Três perguntas: Vitor Cafaggi

por Leonardo Vinhas

O mineiro Vitor Cafaggi conseguiu um feito que parecia impossível cinco anos atrás: emplacar um título de tiras de quadrinhos em banca. Vários elementos dessa situação eram simplesmente impensáveis nesse passado recente: tiras haviam praticamente desaparecido das bancas desde as revistas da Circo Editorial (que publicava Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e Geraldão, entre outros), ficando restrita apenas às coletâneas comercializadas em livrarias; títulos de autores nacionais, então, só apareciam se fossem em raras graphics ou edições especiais, jamais num título em série. Pois Valente, personagem que batiza a série de Vitor lançada pela editora Panini, não só quebrou esses moldes como o fez com material que já havia sido publicado (e admirado) na internet (no http://punyparker.blogspot.com.br/).

O sucesso de Valente (com os títulos “Valente para Sempre”, “Valente para Todas”, “Valente por Opção” e “Valente para O Que Der e Vier”) é mais um argumento a favor do “formato físico” no grande debate sobre “o fim do papel”, anunciado pelos apocalípticos de sempre. Mais do que isso, é uma prova inequívoca do potencial de Cafaggi, que há mais de dez anos se dedica às histórias em quadrinhos. O autor já havia chamado a atenção com Puny Parker, sua versão para um Peter Parker entre a infância e a adolescência, vivendo suas primeiras paixões muito antes de se tornar um herói de habilidades aracnídeas. Misturando fan art com suas próprias memórias, Cafaggi criou uma história simples, cativante e universal, com traço e narrativa visual que potencializavam o carisma dos personagens.

Seu momento de maior destaque veio em companhia da irmã, Lu, com quem criou “Laços”, possivelmente o mais celebrado volume da série Graphic MSP até o momento. Para quem não está familiarizado com a “grife”, a Graphic MSP é uma espécie de “selo” da Mauricio de Sousa Produções no qual artistas independentes podem dar sua visão dos personagens do criador da Turma da Mônica sem muitas das amarras que restringem os títulos regulares dos personagens. A Graphic MSP é um sucesso, e a segunda leva de álbuns prevê “Laços 2”, a ser lançado em 2015. Mas antes disso, Vitor tem os quatro álbuns de Valente editados pela Panini, seu trabalho como professor na Casa dos Quadrinhos (escola de artes visuais em Belo Horizonte, referência no meio “quadrinístico”) e novas coisas para criar. No meio disso tudo, ele responde a três perguntas do Scream&Yell.

Praticamente todo o seu trabalho publicado lida com o universo adolescente. Por que a atenção nesse período da vida?
Não é nada previamente pensado. Na verdade, acho que lido até mais com a infância (em “Laços”, em “Duotone” e em “Puny Parker”) do que com a adolescência (em “Valente”). Acho que isso acontece porque sempre busco inspiração em coisas que conheço, e essas duas fases eu já vivi, já absorvi bem. Lembro bem como eu pensava, como reagi em determinadas situações… Ainda é tudo muito marcante na minha vida. Talvez por isso, minhas histórias, até agora, tenham se passado nessas fases.

Charles Schultz disse uma vez que não se faz humor em cima de vencedores – era a frase que ele usava para explicar o porque de Charlie Brown nunca se dar bem – nem ao menos ser capaz de chutar uma única vez a bola de futebol. Você concorda? Afinal, Puny Parker e Valente se dão bem, só para logo depois descobrirem que se deram mal…
Charlie Brown e Peter Parker são os dois personagens com os quais eu mais me identifiquei desde sempre. Eles e Rocky Balboa. Todos os três são grandes perdedores, grandes azarões que têm sempre que ultrapassar um obstáculo a mais para conseguirem chegar onde querem. Tanto o Puny quanto o Valente trazem muito dessa carga com eles por serem baseados em mim. Fora que não tem graça nenhuma fazer histórias sobre um personagem perfeito que vence todo tipo de obstáculo sem nenhuma dificuldade.

Valente hoje tem distribuição nacional pela Panini. É curioso que é uma tira que surgiu na internet, gratuitamente, e as pessoas estão dispostas a pagar para tê-la impressa, em livro. Podemos dizer que quadrinhos é uma arte que faz mais sentido no formato físico mesmo – e que os arautos do “fim do papel” estão sendo pessimistas demais?
Eu me surpreendi um pouco com isso. Quando lancei o primeiro livro de tiras do Valente de forma independente, fiz uma tiragem de mil cópias e achei que ia custar a vender isso. Em três meses, eu já estava imprimindo a segunda tiragem. Acho que se o preço é honesto, se o produto tem um acabamento legal, se as histórias são boas, não tem porque a pessoa que leu aquilo na internet não querer comprar aquele produto pra colocar na estante dela. Fora a sensação que esse leitor tem de estar colaborando com o artista que admira. Isso conta também.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

Leia também:
– Entrevista: Sidney Gusman -> “Tem quadrinho para todos os públicos”.  (aqui)
– Entrevista: Gustavo Duarte -> “A livraria não sabe o que é quadrinho” (aqui)
– “Astronauta – Magnetar”, de Danilo Beyruth, conquista pelo traço detalhista (aqui)
– “Laços”, dos irmãos Vitor e Lu Cafaggi, faz releitura emocional e delicada (aqui)
– “MSP Ouro da Casa”: personagens de Maurício de Sousa ganham releitura (aqui)

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