Balanço: Festival Fim do Mundo 2017, BH

Texto e fotos por Bruno Lisboa

Por mais que rap e o punk tenham tido origens e disseminação quase na mesma época nos anos 70, ambos não estabeleceram, inicialmente, um diálogo imediato já que o público de cada estilo na época diferia. Porém, se há um elemento comum entre estes gêneros distintos é o fato de que ambos trouxeram em suas letras o discurso subversivo das ruas que afrontavam governos opressores, questionavam o capitalismo entre tantas outras temáticas sociais, que se tornariam parte essencial de ambos os gêneros e seriam capazes de mudar realidades.

A esperada união só aconteceria anos mais tarde quando então os Beastie Boys, inicialmente um grupo hardcore punk, iria agregar elementos do rap a sua sonoridade e estabeleceria o casamento. De lá para cá, punk e rap sofreram drásticas modificações. Como Phillip Long disse em entrevista ao próprio Scream & Yell, a música de um modo geral tem se tornado irrelevante já que não quer falar sobre a sua própria história, perdeu o interesse de discutir a própria realidade tornando-se decorativa e vazia. Entretanto há, ainda, no underground brasileiro artistas que buscam a militância através da arte. E vários exemplos marcaram presença no line up do Festival do Fim do Mundo, em Belo Horizonte.

Realizado no último dia 20 de maio na Fábrica, um novo espaço para a música independente mineira, o festival uniu grafiteiros, artistas plásticos, fotógrafos e 12 atrações musicais em sua primeira edição, que de maneira geral representaram boa parte que do que melhor tem se produzido, quando o assunto é rap e punk, nos dias atuais nas Gerais, contando também com alguns convidados especiais de outros estados. Com duração de 12 horas, o Festival do Fim do Mundo teve como destaque a segunda leva de atrações que começou com o mascarado trio Dops, que trouxe ao evento um punk rock visceral de canções velozes, furiosas e diretas. Ao final, covers de Olho Seco (o hino “Isto é Olho Seco”) e do Cólera encerram a apresentação.

O quinteto Filhos de Sandra mostrou uma sonoridade equilibrada entre rap, jazz, rock e música brasileira. Liderada pelo carismático MC Oreia, a banda fez da apresentação um teste para seu diversificado repertório, como comprovam as faixas “Zandra” e “Consome”, que devem render um disco cheio em breve. Liderados pelo guitarrista Claudão Pilha, icônica figura do underground belo-horizontino, o The Dead Pixels mostrou seu garage punk numa apresentação ensurdecedora que foi composta por canções presentes no EP de estreia lançado em 2014 além outras novidades cuja sonoridade oscila entre The Cramps e Black Flag.

O rapper Vinição, revelação que gradualmente vem conquistando espaço no cenário nacional, baseou a sua apresentação no seu ótimo EP de estreia, “Essa é a Fita Mesmo” (2015), comprovando que o barulho provocado nas inúmeras batalhas de MCs vencidas em BH fazem todo o sentido. As Mercenárias, icônico grupo punk feminino paulista dos anos 80, vieram em seguida mostrando canções dos clássicos álbuns “Cadê as Armas?” (1986) e “Trashland” (1987). Com apenas tem Sandra Coutinho da formação original, o trio – acrescido da guitarrista Mari Crestani e da baterista Michelle Abu – mantém a energia bruta do repertório original e fizeram a melhor apresentação da noite.

O BCC Crew, duo de MCs formado por Barbara Sweet e Sarah Guedes, trouxe canções embaladas pelos beats do rap e do funk que versam sobre o feminismo, esbanjando sensualidade em sua performance. O celebrado DV Tribo foi a penúltima atração da noite. Formado pelos MCs Oreia (Filhos de Sandra), Clara Lima, Hot e Djonga, o coletivo começou a escrever a sua própria história na cena local belorizontina desde 2015. De maneira explosiva, o grupo no palco se entrega por completo resultando numa performance eletrizante e condizente ao repertório, como é perceptível no single “Geração elevada”, que aos poucos é divulgado em redes como o Spotify. Olho neles!

Sob a alcunha O Satânico Dr. Mao e os Espiões Secretos, os ex-Garotos Podres Mao (vocal) e Cacá Saffiotti (guitarra), acompanhados de Uel (baixo) e Shu (bateria), fecharam a noite. Em apresentação correta e sem rodeios, Mao e seus comparsas mesclaram canções de todas as fases dos Garotos Podres. Hinos como “Papai Noel Velho Batuta”, “Nasci Para Ser Selvagem” e “Vou Fazer Cocô” foram cantadas a plenos pulmões pelo pequeno, mas devoto público presente. Se o mainstream opta por, de modo geral, ignorar a realidade apostando numa linha hedonista e festiva, é louvável saber que a militância através da arte segue de vento em popa no underground, que ainda tem fome de dizer algo relevante e instigante para o público. E quem bom que existem iniciativas como a deste Festival do Fim do Mundo, que se preocupam a dor voz aos famintos. Que assim sempre o seja.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão.

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