Entrevista: El Toro Fuerte


por Bruno Lisboa

Natural de Belo Horizonte, o El Toro Fuerte é mais um belo exemplo do que tem acontecido na cada vez mais prolífica cena autoral mineira. Formado por João Carvalho (vocais, guitarra, baixo), Gabriel Martins (bateria) e Diego Soares (baixo, guitarra, vocais), o trio acaba de lançar o seu primeiro álbum, “Um Tempo Lindo Pra Estar Vivo”, trabalho no qual se alternam entre momentos silenciosos e esporrentos com sonoridades ligadas ao emo, ao punk e ao hardcore, tudo emoldurado por letras em ode a nostalgia.

Lançado pela Bichano Records (download gratuito aqui), “Um Tempo Lindo Pra Estar Vivo” foi produzido pelo próprio trio, que agora passa a receber o auxílio oficial de Fábio de Carvalho (Geração Perdida de Minas Gerais) nas guitarras dos shows ao mesmo tempo em que o El Toro Fuerte passa a ser a banda de apoio de Fábio no palco. Eis um bom exemplo da constante troca de experiências da nova cena mineira: “João toca baixo na banda do Jonathan Tadeu e guitarra na do Fernando Motta; o Jonathan toca baixo na banda do Fernando Motta, que toca guitarra na banda dele”, explica Diego Soares, em papo por e-mail.

Na conversa, Diego fala dos anos iniciais da banda, o processo de criação de “Um Tempo Lindo Pra Estar Vivo” (“Muitas músicas do João foram feitas há cinco, seis anos atrás”), a relação da banda com o selo Bichano Records (“Aprendemos tudo o que movimentamos em Belo Horizonte com eles e os melhores momentos de nossas vidas até aqui se deram com ou por causa deles”), a rotulação “rock triste”, a entrada do Fábio de Carvalho para a banda, o momento vivido pela cena local, as perspectivas de futuro e muitos mais. Com vocês, El Toro Fuerte.

Como se deu a formação da banda? E a escolha do nome?
A formação da banda é bem antiga, pelo menos em ideia. Conheci o Gabriel em 2012, se não me engano, num grupo de “formar banda” do Facebook e, desde então, a gente entrou e saiu de diversos projetos, mas sempre com a ideia de continuar tocando junto. Por volta da mesma época conheci o João numa festa, que rolou uma jam session bem legal. Ficou mais ou menos definido que a gente ia fazer uma banda eventualmente. A oportunidade veio quando eu, em contato com umas músicas do João, resolvi mandar pro Gabriel pra ver se a gente conseguia dar vida a essas composições. Curioso que esse contato levou a gente a focar em outro tipo de som e essas músicas ficaram esperando um bom tempo… Fomos um quarteto com o Igor Vitorelli, um quarteto com a Marcela Lopes (hoje vocalista e baixista da banda Miêtta) e depois um trio como formação oficial. O nome surgiu de um brainstorm gigantesco sobre usar a música como defesa/arma na forma como a gente lidava com problemas e como isso poderia ser representado em um nome que não soasse pedante ou muito pesado. Chegamos à conclusão de que havia um conceito de tempo definido nas músicas e que seria legal se esse nome remetesse à nossa infância. Daí veio minha ideia de fazer uma “homenagem” ao wrestling, uma modalidade de esporte de entretenimento que acompanho desde criança e que tem um séquito de fãs alucinados em países como México, Japão e Estados Unidos principalmente (chegou ao Brasil como o Telecatch Vulcán, mas ficou famoso na Globo como Telecatch Montilla nos anos 1960, com o Ted Boy Marino de protagonista). Resolvemos colocar o nome de El Toro Fuerte, que é um luchador do desenho do Jackie Chan mais como uma brincadeira, mas a gente se afeiçoou ao nome. E até torce por um processo pra gente conhecer o Jackie pessoalmente, nem que seja no tribunal.

Em “Um Tempo Lindo Pra Estar Vivo” vocês promovem uma bem vinda mistura de sonoridades ligadas ao hardcore, indie e punk. Como foi o processo de composição e gravação do disco?
O processo de composição foi bem longo e boa parte sequer tem relação com o disco ou a banda em si. Digo isso porque muitas músicas do João foram feitas há cinco, seis anos atrás, por esse mesmo motivo o álbum tem essa cara de “viagem no tempo”, por assim dizer. Há vários diálogos de épocas diferentes ali. Com isso não quero dizer que não haja uma unidade conceitual – é exatamente o contrário. São anos de criação e vivência que desaguam juntos nesse disco. Em termos de arranjo, sim, fizemos tudo juntos e foi muito tranquilo porque já havíamos criado um carinho muito especial pelas músicas, além de tudo que elas representam. As baterias foram gravadas no home studio de um amigo nosso, o Pedro Tico, e o restante fizemos na minha casa. Também mixamos, masterizamos e produzimos tudo. Então, o processo de gravação foi bem suave.

No disco vocês alternam entre momentos mais silenciosos e barulhentos na mesma medida. Quais influências norteiam as composições da banda?
Acho que esse disco tem influência de muita coisa, até pelas composições terem uma evolução cronológica bem longa; as primeiras músicas são de coisa de 5 anos atrás. Então tem desde um pouco de indie anos 00, da versão abrasileirada desse som – tem Los Hermanos ali, com certeza – até de algumas bandas mineiras que fizeram parte da nossa formação, como foi a Lúmen… e aí tem também as influências de uma fase posterior pra gente – que em termos cronológicos, veio antes – que é a presença até mais óbvia das bandas de noise dos anos 90, do sadcore e desse emo de bandas meio esquecidas como o American Football e o Mineral. Post rock também é uma presença, ainda que discreta. Por ultimo, e talvez mais importante, acho que tem a influência da nossa própria cena. Isso é uma coisa muito bonita entre essas bandas da Bichano Records, da Transtorninho e da Geração Perdida… nós somos muito próximos uns dos outros, eu acho; os discos dos nossos próprios amigos acabam nos influenciando e nasce uma coisa muito pessoal, específica dessa galera mesmo. Então assim, Fábio de Carvalho, Lupe de Lupe, Gorduratrans, Salvage… até os meninos do Raça e Ombu; São todas bandas irmãs em alguma medida e que tão diretamente relacionados à forma como nós construímos o nosso som.

O disco foi lançado pela Bichano Records, elo que encerra as atividades em agosto. Como era a relação com eles?
Nossa relação é mágica. Fred Zgur e Caio Sartori são dois dos nossos melhores amigos no mundo hoje. Aprendemos tudo o que movimentamos em Belo Horizonte com eles e os melhores momentos de nossas vidas até aqui se deram com ou por causa deles. A recepção que tiveram do nosso single e do disco foi muito emocionante, porque passamos muito tempo sonhando em fazer parte do plantel do selo, conseguir viajar para longe de casa tocando como fez o Gorduratrans e conseguir viver um terço do que a gente acompanhava ainda meio de longe. Sem a Bichano Records nada seria nem parecido com o que é e acho que qualquer pessoa que acompanhe o selo só vai ter carinho nas palavras quando o assunto for esse.

Numa matéria recente a banda foi colocada dentro mesmo pacote intitulado “rock triste”. Rotulações como esta incomodam?
Não incomoda de forma alguma! O termo partiu de memes da internet feitos por pessoas que hoje são nossas amigas, mas que, antes da existência da própria banda, já apoiavam artistas à sua forma, que é fazendo piada. Essa divulgação rodou o país todo e hoje existem diversas páginas a respeito. “Rock triste” é a forma carinhosa e jocosa à qual essa comunidade se refere ao som das bandas que elas gostam. O termo não pretende se impor como uma vertente ou gênero novo, mas ajuda a identificar pessoas interessadas nas mesmas coisas. Rechaçar o “rock triste”, no nosso caso, seria praticamente uma ingratidão, porque antes de sermos músicos numa banda que é ouvida, a gente ouvia bandas e conhecia muitas outras através dessa divulgação. Portanto, não acreditamos nem que seja um rótulo, porque não define ou limita essa identificação a nenhum som específico. Achamos que está mais atrelado a uma forma de unir pessoas, proceder num nível de produção alto e tentar horizontalizar o máximo possível a relação dos artistas com seu público.

Dias atrás vocês anunciaram a entrada do Fábio de Carvalho para o grupo. Como se deu a parceria? É em definitivo?
Em um post do Facebook, uma vez, explicamos como nossa história estava 100% atrelada à história do Fábio. Entre diversos pontos, tocamos com eles por três vezes no último ano e ele sempre acreditou no nosso trabalho (mesmo quando a gente deixou de acreditar). Ele vai nos acompanhar ao vivo para podermos dar mais fidelidade ao som ao vivo, comparado com o álbum e, em primeira mão, já adiantamos que a El Toro Fuerte é a banda de apoio do Fábio também. Nossa história indissociável agora segue como uma só, mas pela amizade e respeito mútuo cremos que será muito natural. Nosso nicho aqui em Belo Horizonte tem um pouco disso: o João toca baixo na banda do Jonathan Tadeu e guitarra na do Fernando Motta (ex-Young Lights); o Jonathan toca baixo na banda do Fernando Motta, que toca guitarra na banda dele. A nossa parceria vai deixar tudo mais fácil e vai ser benéfica pra ambos, então, tudo tende a permanecer assim.

Belo Horizonte, tem uma prolífica cena autoral, mas é tida por muitos como a “terra de bandas covers”, vide o grande número de bandas e casas noturnas que dão abertura para esse segmento. Como é tentar se estabelecer de maneira autoral por aqui?
Pra ser muito sincero, hoje eu não sei mais se isso é uma característica específica de Belo Horizonte. Acho que é algo da forma como o mercado se estruturou nos últimos anos, tem a ver com o estilo de pensamento e estruturação de negócios dos próprios donos dessas casas… Fazer uma casa aberta ao cover aqui é uma jogada mais certa do que abrir uma programação autoral, até por conta do público. É arriscado, sem sombra de dúvida. A questão também é que tenho a impressão de que a cidade está num momento “em alta” com a cena autoral, e que esses momentos vão e voltam. Esse momento de alta também se traduz num crescimento gradual do interesse dessas casas de show por bandas autorais. A gente já está tendo alguns exemplos esparsos de bandas autorais tocando no circuito do rock, por exemplo. Mas acho que o nosso interesse passa meio por longe disso às vezes. O mérito e a grande luta da gente vem mais no sentido de criar um circuito alternativo do que de se inserir no circuito de shows que já existe. Acho que isso tem até uma questão política, e também um pouco dessa questão nossa da sensação de “não pertencimento”. Mas a verdade é que já passamos por momentos muito, muito piores. Acho que às vezes o pessoal que está envolvido com a cena há muito tempo e que viveu momentos muito piores do que o que a gente está vivendo agora – hoje conseguimos marcar shows com muita tranquilidade, o público dos eventos tem crescido pra caramba, e os espaços que são abertos pra um som autoral são muitos hoje – costuma nos achar meio ingratos por ainda estarmos reclamando, mas acho que isso é natural e essencial pra evolução das coisas. A gente precisa se manter insatisfeito e crítico pra continuar melhorando.

Quais seriam as estratégias a serem adotadas para fazer com que a cena possa progredir ainda mais?
Poxa, pergunta complicada! (risos) Até porque as definições de “cena” e de “progresso” são dois pontos que tem sido alvo de muito debate, pelo menos ao nosso redor… Belo Horizonte pelo menos é atualmente, uma cidade de grupos, nichos. Muita gente tem inclusive conversado sobre a pretensão de unir a música independente, de organizar eventos mais coletivos e plurais, tanto no que se refere aos estilos musicais quanto à questão social mesmo. Acho inevitável afirmar que existe uma diferenciação de “classes”, ainda que indiretamente, quando reparamos em quais “cenas” colam com quais outras, quais grupos tem mais ou menos dificuldade de dialogar e tudo mais. Por um lado acho essa iniciativa (de união) louvável, mas ao mesmo tempo tenho certo pé atrás com esse impulso de “unificação”, porque ele só funciona bem se for feito com muito, muito cuidado. Existem razões pelas quais as “cenas” da cidade se dividem, por conta de diferenças, formas diversas de entender a cidade e até mesmo a música, e essa pluralidade e valores tem que ser respeitada nesse processo. Trata-se de uma questão política e que eu enxergo acontecendo de forma muito semelhante até mesmo nos movimentos sociais, da cidade ou mesmo do país. O que acho interessante deixar claro é que a gente sempre esteve aberto a fazer parcerias e crescer junto com a cena. O que a gente mais faz é convite pra bandas que participam de outros rolês e estão em lógicas completamente diferentes de produção e vivência. O que acontece é que nem sempre essas bandas ou grupos se sentem à vontade ou mesmo gostam do nosso som/ vão com a nossa cara, e ao mesmo tempo é importante que a gente não se esqueça ou abandone os nossos valores. E não tem nada de errado nisso, diga-se de passagem (risos). O que posso resumir é que temos objetivos muito claros e construtivos quanto ao que queremos fazer. Brincamos muito com o pessoal das outras bandas sobre como o importante é criar conteúdo, e é isso que fazemos e pretendemos fazer para o futuro. Mais discos, mais shows, turnês pelos outros estados. Aprendemos a fazer isso desde o começo, quando não tínhamos muito apoio ou interesse dos outros, e é o que podemos garantir que sempre saberemos fazer. Se as pessoas quiserem trabalhar junto com a gente/ aceitar os nossos eventuais convites, vai ser lindo, mas é como se ao mesmo tempo não quiséssemos deixar nossas expectativas lá no alto quanto a isso.

Vocês usam cenas de filmes como se fossem clipes para as músicas do El Toro Fuerte. Como surgiu essa ideia e qual a relação de vocês com o cinema?
A gente não usa não! Na verdade, os vídeos todos foram feitos pelo Vitor Daniel (Capitão Ahab) e foram produzidos porque ele gosta do som. Ele faz de várias bandas contemporâneas ligadas a gente de alguma forma. Quanto a ligação com cinema é mais ampla um pouco a pergunta, mas vou tentar condensar no que a gente faz com música. A gente quis pensar o disco numa unidade conceitual, mais ou menos como seria um livro, ou filme… então acho que nossa relação com o cinema é muito estreita. Nós três gostamos do cinema à nossa maneira e trazemos da experiência cinematográfica vários pontos confluentes principalmente com o produzir em forma de registro.

Quais são os próximos passos da banda?
Ih, essa é difícil (risos) Nós três na banda temos uma montanha de coisas pra fazer; como ainda não conseguimos nos sustentar especificamente com a El Toro, às vezes temos uns impedimentos por conta dos empregos de cada um e situações do tipo. Mas acho que a primeira coisa que temos em mente é finalmente realizar as turnês pelo país que a gente prometeu. Acho que Rio de Janeiro, São Paulo e Recife são objetivos dos quais a gente não abre mão, e que se possível devem rolar ainda esse ano! Estamos fazendo – hoje inclusive, no dia 02 (de julho, época em que a entrevista foi realizada) – nosso primeiro show após o lançamento do disco, e preparamos as primeiras camisetas da banda. Lançamento de próximo disco é algo que talvez ainda seja um pouco distante, talvez pra se pensar no ano que vem, mas as composições já estão vindo. O Diego deve ter umas quatro músicas prontas já; a intenção é que o próximo disco traga mais composições dele. E, além disso, estamos estreando oficialmente uma parceria com o Fábio de Carvalho; a partir do show de hoje ele começa a nos acompanhar nos shows como guitarrista, e a Toro se torna banda de apoio dele nos seus shows futuros. É só acompanhar a gente no Facebook que tem muita coisa bonita pra acontecer ainda.

– Bruno Lisboa (@brunorplisboa) é redator/colunista do Pigner e do O Poder do Resumão

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