de jazz, e sinto que são esses os estilos nos quais trabalho desde que comecei e que sigo neles até agora. Não acho que os tenha abandonado em algum momento. O que procuro a cada disco é a maneira de transformar isso em algo sonoro e distinto, que a produção vá mudando a cada disco. Por exemplo, o primeiro disco, “Still the Unknown” (2008), eu gravei numa sala, na casa de uns amigos, com orçamento muito pequeno. Estávamos nos divertindo na casa, entre amigos, todos os instrumentos em um único espaço, e sinto que esse é a sonoridade do primeiro disco: um som caseiro, orgânico. E quando passa a “Postales” (2012), por exemplo, que é meu terceiro disco, já se escuta mais a produção, porque eu estava trabalhando com o produtor Dan Warner, que trabalha com artistas muito reconhecidos. Tinha muito mais roupagem na produção, soa maior, mais cinematográfico. Mas depois veio Ilusión (2016), meu último disco, e quis fazer com Gabe Roth, que trabalhou com a Sharon Jones e com o Charles Bradley, para ter esse som vintage, que remete ao soul dos anos 60. Ele trabalha com um equipamento totalmente analógico, e eu nunca tinha feito algo assim. Não há um único computador no disco, não há nada digital. Fizemos tudo com os músicos. Eram vários takes, e escolhíamos um deles, então é o mais perto possível do meu som com banda ao vivo que você vai escutar em uma gravação de estúdio.

De fato, parece que se escuta cada vez mais soul e folk e cada vez menos blues na sua obra.
Creio que ultimamente venho escutando mais essa música, e isso tem influenciado muito na composição e na minha maneira de cantar, que mudou muito desde o primeiro disco.

Você compõe tanto em inglês como em espanhol. Como se dá a escolha do idioma? Tem a ver com a sonoridade ou com a história que você quer cantar?
Simplesmente nasce assim: estou com o violão, brinco com os acordes que gosto e começo a cantar uma melodia. Logo aparecem algumas palavras, e às vezes elas são em espanhol, às vezes em inglês. Não me coloco a pensar no idioma, é assim e pronto (risos). O que eu não gosto é de fazer traduções de canções. A única que fiz foi a do single “Se Apagó”, que virou “Love Is Gone”. As canções têm seu próprio mundo, e o de algumas é em inglês, e o de outras em espanhol.

Você tem essas influências bem fortes, e isso gera um dado curioso: raramente te colocam como “artista latina” no mercado ou na imprensa. O que é bom, porque musicalmente, “latino” não quer dizer nada.
É verdade. É que… (ri) “música latina” é algo tão generalizado… Há tantos subgêneros dentro da música latina. Assim como existe rock em espanhol, sinto que estou tentando trazer um pouco de jazz, blues e soul para a comunidade latino-americana, o que não é muito comum.

De qualquer maneira, não se escuta nada de música guatemalteca em seu trabalho. Imagino que ela não teve impacto algum na sua formação musical.
Não teve mesmo. Eu descobri o blues numa viagem que fiz com minha família aos Estados Unidos. Eu era muito pequena, tinha 13 anos, tínhamos ido de férias a Nova Iorque e desde a primeira vez que ouvi essa música, ela me cativou. Desde então eu quero absorver mais, aprender mais essa música. Já naquela época comecei a comprar discos e eles me encaminharam também para o soul, para o jazz. Desse modo, não há nada aqui na Guatemala que eu possa te dizer que foi uma influência nas músicas. Agora nas letras sim, porque gosto de falar de minha experiência como imigrante, de histórias do meu país, de contos e lendas que ouvi quando pequena. Ou seja, tenho uma influência lírica, sim.

Você vê outros artistas que cantam em espanhol trabalhando no mesmo tipo de música que você?
Definitivamente, sei que não há muitos artistas que façam isso. E te digo isso porque quando lancei o compacto “Se Apagó” – que tem uma forte influência de soul da Stax, da Motown – eu queria muito fazer a canção como um dueto com um homem, e me custou muito encontrar alguém. Na verdade, não encontrei ninguém que tivesse essa voz tipo Otis Redding, tipo Sam Cooke, e cantasse em espanhol. Tive que versionar a canção em inglês e fazer o dueto com um artista de Nashville, o Jonny P., que tinha a voz que eu escutava na minha cabeça enquanto eu compunha a canção. Não é certo dizer que não existe ninguém – sei que estão aí, o que deve acontecer é que não são muito reconhecidos. Mas o fato é que não encontrei ninguém (risos). E espero que essa música que entrego às pessoas sirva também para outros artistas. Que essa música que amo chegue a mais gente e não tenha fronteiras. O rock chegou à América Latina e se incorporou, adoraria que o mesmo acontecesse com o soul e o blues.

Bem, se tivesse procurado um que cantasse em português, poderia talvez ter encontrado no Brasil. Temos muitos artistas de soul aqui.
Verdade?

Sim, tivemos uma cena soul forte nos anos 70, e isso influenciou muita gente aqui. Tivemos uns nomes de peso por aqui.
É mesmo? Me indica algum?

A entrevista se encerrou com Gaby Moreno recebendo algumas indicações de soul nacional – Tim Maia acima de tudo, obviamente. Se você tiver outros nomes para indicar para ela, fique à vontade para deixar um recado em sua página oficial do Facebook.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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