Discografia comentada: Leonard Cohen

por Julio Costello

Texto publicado originalmente no Scream & Yell em novembro de 2002. Reeditado em 2016 por Marcelo Costa, editor do Scream & Yell, que escreveu sobre os discos pós 2004. Colaborou Gabriel Innocentini.

Leonard Cohen tinha apenas 15 anos quando conheceu um imigrante espanhol que lhe ensinou por meio dos sons de um violão a conquistar o coração das mulheres. Esse professor suicidou-se semanas depois, ensinando a derradeira lição ao jovem Cohen. Decorrido algum tempo, Leonard tocava nos Buckskin Boys e escrevia poemas. Nos anos 1950, ingressou na faculdade, onde cursou Literatura, apaixonou-se pela poesia de Federico Garcia Lorca e pela cultura hispânica.

Nos anos 1960, já era um respeitado como escritor tendo lançado os livros “The Spice Box Of Earth” (1956) “Let Us Compare Mythologies” (1956) e “Parasites Of Heaven” (1962), mas dividia-se entre a literatura e música. Decidiu cantar com mesmo cuidado de um trovador que conscientemente transige para o pensamento humanista. Escreveu canções sobre relacionamentos consumados ou imaginários, caos, sexo, morte, religião, profecias irônicas e desolação.

Em 1967, apresentou-se no Central Park ao lado da cantora Judy Collins, que havia gravado “Suzanne”. Neste mesmo ano, participou do Newport Folk Festival e tornou-se tema de um documentário produzido no Canadá. Consolidou sua carreira lançando bons álbuns nas décadas seguintes, ainda que recluso. Após um longo intervalo a partir de 1992, voltou a gravar e, no novo século, lançou cinco álbuns de inéditas, o último (“You Want It Darker”) no dia 21 de outubro de 2016.

Um breve olhar sobre a discografia de Leonard Cohen

Leonard Cohen não é um cantor de fácil assimilação às primeiras audições. Suas canções são drogas pesadas, dopantes. Sua voz monocórdica e o instrumental sem ornatos não colaboram a princípio. No entanto, a quem se dispuser enfrentar o estranhamento inicial, a colheita será abundante. Talvez valha dizer que gente como Michael Stipe, Bono, Nick Cave e Frank Black sejam fãs confessos. Ian McCulloch, em entrevista ao S&Y, por exemplo, colocou uma canção de Cohen na sua listinha de cinco preferidas de todos os tempos e confessou, em outra entrevista, tremer ao se imaginar conversando com o bardo.

Porém, se o fã clube é seleto, não há nenhuma regularidade nos seus lançamentos, fato que deixa os fãs sempre apreensivos e ansiosos. Pior se o fã for brasileiro, o que o obriga a sempre importar essas preciosidades a preços nada confortáveis. Sua discografia possui 14 itens de estúdio, 8 álbuns ao vivo e avaliá-la não é tarefa fácil. O critério utilizado aqui respeitou a evolução natural da obra do artista, tomando como parâmetro os seus melhores álbuns.

Songs of Leonard Cohen, 1968
O disco de estreia do bardo, produzido por John Simon e repleto de folk ultra-romântico que já foi definido como a melhor trilha sonora para um suicídio. Da primeira faixa (“Suzanne”) até a última (“One of Us Cannot be Wrong”), a sensação é de isolação e desespero. Não foi por acaso que o diretor Robert Altman utilizou várias faixas do álbum na trilha de “Quando os Homens são Homens”, de 1971. A capa do álbum revela um artista com expressão grave numa foto feita pelo próprio cantor e os versos “And you want to travel with him / And you want to travel blind / And you think maybe you’ll trust him for he’s touched your perfect body with his mind” (“Suzanne”), denunciam a paixão de Cohen por uma mulher casada, uma Suzanne real. O lirismo amoroso manifestava-se também em “Hey, That’s No Way to Say Goodbye” e “So Long, Marianne”, escritas para a namorada Marianne Jenson. “Songs of Leonard Cohen” é o disco mais importante de Cohen e da vertente melancólica da música pop. Foi reeditado em 2007 com duas faixas bônus: “Store Room” e “Blessed Is the Memory”.

Ouça: “Suzanne”, “Sisters of Mercy”, “Stories of the Street”, e “So Long, Marianne”
Nota: 10

Songs From A Room, 1968
Produzido por Bob Johnston, “Songs From A Room” mantém a atmosfera do álbum anterior. “Bird On The Wire”, a primeira faixa, é canção obrigatória nas apresentações de Cohen e versa sobre a liberdade: “Like a bird on the wire / I have try in my way to be free”. Em seguida, a narrativa “bíblica” de “Story of Isaac”, em que Cohen condena os sacrifícios desnecessários cometidos em nome da vaidade e pede o fim da imolação de uma geração de crianças. “The Partisan”, a única não assinada pelo compositor, composta em 1944 por Anna Marly e Hy Zaret, narra a história de um combatente da Segunda Guerra, que perdeu esposa e filhos e deseja livrar-se de todo o passado e alcançar as fronteiras da prisão, o campo de batalha. Também foi reeditado em 2007 com duas faixas demo extras: “Like a Bird (Bird on the Wire)” e “Nothing to One (You Know Who I Am)”

Ouça: “Story of Isaac”, “A Bunch of Lonesome Heroes”, “The Partisan”, “Seems so Long Ago, Nancy”, “Bird on the Wire”
Nota: 9

Songs Of Love And Hate, 1970
Com um álbum muito triste, Leonard Cohen encerra uma espécie de trilogia inicial. “Avalanche”(regravada duas vezes por Nick Cave) cobre o ouvinte de uma tristeza profunda; “Last Year’s Man” narra o encontro de um jovem com o exército de Joana D’Arc, onde é bem recebido. “Famous Blue Raincoat” é uma das melhores composições de Cohen, confessional à maneira de uma carta: “It’s four in the mourning, the end of December / I’m writing you now just to see if you’re better / New York is cold but I like where I’m living / There’s music on Clinton Street all thru the evening. / I hear that you’re building your little house deep in the desert / You’re living for nothing now / I hope you’re keeping some kind of record / Yes and Jane came by with a lock of your hair / She said that you gave it to her / That night that you planned to go clear / Did you ever go clear?”.

Ouça: “Avalanche”, “Last Year’s Man”, “Love Calls You By Your Name”, “Famous Blue Raincoat”, “Joan of Arc”
Nota: 9

Live Songs, 1973
Primeiro registro ao vivo lançado comercialmente por Cohen. Foi gravado entre 1970 e 1972 em Paris, Londres, Berlim e Bruxelas. Apesar da gravação ser precária há belíssimas versões de “Bird on the Wire”, com introdução em francês, “Story of Issac” e “Nancy” (nova versão de “Seems So Long Ago, Nancy”). Nesse tempo, o compositor já vivia em Hydra, ilha grega onde residiu por alguns anos.

Ouça: “Story of Isaac”, “Nancy”, “Minute Prologue” e “Bird on the Wire”.
Nota: 7

New Skin For The Old Ceremony, 1974
Quebra a tradição dos títulos do álbum do autor, sempre marcados pelo substantivo “Songs”. É um disco menos taciturno que “Songs of Love and Hate” e é marcado pela celebração do amor. “Lover Lover Lover” traz ecos de “So Long, Marianne”. A capa (a primeira sem foto de Cohen) reproduz uma cópula de anjos, a “Simbólica Representação da Conjunção do Espírito, ou o princípio da união Espiritual do Macho e da Fêmea, do texto da Alquimia” de 1550.

Ouça: “Chelsea Hotel # 2”, “Lover Lover Lover”, “Who By Fire”, “Field Commander Cohen”,
“A Singer Must Die” e “There’s a War”
Nota: 8

Death Of A Ladies’ Man, 1977
Gravado sob a produção de Phil Spector, conhecido por seus trabalhos com Beatles, Ronettes e Ramones. Spector é parceiro de Cohen em todas as canções, o que imprimiu ao disco uma sonoridade lounge, por vezes country, um pouco distanciada do formato folk e repleta de wall of sound ou Spector Sound. Os motes são relacionamentos e desencontros, como em “I Left A Woman Waiting” e “Memories”. Bob Dylan participa dos vocais de “Don’t Go Home With Your Hard-On”. Nesse disco, Leonard pretendia destruir a imagem de poeta triste (já na capa ele posa ao lado de duas mulheres numa mesa de bar). Apesar de todos os problemas, tudo soa bem. É um disco que Lambchop, Tindersticks e Bil Callahan (Smog) desejariam fazer, mas ainda não beberam o suficiente para tal.

Ouça: “True Love Leaves no Traces”, “Iodine”, “Memories”, “I Left a Woman Waiting” e “Don’t Go Home With Your Hard-On”
Nota: 9

Recent Songs, 1979
Cohen, sem a companhia de Spector (o disco foi produzido por Henry Levy), retoma algumas características dos quatro primeiros discos (exceção de “Humbled in Love” e “Came So Far For Beauty”). Aqui o bardo surge mais seguro, mas não menos avassalador. A capa é um belo retrato pintado por Dianne Lawrence. A partir desse disco, a produção do artista torna-se lenta, marcada por longos hiatos.

Ouça: “The Guests”, “Humbled In Love”, “Gypsy’s Wife”, “The Window” “Came So Far For Beauty”, “The Traitor” e “Ballad of Absent Mare”
Nota: 8

Various Positions, 1985
Primeiro disco após seis anos sem gravar, tempo em que o cantor dirigiu, roteirizou e compôs a trilha do curta-metragem “I Am a Hotel”. Primeiro lançamento do poeta nos anos 1980, “Various Positions” peca na “modernização” do instrumental, quase sempre em arranjos equivocados. As letras continuam dilacerantes como em “Dance Me To The End Of Love” (apesar dos horríveis vocais de apoio), “Come Back To You”, “Hallelujah” (magistralmente registrada no único álbum de Jeff Buckley), “Heart With No Companion” (regravada em um delicada versão de Ron Sexsmith) e “If it Be Your Will”.

Ouça: “Heart With No Companion”, “If it Be Your Will”, “Dance Me To The End Of Love” e “Hallelujah”
Nota: 5

I’m Your Man, 1988
É o segundo e último disco de Cohen na década de 1980. A sonoridade do álbum é uma evolução natural do anterior. A utilização de teclados, sintetizadores e bateria eletrônica são coerentes com as composições (o que não aconteceu em “Various Positions”). É um disco cruel e irônico. A voz, muito mais grave do que de costume, cospe algumas farpas em “First We Take Manhattan”: “You loved me as a loser / but now you worried that just might win/ You know the way to stop me / but you don’t have the discipline. / How many nights I pray for this: / to let my work begin”. Em “Everybody Knows”, o fim do amor é desacreditado enquanto “Ain’t No Cure For Love” e a faixa título evocam lirismo cínico e cafajestice: “If you want a boxer. I will step into the ring for you / And if you want a doctor, I’ll examine every inch of you. / If you want a driver, climb inside. / Or if you want to take me for a ride, / you know you can. I’m your man”. A bela “Take This Waltz” é o poema “Pequena Valsa Vienense”, de Federico Garcia Lorca (do livro “O Poeta em Nova Iorque”), magistralmente musicado. O grande momento do álbum, porém, é “Tower Of Song”, uma das canções mais pessoais de Cohen: “Well, my friends are gone and my hair is grey. / I ache in the places where I used to play. / And I crazy for love but I’m not coming on. / I’m just paying my rent everyday in The Tower Of Song.” A capa mostra Cohen, na época 55 anos, comendo banana, situação repetida pelos seus fãs ilustres (Pixies, Nick Cave, R.E.M., entre outros) no encarte do disco tributo “I’m Your Fan”, de 1992.

Ouça: “First We Take Manhattan”, “Take This Waltz” e “Tower of Song”
Nota: 8

The Future, 1992
O único disco de inéditas de Cohen na década de 90 é consistente e bem gravado. As letras falam sobre violência (“The Future”), sordidez sentimental (“Waiting For The Miracle”), fim de farras (“Closing Time”) e liberdade (“Anthem” e “Democracy”). As faixas “The Future” e “Waiting For The Miracle” foram incluídas na trilha sonora do filme “Assassinos Por Natureza”, de Oliver Stone. O álbum teve vários produtores, incluindo a contribuição da atriz Rebecca de Mornay, naquele tempo esposa do cantor, na produção e arranjo de algumas faixas.

Ouça: “Waiting For The Miracle”, “The Future” e “Closing Time”
Nota: 8

Cohen Live – Leonard Cohen in Concert, 1994
Segundo álbum ao vivo de Cohen, registra apresentações entre 1988 e 1993 em Toronto, Vancouver, Austin, San Sebastian e Amsterdã. A músicas assinalam as várias fases do artista, de “Suzanne”, do primeiro álbum, até “Everybody Knows” de “I’m Your Man”.

Ouça: “Everybody Knows”, “There is a War”, “Sisters of Mercy” e “Who By Fire”
Nota: 7

Field Commander Cohen: Tour Of 1979, 2000
Um dos melhores discos ao vivo de Leonard Cohen é o registro dos melhores momentos da turnê do álbum “Recent Songs”, em 1979. Respeita os arranjos originais das canções e confirma a perenidade das composições de Cohen. O artista está muito mais seguro do que de costume e a voz em sua plenitude.

Ouça: “Field Commander Cohen”, “The Window”, “The Stranger Song” e “The Guests”
Nota: 8

Ten New Songs, 2001
Primeiro álbum de inéditas em nove anos (e do novo século). Nesse tempo silencioso, o cantor passou por longos períodos de meditação e reclusão entre monges budistas num mosteiro na Califórnia. O álbum não difere muito de “The Future”, equilibrando folk e soul intimistas. O que surpreende é que suas meditações não o elevaram ao nirvana espiritual. Suas composições (contribuição com Sharon Robinson, a mulher que está ao seu lado na capa) estão ainda mordazes, e os melhores exemplos são “In My Secret Life”: “I bite my lip / I buy what I’m told / From the latest hit / to the wisdom of old / But I’m always alone / and my heart is like ice / and it’s crowded and cold” e “A Thousand Kisses Deep”: “Confined to sex, we pressed against / The limits of the sea: / I saw there were no oceans left / For scavengers like me. / I made it to the forward deck / I blessed our remnant fleet – / And then consented to be wrecked, / A thousand kisses deep.”

Ouça: “In My Secret Life”, “A Thousand Kisses Deep”, “Alexandra Leaving”
Nota: 8

Dear Heather, 2004
Praticamente um disco de sobras, ainda que inéditas, o que faz com o que o conjunto soe menor. Três faixas saíram das sessões de “Ten New Songs” (2001) e “The Faith”, baseada em uma antiga canção folk do Quebec, remonta as sessões de “Recent Songs” (1979). Há ainda uma (boa) faixa ao vivo, “Tennessee Waltz”, um grande sucesso com Patti Page nos anos 50, que aqui recebe versos de Cohen num show de 1985. Leonard queria batizar o álbum de “Old Ideas”, mas devido ao material de várias épocas ficou com receio dos fãs confundirem o disco com uma coletânea. A crítica não se animou com o disco criticando a produção “caseira” de um álbum que, realmente, soa menor.

Ouça: “Because Of”, “On That Day”, “Tennessee Waltz”
Nota: 5

Live in London, 2009
Se dependesse de Cohen, ele nunca voltaria aos palcos, preferindo meditar. Porém, seus cinco anos de retiro espiritual lhe custaram caro quando ele descobriu que seu agente o havia roubado. Para saldar as dívidas, Cohen voltou para a estrada, e este álbum brilhante flagra o bardo tirando sarro da própria desgraça em gags cômicas deliciosas. Na época, os shows de Cohen invariavelmente batiam 3 horas de duração e traziam praticamente todos os seus maiores clássicos. Antes das canções, Cohen declama parte das letras num show (álbum e DVD) que exibe uma das melhores versões de “Dance Me To End Of Love”, despida do arranjo piegas original e mais próxima da música flamenca, além de excelentes recriações de “Hallelujah” e “The Future”, entre muitas outras. Um disco perfeito para neófitos mergulharem na obra de Leonard Cohen.

Ouça: “Dance Me To End Of Love”, “Hallelujah”, “The Future”, “Everybody Knows”, “Sisters of Mercy”, “First We Take Manhattan”, “So Long, Marianne”…
Nota: 9

Live at the Isle of Wight 1970, 2009
Impulsionado pelo sucesso na Inglaterra de seus dois primeiros álbuns, Leonard Cohen foi convencido a participar do mítico e complicado festival da Ilha de Wight, que, hoje se sabe, foi um imenso caos com mais de 600 mil pessoas num lugar sem a mínima estrutura. Não bastasse, Leonard iria se apresentar depois de Jimi Hendrix em um de seus shows lendários. Quando subiu ao palco, por volta das 5 da manhã, a plateia estava furiosa com a produção, mas Cohen domou o público como um mágico em um circo: contou histórias de infância, falou sobre suas canções e alternou números de seus então dois únicos álbuns e algumas que estariam presentes em “Songs to Love and Hate”. Apesar da banda montada as pressas para a turnê e do inusitado do caos, esse é um dos shows mais importantes da carreira de Cohen, que foi capturado magistralmente pelas lentes do premiado diretor Murray Lerner.

Assista o show inteiro
Nota: 10

Songs From The Road, 2010
Dois anos após gravar o show de retorno em Londres, Leonard Cohen despeja mais um álbum ao vivo nas prateleiras, e como diz o amigo do All Music, “só um rabugento iria reclamar disso dado às circunstancias que Cohen precisou voltar aos palcos, roubado pelo empresário”. Ainda assim, “Songs From The Road” tem seu valor por reunir 12 canções de 11 shows diferentes em lugares como Glasgow, Tel Aviv, Helsinki, Gotemburgo, Londres e até no Coachella (é de lá que saiu a versão de “Hallelujah” presente neste disco, também lançado em DVD). Mais do que um disco ao vivo, “Songs From The Road” mostra como Cohen estava curtindo a estrada na época, já que ele brinca de alterar versos de “Suzanne” ou mesmo de incluir novos em “Bird on a Wire”. Há canções pouco executadas como “Heart with No Companion” e “That Don’t Make It Junk” assim como duas canções gravadas no O2 Arena na época do “Live in London”, mas que ficaram de fora do disco, entre elas “Famous Blue Raincoat”, uma das cinco canções favoritas de Ian McCulloch, do Echo and The Bunnymen, em todos os tempos.

Ouça: “Famous Blue Raincoat”, “Suzanne”, “Bird on a Wire” e “Hallelujah”
Nota: 7

Old Ideas, 2012
Primeiro disco de inéditas em oito anos, em “Old Ideas” a sensação é de ouvir um grande monólogo, uma grande meditação sobre a existência, já que não há grandes sobressaltos com a melodia e a harmonia das canções. É a depuração de um processo que começou em “Various Positions” (1984), com a adoção de sintetizadores, e se aprofundou com “I’m Your Man” (1988), quando Cohen uniu bases eletrônicas e orquestrações. Neste sentido, como não apresenta novidades nem arranjos complexos, “Old Ideas” pode levar alguém a pensar que é um disco mais para ser lido do que ouvido. Mas há a voz de Cohen. “Darkness” é uma das canções mais empolgantes do disco, apesar do tema: “Apanhei as trevas / bebendo do seu copo / e perguntei: é contagiosa? / Você disse: beba-a”. “Crazy Love” reverte a decepção nostálgica enquanto “Amen” o aproxima de uma expectativa rilkeana por Deus: “Estamos sozinhos e estou ouvindo / ouvindo com tanta força que chega a doer”. “Come Healing” é o centro espiritual do disco e flutua num espaço quase sagrado. “Old Ideas” diz respeito à existência. Comportar-se com dignidade na hora da morte, este é apenas um dos legados de Leonard Norman Cohen.

Ouça: “Darkness”, “Amen”
Nota: 9

Live in Dublin, 2014
Se até 2008, em 40 anos de carreira, Cohen só tinha três álbuns ao vivo no currículo, de lá pra cá se somaram mais quatro registros de shows (um quinto disco seria lançando em 2015!), mas como pontuou muito bem a Rolling Stone norte-americana, “Live in Dublin” vale seu preço por exibir canções novas de Cohen ao vivo como “Amen”, “Alexandria Leaving”, “Come Healing” e a excelente “The Darkness” em meio aos “hits” de sempre (o repertório é praticamente um repeteco do disco show “Live in London”). Outro ponto a se observar é que se “Live in London” flagrava o início de uma maratona de shows de um artista há muito longe do palco, “Live in Dublin” já o exibe muito mais à vontade, o que faz com as canções soem mais soltas, assim como o próprio Cohen, o que funciona em muitos números, mas corre o risco de tirar a força dramática de outros, o que fica mais nítido no DVD. Ainda assim, (mais) um grande show.

Ouça: “Come Healing”, “The Darkness”, “Chelsea Hotel 2”
Nota: 7

Popular Problems, 2014
Se “Old Ideas” já trazia um discurso que mostrava um Leonard Cohen ciente do fim próximo, não estranha que seu 13º disco de inéditas tenha vindo apenas dois anos depois e mantenha o tom sombrio do álbum anterior. Lançado às vésperas dele completar 80 anos e com produção econômica de Patrick Leonard (um dos responsáveis pelo sucesso de Madonna, diretor musical das turnês The Virgin Tour, de 1985, e Who’s That Girl World Tour, de 1987, além de vários álbuns – e também produtor de “Old Ideas”), “Popular Problems“ valoriza o tom lúgubre da voz do bardo, que abre o disco intimando no blues “Slow”: “Estou desacelerando o tom / Eu nunca gostei dele rápido / Você deseja que chegue logo / Eu só quero ser o último”. Em “Almost Like the Blues”, o poeta faz um “balanço das tragédias”, de forma irônica, que acompanhou durante a vida: “Eu vi pessoas passando fome / Houve assassinatos / Estupros / Tortura / Morte / E todas as minhas críticas negativas”. No geral, “Popular Problems” soa quase como uma valsa (blues, soul, levemente eletrônica) para se dançar com o assassino, sejam eles soldados da guerra árabe israelense (“Nevermind”), seja o mundo pós 11 de setembro (“A Street”), seja o amor (“Did I Ever Love You”).

Ouça: “Almost Like the Blues”, “Slow”, “Samson in New Orleans”
Nota: 8

Can’t Forget: A Souvenir of the Grand Tour, 2015
Se “Songs From The Road” (2010) pode ser apresentado como o lado b ou o disco de sobras de “Live in London”, o mesmo pode ser dito de “Can’t Forget: A Souvenir of the Grand Tour” (on quinto ao vivo em seis anos) em referência a “Live in Dublin”. Assim como em “Songs From The Road”, Leonard roda o mundo (há canções registradas na Dinamarca, Irlanda, Canadá, Nova Zelândia, Australia e Estados Unidos, entre outros países). São 10 canções, duas delas inéditas, os blues “Never Gave Nobody Trouble” e “Got a Little Secret”, mais versões de números menos óbvios como “I Can’t Forget” e “Night Comes On” apresentadas por uma banda cada vez mais entrosada. Vale a audição.

Ouça: Never Gave Nobody Trouble”, “Got a Little Secret”, “I Can’t Forget”
Nota: 7

You Want It Darker, 2016
Se os dois álbuns de estúdio anteriores traziam, com um q de ironia, acenos romantizados à mortalidade, “You Want It Darker” soa como uma direta carta de despedida. Numa excelente entrevista concedida à New Yorker algumas semanas atrás, Cohen avisava: “Estou pronto para morrer”. E “You Want It Darker” apenas reitera isso (com os blues, souls e valsas habituais alfinetadas por levadas eletrônicas): “Estou com raiva e estou cansado o tempo todo”, ele declama em “Treaty”, uma de suas mais belas canções recentes, que crava no peito da amante: “Nós nos vendemos por amor, mas agora estamos livres / Eu sinto muito pelo fantasma que eu te fiz ser / Só um de nós era real e esse era eu”. No country lento e choroso “Leaving the Table” ele canta, partindo o coração do ouvinte: “Estou deixando a mesa, estou fora do jogo”. O refrão da faixa título, então, é explicito: “Aqui estou, aqui estou, estou pronto, meu Senhor”, ele canta em hebraico. Produzido pelo filho Adam Cohen, “You Want It Darker” é um álbum de uma pessoa que “já leu (e escreveu) todos os livros e descobriu que a carne é triste” e sabia que “viver é acumular tristezas”. Nestes três últimos acenos discográficos, Cohen resolveu contar os problemas do mundo através de canções. Conseguiu. E partiu. Descanse em paz.

Ouça: “You Want It Darker”, “Treaty”, “Traveling Light”
Nota: 9

Várias coletâneas compilam algumas das preciosidades do bardo. “The Best Of Leonard Cohen”, 1975, é a primeira, surgindo como uma síntese dos momentos mais bem sucedidos do artista. Se musicalmente não traz nenhuma novidade, o destaque é que Cohen conta, no encarte, as circunstâncias em que compôs as canções. Em algumas edições europeias, o álbum recebe o nome de “Greatest Hits” – ela foi relançada em 2007 com cinco canções a mais. “More Best Of”, 1997, compila músicas de “I’m Your Man”, “The Future” e “Cohen Live”. É menos didática do que a primeira coletânea e despreza o conteúdo de “Various Positions” – lembrado apenas pelas belas versões ao vivo de “Dance Me To The End Of Love” e “Hallelujah”, no entanto, traz duas boas canções inéditas: “Never Any Good” e “The Great Event”. Mais caprichada é “The Essencial”, coletânea tripla lançada em 2004 com 38 canções cobrindo da estreia até “Dear Heather”. No setor tributos, três títulos se destacam: “I’m Your Fan” (1991) que traz R.E.M., Pixies, James, John Cale, Ian McCulloch (Ian também gravou “Lover Lover Lover” em seu segundo álbum solo, “Mysterio”, e numa edição francesa desse mesmo disco, “There is a War”) e Nick Cave (que também gravou “Avalanche” em sua estreia, “From Her To Eternity”, e regravou para uma série de TV em 2015). Bacana também é “Tower of Songs” (1995) que traz Bono do U2, Sting, Tori Amos, Elton John e Suzanne Vega. Mais recente, mas não menos imperdível, “Leonard Cohen: I’m Your Man” é a trilha sonora de um excelente documentário lançado em 2005, que juntava depoimentos intercalados a uma apresentação que juntava Nick Cave, Jarvis Cocker, Beth Orton, Rufus Wainwright e Antony, entre outros.

Leia também:
– Três horas de Leonard Cohen em Paris, por Marcelo Costa (aqui)
– Leonard Cohen ao vivo no Festival de Benicàssim, por Marcelo Costa (aqui)
– Os três primeiros discos de Leonard Cohen… em versões remasterizadas (aqui)
– Leonard Cohen – I’m Your Man, o documentário (aqui)
– Aos 74 anos, o poeta canadense lança seu quarto registro ao vivo (aqui)
– “Ten New Songs”, Leonard Cohen: uma voz grave desfilando belos versos (aqui)
– Leonard Cohen em “Old Ideas”: classe, dignidade e elegância (aqui)

2 thoughts on “Discografia comentada: Leonard Cohen

  1. AMO o “Death of a Ladies’ Man”, li em algum lugar que ele não gostou do disco, de ter trampado com Phil…mas não lembro onde foi, tou lendo a bio dele, mas ainda tá no começo da carreira dele como cantor…acho esse disco foda…a sonoridade é muito boa…me pegou de surpresa a primeira vez que ouvi…acho que o Raul Seixas ouviu esse disco e pegou algumas idéias…embora eu não seja tão conhecedor da obra de raul assim…fiquei surpreso com essa revelação dele, cohe, não ter gostado do disco, vou ver se na bio ele fala algo…

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