Wado ao vivo no Sesc Bom Retiro

Textos por Marcelo Costa
Fotos por Liliane Callegari

Em outubro de 2015, o Scream & Yell encontrou Wado tentando entender por que “1977”, seu (ótimo) oitavo disco, não estava acontecendo como os anteriores. “Esse disco passou por uma digestão um pouco mais lenta, teve problemas na divulgação, então o disco foi chegando meio por acaso”, refletiu. “1977” marcava a volta de Wado ao pop e ao rock, mas, com poucos meses de disco nas ruas, o compositor irrequieto já flertava com um novo desejo: gravar um disco de axés. “Sou eu tentando ser a Ivete!”, ele avisava naquele bate papo.

Nove meses se passaram e “Ivete”, o álbum, nasceu. Disponibilizado gratuitamente em seu site oficial (http://wado.com.br/) e liberado nas plataformas de streaming, “Ivete” reúne 10 canções, entre elas oito números inéditos e duas regravações (“Filhos de Gandhi”, de Gilberto Gil, e “Um Passo a Frente”, de Moreno Veloso e Quito Ribeiro). “Ivete é a musa intocada”, afirmava Wado no release para a imprensa. “Ela é norte, mas não é ela quem canta o disco”, explicava o músico, que vê em “Ivete” um aprofundamento de “Atlântico Negro” (2009).

Primeiro show de lançamento de “Ivete”, a noite no agradável teatro do Sesc Bom Retiro, como todo o público sentado, já se mostrava diferente pelo local, e Wado foi o primeiro a perceber isso: “Que pena isso não ser uma choperia, mas é legal demais estar aqui. Só me prometam que vocês vão me encontrar na gafieira”, provocou. As palavras bastaram para que parte do público se levantasse e fosse sacolejar nas laterais do teatro enquanto a banda apresentava “Ivete” na integra junto a faixas mais dançantes de seus discos antigos.

A ótima “Sexo”, do disco novo, abriu a noite mostrando o entrosamento impecável do quarteto instrumental formado por Vitor Peixoto (guitarra), Dinho Zampier (teclado), Pedro Ivo Euzébio (percussão e sintetizador) e Rodrigo Peixe (bateria) e convidando à dança. Na sequencia, “Um Passo a Frente” ganhou um corinho da plateia juntando-se a “Cavaleiro de Aruanda”, canção de Tony Osanah que se tornou um imenso sucesso de Ronnie Von em 1972 (em rádios e terreiros de umbanda), regravada por Wado em “Atlântico Negro”.

O poderoso single “Alabama”, com fortes riffs de guitarra, rende um dos grandes momentos da noite, que irá se resumir a três álbuns – “Ivete”, “Atlântico Negro” (“Estrada”, “Cordão de Isolamento”, “Feto/Sotaque”) e “Terceiro Mundo Festivo” (“Leva”, “Teta”, “Fortalece Ai” e a boa surpresa “Lucrécia”) – ignorando canções conhecidas (“Rosa”, “Pavão Macaco”, “Com a Ponta dos Dedos”). No trecho final, concessão aos sambas de “A Farsa do Samba Nublado” mais “Beira Mar” (única faixa de “Samba 808”) e “Tarja Preta”, grande hit de “Cinema Auditivo”.

“É muito legal essa oportunidade de se reinventar”, observou Wado em certo momento. “De inventar mentiras sobre si mesmo e enganar os outros”. Um dos grandes discos do ano, “Ivete” reiventa Wado e rende um show que irá amadurecer na estrada. É possível conciliar as 10 canções festeiras do álbum com sua carreira sem perder a ginga, o suingue, a malícia, mas é preciso pensar o repertório como uma joia ‘in progress’. Por exemplo: “Sotaque” surgiu em um de seus melhores arranjos, com guitarras nervosas no meio dando a deixa para um crescendo final que poderia ser mortífero se seguido de “Lar” (“1977” deve ser valorizado) e “Tormenta”.

Porque mesmo Ivete alterna momentos em seu show: a última turnê, “IS20”, começava com “Tempo de Alegria” e seguia por 40 minutos fazendo todo mundo tirar o pé do chão até o break reggae de “Amor Que Não Sai” e “Could You Be Loved” (sim, Bob Marley), que domina a segunda parte do show até o momento romântico de “Se Eu Não Te Amasse Tanto Assim” (a 19ª canção do set) até tudo pegar fogo novamente no trecho final. Como explica Paul McCartney, um show W: começa no alto e vai diminuindo a força (haja pique pra manter o público lá em cima por tanto tempo) até subir no meio, cair levemente e terminar no auge.

Como show de lançamento, “Ivete” cumpriu a missão de mostrar como as canções do álbum se comportam no palco (e se comportam bem, muito bem!), mas deixou um gostinho de quero mais no quesito repertório, pois pode ser melhor, e provavelmente ainda mais na gafieira, se Wado abraçar todas as nuances de sua carreira. Grandes canções não faltam em nove discos excelentes (todos disponíveis para download gratuito). De bem com a vida e nitidamente curtindo esse momento de reinvenção, Wado tem tudo para montar um espetáculo impecável. “Ivete” ainda promete muito!

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
– Fotos: Liliane Callegari (@licallegari). Confira a galeria completa de fotos aqui

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– Wado (2004): “Não tenho nenhum problema com o pop. Talvez ele tenha comigo” (aqui)
– Wado ao vivo (2006): “Batidas fortes, aproximando o samba torto da eletrônica” (aqui)
– Wado ao vivo (2007): “Seus sambas tortos estão cada vez mais densos/tensos” (aqui)
– “Terceiro Mundo Festivo” (2008): “Inspiração terceiro-mundista e vocação cosmopolita” (aqui)
– Wado (2009): “A partir do primeiro navio negreiro você não tem mais uma raiz original” (aqui)
– Wado ao vivo (2009): “Desta vez ele seguiu a linha afoxé de “Atlântico Negro” (aqui)
– Melhores da Década: “A Farsa do Samba Nublado” aparece na 15ª posição (aqui)
– Wado (2011): “Sou um sambista, mas acho que só eu acho isso – risos” (aqui)
– Wado ao vivo (2011): “Wado talvez esteja próximo de atingir seu ponto mais alto” (aqui)
– “Vazio Tropical” (2013): um disco bonito que, quanto mais se cala, mais fala (aqui)
– Vídeos: Wado lança “Vazio Tropical” em SP com Camelo, Cícero, Momo e Fafá (aqui)
– Wado ao vivo (2013): “Wado ainda está admirando o filho recém-nascido” (aqui)
– Wado (2013): “Você tem que pagar contas, e viver do jeito que você gosta de viver” (aqui)
– “Ano da Serpente” (2014): ” Lá se vão 13 anos e seis discos depois…” (aqui)
– Wado ao vivo (2015): “Wado conquistou a audiência com a sua musicalidade inata” (aqui)

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