Entrevista: Fabio Góes

por Marcelo Costa

Cantor, compositor e produtor musical, Fabio Góes é praticamente uma unanimidade da crítica nacional, que vê no músico um artista de raro bom gosto que vem trilhando uma carreira exemplar. Do início, com o bonito “Sol no Escuro” (2007), o debute que conquistou todos aqueles que abriram os ouvidos para o álbum, passando por “O Destino Vestido de Noiva” (2011), em que Fábio deu um passo adiante com shows concisos e empolgantes, até “Zonzo” (2015), seu recém-lançado terceiro disco, mais dançante e mais rock, o músico continua perseguindo o pop perfeito, aquele som que chega de mansinho e se aconchega.

Mais um exemplo dessa busca, “Zonzo”, produzido pelo parceiro e baixista Dudinha, conta com vários amigos em participações especiais e colaborações: os irmãos Gustavo e Tulipa Ruiz participam da dançante “Apenas Simplesmente”, o excelente guitarrista Guilherme Held marca presença em “Perto”, que traz uma sonoridade que remete a Phoenix; os mineiros do Transmissor estão presentes na linda balada “Dois Lados”; André Faria (Aldo, The Band) ajudou a finalizar e gravou guitarras em “Nada Demais”; e a francesa Maud Nadal, que participa da versão de “Trem Azul”, clássico mineiro.

“É muito louco quando você chama uma pessoa e ela vem e leva seu arranjo para um novo e inesperado lugar”, conta Fábio em bate papo com o Scream & Yell. Na conversa, ele ainda fala que há algumas “agonias em comum” no álbum, diz que “Zonzo” amplia a proposta de banda sinalizada no segundo disco e lamenta a perda de espaço em rádios para a hegemônica cultura (preguiçosa) “da cerveja e churrasco” do sertanejo universitário, mas diz que ainda sonha em alcançar um público maior: “Vamos ver se com esse disco eu consigo passar de fase!”. Boas canções pra isso não lhe faltam. Confira o papo!

“Zonzo” consumiu três anos de trabalho. Você já tinha ideia do queria para este terceiro disco quando começou a trabalhar as canções?
Não exatamente. A ideia do que as canções representam me veio quando botei todas juntas, e percebi que realmente havia algumas agonias em comum (hahaha). Mas sim, quando começamos a produzir efetivamente, Dudinha e eu, ai tínhamos um horizonte estético para tentar percorrer.

Tanto o “Sol no Escuro” (2007) quanto “O Destino Vestido de Noiva” (2011) são discos que me soam mais reflexivos – sem ser deixar de ter um inegável apelo pop. Já no “Zonzo” eu sinto a bateria mais à frente, o que dá ao disco uma característica bem dançante, bem pra cima…
Acho que é um disco mais rock mesmo. Tem uma curva que é a seguinte: no “Sol no Escuro” eu vinha de alguns anos como assistente no estúdio em que trabalhava, e portanto ali foi minha chance de criar aqueles climas cinemáticos dado que, como trilheiro de filmes, eu tava engatinhando, ao passo que eu vinha de anos de bandas e tal. A partir do “Destino Vestido de Noiva” eu já estava fazendo bastante trilha de filme, aí o disco veio já na saudade de brincar de banda. O “Zonzo” vai mais ainda nessa direção.

“Nada Demais” é uma parceria (que me lembra de algo dos anos 80) com André Faria, da Aldo The Band. Como rolou o encontro?
Conheço o Faria a muitos anos. Inclusive toquei com ele no projeto “Faria & Mori”, fizemos alguns shows. Nessa época eu o chamei pra terminarmos essa música juntos porque eu tinha uma ideia de harmonia, era um riff no violão, mas não saía do lugar. Ai ele veio e salvou a música. Depois foi lá e gravou umas guitarras incríveis porque ele é um músico sinistro de bom e de bom gosto.

No primeiro disco você tinha a Céu cantando “Sun Of Your Eyes”; no segundo, a Luísa Maita participa de “Amor na Lanterna”. Agora são mais duas vozes femininas marcantes no disco: Tulipa Ruiz (acompanhada do irmão Gustavo) em “Apenas Simplesmente” e Jennifer Souza, do Transmissor, em “Dois Lados”. Sempre muito bem acompanhado por grandes vozes, hein?
Eu acho difícil esse negócio de cantar. Me considero o “cantautor” dos mais vagabundos… Mas nunca encontrei uma maneira melhor de realizar esses trabalhos que não fosse eu mesmo cantando. As meninas vêm pra dar um alento, trazer algum frescor!

Aliás, uma das mudanças no seu modus operandi em relação aos álbuns anteriores é que esse é seu disco que mais conta com convidados. Como rolou do disco ter uma construção coletiva?
A partir do momento que o Duda assumiu a produção, a coisa passou a funcionar de um jeito um pouco mais coletivo. E é muito louco quando você chama uma pessoa e ela vem e leva seu arranjo para um novo e inesperado lugar. Isso aconteceu muito nesse disco, e são os momentos mais mágicos. Mas tiveram muitas e muittas sessions só o Duda e eu tocando, experimentando, errando, brigando, aquela coisa…

Qual sua história com o Clube da Esquina? É uma paixão antiga ou algo recente?
Eu sempre gostei demais da música de Minas dessa época, dos anos 70 até o começo dos anos 80. Acho que ali rolou um encontro de hippiesmo com poesia, sujeira e sofisticação, pureza e ousadia pacas, e principalmente, com uma raiz descolada da produção de música brasileira que vinha dos baianos e tal. Era mais ocidental, enfim, e eu como paulistano que cresceu ouvindo Beatles, Stealy Dan, Lionel Ritchie, Michael Jackson, que era o que meu pai ouvia, me liguei muito nessa onda desde cedo.

Como você vê o cenário atual da música no Brasil? Como romper o underground e chegar ao grande público?
Ah cara, isso é complicado. Não sei a fórmula, não. Parte do que aconteceu com a perda de espaço nas rádios para os gêneros como o rock e o pop brasileiro tem a ver com a paúra do mercado em perder espaço e dinheiro, o que os foi levando a apostar cada vez mais no certeiro, no já conhecido. Deu no que deu: as 20 primeiras músicas mais tocadas no Brasil hoje são sertanejos que rezam a cartilha do cumprimento integral de um formato estético pré-estabelecido. Tem que ter aquela harmonia que parece que você já ouviu antes (e já ouviu mesmo, um milhão de vezes), aquele som de violão em linha terrível, aquela dupla bonitinha, cantando daquele jeito de sempre, e aquele som de público ao fundo cantando junto e pirando. E o pior de tudo, a poesia o mais acessível possível. Isso vai consolidando a música no Brasil como uma arte feita exclusivamente para um consumo preguiçoso, da cerveja e churrasco. Curtir uma preguiça é bom, eu concordo. Mas rebaixar a nossa música popular única e exclusivamente ao entretenimento barato é triste, reflexo claro da pobreza cultural de um povo. E esse somos nós.

Quem está te acompanhando nos shows hoje? Há planos de colocar o “Zonzo” na estrada?
Tô ainda montando esse show. Ano que vem vamos rodar um pouco. É difícil pra eu conseguir tocar muito. A gente não tem no Brasil espaço pros artistas “médios”. Ou você tá com um baita público, ou tá independente ralando, pagando pra tocar. Vamos ver se com esse disco eu consigo passar de fase!

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

Leia também:
– Fabio Góes (2011): “Aprendi a acreditar mais na intuição. Mas tenho muito o que ralar” (aqui)

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3 thoughts on “Entrevista: Fabio Góes

  1. acompanho esse jovem desde a propaganda do Ford Edge. =)
    virei fã com os ótimos dois discos e tô me amarrando de mais nesse Zonzo.

  2. Fabio Goes é a melhor coisa que ouvi na música brasileira nos últimos dez anos. Sem exagero. É impressionante como a sonoridade pop brasileira e as vozes masculinas são subestimadas aqui no país — inclusive por grande parte da imprensa especializada.

  3. Ouvi O Destino Vestido de Noiva na época e achei um achado, com o perdão do trocadilho. Era um disco muito poético, bem produzido, minuciosamente em seus detalhes. Ainda não ouvi o novo, mas ele deve dar um caldo bem grande agora, vai depender de como o selo que o lançou (Label A) for trabalhá-lo, porque o que lançou o ultimo (Phonobase) quase não o fez, o que foi uma pena. Vamos ver agora, torço por isso.

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