Entrevista: Luciano Amaral

por Bruno Capelas

“Alô, alô! Planeta Terra chamando. Planeta Terra chamando! Essa é mais uma viagem do diário de bordo de Lucas Silva e Silva, falando diretamente do Mundo da Lua… onde tudo pode acontecer!”. Se você cresceu no começo dos anos 90, certamente deve se lembrar dessa frase – e de muitas outras aventuras – de Lucas Silva e Silva, o garoto de 10 anos que, junto de seu gravador, vivia histórias incríveis no mundo da imaginação em “Mundo da Lua”, seriado da TV Cultura que estreou em 1991. Assim como, muito provavelmente, já viu o mesmo rapaz, anos depois, perguntar qual era a senha para entrar no “Castelo Rá Tim Bum”, ouvindo o famoso “Klift, Kloft, Stil, a porta se abriu” do porteiro de lata.

O nome dele, entretanto, não é Lucas, nem Pedro, mas sim Luciano Amaral, um cara que já conta com trinta anos de carreira (e 35 de vida) na televisão, mas que entrou no mundo da telinha meio que por acaso, fazendo propagandas como a do Vick Vaporub. Ainda criança, Luciano teve a oportunidade rara de contracenar com nomes como Antônio Fagundes e Gianfrancesco Guarnieri, sendo o protagonista de “Mundo da Lua”. Para ele, entretanto, atuar era uma brincadeira. “Eu não via muita TV quando era criança, não sabia quem eram eles. Para mim, aqueles adultos estavam ali para brincar comigo. Um brincava que era o meu avô, o outro brincava que era meu pai, uma dizia que era minha mãe, e eu deixava (risos)”, conta Luciano, que, na pele de Lucas, pode realizar “sonhos de qualquer menino de 10 anos, como fazer o Brasil ganhar a Copa do Mundo ou ir para a Lua”.

Três anos depois da estreia de “Mundo da Lua”, Luciano voltaria à TV Cultura para fazer Pedro, o mais velho do trio de crianças que brincavam com o feiticeiro Nino todas as noites, de segunda a sexta-feira, fazendo a TV Cultura atingir mais de 10 pontos no Ibope, mesmo com orçamento limitado. “O ‘Castelo’ era mágico, e mais do que isso, grandioso. Era um absurdo pensar que a TV Cultura fazia aquilo, não pensando na audiência ou no dinheiro. Ela tinha a peculiaridade de ter pessoas únicas, que queriam sempre passar algo além do entretenimento, com um carinho especial”, diz o ator, tentando explicar o sucesso e a longevidade do “Castelo”. Atualmente, o programa está sendo homenageado pelo Museu da Imagem e do Som (MIS-SP) com uma exposição que tem atraído centenas de pessoas (e gerado filas) todos os dias.

Na entrevista a seguir, Luciano conta histórias de “Castelo Rá Tim Bum” e de “Mundo da Lua”, fala sobre como é viver com o legado de dois personagens que são “primos” de todo espectador que os acompanhou, relembra trabalhos como o “Turma da Cultura”, um dos primeiros programas brasileiros a usar email para participação do público, e discute a situação atual da TV brasileira para jovens e crianças.

Além das memórias de TV, o ator e hoje apresentador da PlayTV também fala sobre games – assunto no qual foi pioneiro no País e com o qual trabalha há mais de uma década. “As coisas melhoraram bastante nos últimos dez anos. Para quem produz games, tudo se barateou — as ferramentas de produção custam menos, a distribuição pode ser feita pela internet. Mesmo assim, o cara que produz um jogo no Brasil é um herói”, avalia Luciano, que ainda vê o setor prejudicado por políticas atrasadas. “Jogo é arte, mas vai explicar isso para quem manda, que acha que videogame é coisa de criança e taxa importação como se fosse brinquedo? Quem cresceu jogando sabe da importância dos games, mas existe uma barreira de gerações. Apesar de tudo isso, o nosso mercado já é grande, e tem poder de compra. O cenário é promissor”, diz ele. Aperta o start e deixa Luca… Luciano falar.

Você trabalha em TV há quase trinta anos, e teus principais personagens aconteceram há duas décadas. Como é que é dar tantas entrevistas sobre isso ao longo dos anos e não fazer as respostas saírem no modo automático?
É difícil, porque a tendência é mesmo que as respostas saiam no automático. São 20 anos respondendo as mesmas perguntas, que são as curiosidades que todas as pessoas têm. Quando o assunto é o “Castelo”, não tem só perguntas clássicas, do tipo “como eram as gravações?”, mas também coisas curiosas. Era um universo mágico tão fora da realidade que às vezes as pessoas duvidam se aquilo era um cenário de verdade, ou se o quarto do Nino existia mesmo. Hoje em dia, acho que todas as perguntas que me fizerem sobre os programas já foram respondidas. Entretanto, como a gente tem orgulho de ter feito o programa, a gente gosta de continuar falando sobre isso.

Os teus primeiros trabalhos na televisão foram fazendo propagandas, como a do Vick Vaporub, aos seis anos de idade. Como foi isso?
Como toda criança dos anos 80, eu assistia televisão. Mas, apesar de morar em São Paulo, eu ia muito para o interior nos finais de semana visitar a família, então tive uma vida… não sei dizer, mas eu jogava bola com os amigos, no parque, na praça, na rua, vivia andando de bicicleta… nunca fui o cara mais ligado em TV – mas minha irmã era bastante. Na época, ela era adolescente e era modelo. Minha mãe a levava para fazer os testes, e eu ia junto porque era bem pequeno. Certa vez, enquanto minha irmã fazia um teste em uma produtora grande, estavam fazendo testes para um comercial cujo papel era para ser feito por um menino de seis anos. Nessas obras do destino, era um perfil igual ao meu, e minha mãe me colocou no estúdio e acabou rolando, fiz várias propagandas, mas nunca tive muita noção do que era aparecer na TV. Só fui entender que isso era diferente e que talvez eu gostasse de fazer isso da minha vida na época do “Castelo”.

Do Vick Vaporub, como é que você chegou ao “Mundo da Lua”?
Foi via teste, também. Naquela época, eram poucas crianças que faziam propagandas na TV. Digamos que, sei lá, tinha uns 10 meninos e umas 10 meninas que faziam propagandas. Não era esse hype todo que tem em cima de trabalhar na TV, mães querendo que os filhos apareçam, filas enormes para testes. Como eram poucas crianças, sempre os mesmos apareciam. Na Cultura não, era diferente, tinha muita gente. Não lembro como foi o teste, mas acabaram me escolhendo. É muito louco isso, de não lembrar como foram as coisas. Eu me lembro de várias fases do “Mundo da Lua”, coisas que me marcaram. Era um programa muito legal, porque o que o Lucas vivia na história era o que eu vivia na época – e o que qualquer moleque de 10 anos vive (ou sonha viver). No programa, eu podia ser um jogador de futebol, e mais do que isso, ganhar a Copa do Mundo para o Brasil. Piloto de Fórmula 1? Eu podia. Ir pra Lua? Eu podia. Eu podia tudo, e era muito especial.

Segundo relatos, o “Mundo da Lua” foi um programa que teve uma produção conturbada, com várias fases de produção e roteiro, até chegar a um formato final, com a família de classe média paulistana morando em uma casa, e as aventuras tendo como foco o gravador do Lucas Silva e Silva. Em que fase do projeto você chegou?
Quando eu cheguei, a história já estava centrada nesse conflito: um garoto de 10 anos de uma família de classe média de São Paulo, com conflitos e desejos inerentes a qualquer criança. Entretanto, me lembro de gravar alguns episódios que se passavam em um apartamento, com um elenco diferente. O avô não era o Gianfrancesco Guarnieri, e a avó do Lucas era a Etty Fraser, que depois se tornou uma amiga da avó dele. Se não me engano, a gente chegou até a gravar um episódio em que a Fernanda Torres era uma vampira. São coisas que nunca foram ao ar, e parece até um universo paralelo do “Mundo da Lua”. Como eu era pequeno, não sei o que foi feito desses episódios, mas tenho curiosidade em ver o que eles eram. Até o gravador era diferente: ele era um gravador comum, daqueles pretos, de alça, de uma marca Gradiente da vida. Só na segunda versão, já com os episódios dentro de uma casa, é que veio aquele gravador com os botões coloridos, todo charmoso… (risos).

E como era gravar com aquele timaço de atores? Era um grupo que tinha o Antônio Fagundes, o Guarnieri, a Mira Haar, a Laura Cardoso…
Como minha infância não foi totalmente ligada na TV, era algo normal, porque eu não sabia quem era o Fagundes, o Guarnieri, eu não via novela, só os programas de criança. Aqueles adultos que estavam ali comigo? Nunca tinha visto. Para mim, eles estavam ali para brincar comigo. Um brincava que era o meu avô, o outro brincava que era meu pai, uma dizia que era minha mãe, e eu deixava (risos). Anos mais tarde, já adulto, é que eu fui ter consciência disso, do peso daquele elenco. Fagundes, Lucinha Lins, Guarnieri, Laura Cardoso, Etty Fraser, Denise Fraga, Edson Celulari, Marisa Orth… é um elenco de novela das oito, e eu ainda tinha o privilégio de ser o protagonista. Mas hoje eu acho bom que eu não tivesse noção, talvez seria muito mais complicado se soubesse quem eles eram. Vejo muitas entrevistas de atores adultos, falando que ficou nervoso ao contracenar com fulano… Eu nem fazia ideia. “Ah, vambora, todo mundo brinca aqui” (risos).

Quando o programa estreou, como ficou a sua vida? Imagino que um monte de gente te enchia o saco no colégio…
Passei boa parte da minha vida dentro dos estúdios e estudando na mesma escola. Depois que eu comecei a fazer o “Mundo da Lua”, minha rotina era bastante estressante para uma criança. Eu saía da escola, ia gravar, ia pra casa à noite, estudava ou fazia alguma coisa e ia dormir. No dia seguinte, a mesma coisa, de segunda a sábado. Quando acabaram as gravações e o programa estreou, foi um sucesso absurdo. Entretanto, pouca coisa mudou: as pessoas já me reconheciam na rua por causa das propagandas. Quem me via na escola estava acostumado comigo, e quando eu não estava no colégio, estava gravando. Minha vida sempre foi assim.

O “Mundo da Lua” começou em 1989 e estreou em 1991, e o “Castelo” só começaria a ser produzido em 1993. Entre esses dois trabalhos, o que você fez?
Fiquei contratado pela Cultura durante quase dois anos, entre 1989 e 1991, desde esses primeiros episódios que não foram ao ar até o fim das gravações do “Mundo da Lua”. Em 1992, eu meio que tive um ano de descanso. Ou quase: acabei fazendo um projeto com o Cao Hamburger para a TV Cultura, o “Lucas e Juquinha”. Eram umas vinhetas que usavam o personagem do “Mundo da Lua” e um primo mais novo dele para falar sobre acidentes domésticos. É um spin-off do “Mundo da Lua”. O que pouca gente sabe, entretanto, é que na ideia inicial, o Lucas e o Juquinha eram para ter sido parte do “Castelo Rá Tim Bum” – o Lucas virou o Pedro, e o Juquinha é o Zequinha. Hoje, imaginando, teria sido muito louco ver esse crossover, ia acabar fritando a cabeça da galera. Acho que não rolou justamente por conta disso, mas na exposição do MIS tem documentos que mostram coisas como “testes para Lucas e Juquinha” para o “Castelo”.

Nesse meio tempo, você também faz uma peça, certo?
É… eu fui levado a fazer uma peça de teatro, “A Fuga do Planeta Kiltran”, só com crianças. Éramos três meninos e uma menina – que era a Cynthia Rachel, que seria a Biba. Um dos meninos era o Fredy Allan (o Zequinha), e os dois acabaram fazendo o “Castelo”. A produção estava procurando crianças para compor o elenco, e lembro que eles curtiram bastante. Acho que teve um componente importante ali, que era a nossa sinergia. Sinergia entre crianças é um negócio muito louco, e já tendo esse entrosamento, ficava muito mais fácil de trabalhar em um projeto como o “Castelo Rá Tim Bum”. A Cynthia já tinha feito trabalhos antes, era a garota do Tang, mas o Fredynho era um novato. Ele só tinha feito a peça, mas dava para ver que ele tinha nascido para isso. Lembro que eu fiz alguns testes com eles e o Cássio, e ficou por isso mesmo.

Você, Luciano, não chegou a fazer testes pro “Castelo”…
Não, porque eu meio que já era parte do projeto. Mas lembro de ajudar nos testes com outros atores.

Você chegou a ver outros Ninos, ou outros Dr. Victors?
Sim. Lembro-me de ver o teste de outro Nino, mas não lembro quem era. É difícil de imaginar: o Nino é um menino de trezentos anos feito brilhantemente pelo Cássio Scapin. É uma coisa dúbia, um personagem difícil para caramba, porque ele é um adulto, mas é uma criança. O outro teste que eu vi tinha uma pegada de cientista maluco, uns tubos de ensaio, umas gargalhadas meio fatais, era bem louco. O Nino do Cássio é tão distante disso que acabou ficando marcado.

O Wagner Bello, que fez o Etevaldo, fez testes para o Nino…
Não me lembro dele, mas sei que o Henrique Stroeter, o Napão, que depois virou o Perônio, também fez teste para Nino.

Quem era o Pedro quando você “recebeu” o personagem? O que ele tinha de diferente para o Luciano?
O Philippe Barcinski, que hoje é um grande diretor, era o assistente de direção no “Castelo”. Uma das missões dele era ajudar a gente a ter uma linha de direção nos personagens, e é muito legal ver umas fotos antigas dele cuidando da gente. Desde o começo, o Pedro tinha algumas coisas bem claras: ele era o mais velho da turma, eventualmente sendo até mais responsável que o Nino, que apesar dos trezentos anos era mais criança que os três juntos. O Pedro tinha de ser o mais disciplinado e o mais atento, é o cara que é antenado com o nome do pintor do quadro, aquele que vai sempre puxar o “você sabia”. É o nerd desde sempre, mas um nerd que não deixa de se divertir com os amigos.

Nessa época você já entendia o que era compor um personagem?
Eu tinha um pouco mais de noção. O Lucas Silva e Silva tinha coisas peculiares, mas ele era muito próximo do Luciano da época. Já no “Castelo”, fizemos vários laboratórios juntos, muitos ensaios, era uma coisa bem acertada, bem conversada. Depois de um tempo, isso virou automático, mas foi importante ter a experiência de um adulto – e do Barcinski, ainda por cima – dando as direções para nós. O Pedro é totalmente diferente do Lucas, porque o mundo de imaginação do Lucas é meio que a vida real do Pedro dentro do “Castelo”. O que eu acho mais engraçado é que hoje tem gente que não sabe que o mesmo ator fez os dois papeis. Se eu abrir o Twitter para você ver, o número de reações é enorme. E é bacana isso, ter feito personagens diferentes, e não apenas ter um óculos e uma cartola escondendo meu rosto.

Para quem via de casa, o cenário do “Castelo” parecia todo cheio de uma aura mágica. Como era trabalhar nele?
Era mágico, mas, mais que isso, era grandioso. Acho que eu nunca fiz ou vi algo tão grandioso. Era feito no maior estúdio da TV Cultura, e o cenário ocupava literalmente o estúdio inteiro. Para abrir a porta do “Castelo”, você tinha que abrir a porta do estúdio para gravar a entrada das crianças. E era um estúdio cheio de detalhes. Recentemente, eu fui para Barcelona pela primeira vez, e visitei muita coisa do [arquiteto catalão Antoni] Gaudí. Foi a primeira vez na minha vida que eu tive a sensação de estar no “Castelo” sem estar realmente no estúdio. Muita coisa do “Castelo” foi baseada nas obras dele – as portas, as janelas, tudo foi pensado. O trabalho de cenografia do “Castelo” me impressiona até hoje, especialmente pelos ambientes interligados. É o que se via na TV: você ia do hall para a biblioteca no mesmo cenário, e o quarto do Nino era embaixo da escada e a gente gravava ali mesmo. É muito louco estar e ter gravado naquele cenário, e ver todos os cuidados que se tinha com a locação e os figurinos. Isso sem falar que era um absurdo, para a TV Cultura, que não é uma emissora comercial, ter um cenário daquele tamanho, com um nível de qualidade só feito fora do País. Uma coisa que o Cássio falou certa vez é que o “Castelo” foi o primeiro produto da televisão brasileira a apresentar um núcleo familiar muito específico, mas que abrangia as crianças com famílias diferentes. O Nino é um menino que não tem pai nem mãe, que mora com a tia avó e com o seu avô, que é o Dr. Victor. É uma estrutura familiar que a gente vê hoje, mas na época ninguém discutia… “cadê a mãe e o pai desse menino?”, “cadê a irmãzinha?”. A estrutura da família-feliz americana não existe ali.

Isso para não falar nas crianças… “pô, elas não tem pai, mãe, todo mundo acha normal eles brincarem num castelo?”.
Sim! É totalmente diferente do que a gente estava acostumado e do que era colocado como família-modelo. Se você parar para ver, até o “Mundo da Lua” tinha essa estrutura clássica.

Apesar de ser um projeto com patrocínios, o “Castelo” ainda assim tinha recursos limitados. Para você, o fato de ter recurso limitado provoca a criatividade?
O recurso limitado não cerceia criatividade. No caso da Cultura, isso é bem peculiar, não tendo compromisso com Ibope ou com produtos atrelados comercialmente. O que possibilitou todos esses programas era o empenho dos profissionais, independentemente do recurso ser limitado ou da remuneração não ser adequada pelo trabalho que era feito. A TV Cultura tem a peculiaridade de sempre querer passar algo a mais além do entretenimento – e essa cultura ia do contrarregra ao diretor. Todos ali eram pessoas únicas em suas posições, e com um carinho especial pela emissora. É esse empenho que faz a diferença no “Castelo” e na Cultura, e talvez seja só por isso que a emissora ainda esteja de portas abertas, diante dos problemas políticos e da mudança de administração a cada três anos. A Cultura já falou muito para o público jovem: o Serginho Groisman nasceu lá, com o “Matéria Prima”. Tinha o “Fanzine”, o “Musikaos”, o “Turma da Cultura”… são programas que existiam e não existem mais, e o jovem é um público que busca informação, tá aí nas redes sociais…

(interrompe) Mas o jovem assiste à TV tradicional hoje em dia?
Acho que sim, mas depende do jeito que a TV é feita. Ela precisa se adaptar, precisa estar na internet. O que o jovem assiste na internet não deixa de ser TV, e não é que ele não assista à TV. Ele assiste, mas também está ao mesmo tempo no PC, ou no smartphone, ou no tablet. A TV de antigamente não pode existir mais, tem que interagir direito com o jovem. É um desafio para todo mundo, e não só para a Cultura.

Você disse que no “Castelo” já tinha mais noção do que acontecia no set de filmagens. Como era o ambiente das gravações?
Era um bando de gente maluca, com muita vontade de fazer, mas em uma rotina estafante. Tinha ator que começava a gravar às 8h da manhã e ia até as 8h da noite. O natural seria que todo mundo ficasse bravo, estressado, cansado… mas nunca houve conflito entre as pessoas. Todo mundo ria, contava histórias, vivia junto. Falar de uma coisa só que era divertida no estúdio é bobagem. Era um clima tão legal: o Cássio, por exemplo, quebrava um objeto de cena que era único. Numa situação normal, todo mundo ficaria puto, mas a gente só começava a rir e falava: “tá, ok, a gente grava essa cena na semana que vem”. Novela costuma ter um ritmo intenso, grava 40 cenas por dia, um capítulo a cada dois dias. No “Castelo”, havia um cuidado diferente, coisas simples como não poder colocar o tênis em cima do sofá, de não poder falar “tá”, era para falar “está”… a gente gravava seis, sete cenas por dia, levava uma semana, às vezes até duas para gravar um episódio. A gente tinha mais tempo de viver cada cena. Vira e mexe a gente tinha crises de riso. Também pudera: imagina você estar lá, querendo se concentrar, e vir o Pascoal [da Conceição] do teu lado pulando que nem o Dr. Abobrinha. Não tinha como fazer uma cena séria com ele! Mas tinha que fazer, especialmente por que ele era o vilão.

Tem a história que o Zequinha quebra o braço no meio de uma cena…
Sim (risos). Era uma cena que a gente tinha de entrar no castelo engatinhando, na portaria. Acho que ele foi descer a escada e tropeçou, caiu e quebrou o braço. Dá para reparar que ele passa uma boa parte dos episódios com o braço engessado. Mas a melhor parte nem é que ele quebrou o braço, mas sim que não tinha uma explicação boa para ele estar com o braço engessado. Lembro que até tentaram dizer algo assim num episódio, mas não funcionava. Além disso, a gente brincava muito. Era rotina mandarem alguém buscar a gente porque a gente estava jogando bola – com os figurinos. Imagina: suava o figurino, sujava a bota de couro branca do Zequinha… era uma bagunça.

Você se lembra de como foi o dia da estreia do “Castelo”, em maio de 1994?
Sei que na época da estreia, a gente ainda estava gravando, e paramos para assistir todos juntos no estúdio. Foi meio estranho. Era um projeto tão legal, com uma edição tão diferente, que todo mundo estranhou no começo, sem saber se era legal ou não. O Cássio disse que todo mundo ficou meio… “ah, legal, mas vamos voltar a gravar?”.

Para você, o “Castelo” fez mais ou menos sucesso que o “Mundo da Lua”?
Em São Paulo, os dois programas fizeram muito sucesso. O “Mundo da Lua” teve impacto especial no Estado de São Paulo, especialmente porque contava uma história paulistana, classe média, era mais regionalizado. Já o “Castelo” fez sucesso no País inteiro, e conta uma história mais universal. Até por isso, o “Castelo” está tendo uma exposição, e sonho que o “Mundo da Lua” também tenha. É um projeto que merece.

Na sequência do sucesso do programa, você e alguns dos principais atores se uniram e fizeram peças de teatro do “Castelo”. Foi algo instantâneo ou houve um intervalo nesse meio tempo?
A peça começou a ser produzida em 1996, e estreou em SP em 1997. Nesse meio tempo, eu fiz uma novela no SBT, no papel de um menino de rua, o Rato. Era algo totalmente diferente: o Lucas era de classe média, o Pedro vinha de um mundo mágico. Foi um choque: “nossa, agora o Lucas Silva e Silva mata gente e cheira cola!”. Além disso, fiz o Telecurso 2000, fiz um menino bonzinho dando aula de matemática (risos). A peça veio na sequência, em 1997, e foi um sucesso absurdo, com sessões de segunda a segunda. Nessa época, eu estava no terceiro ano do Ensino Médio e estudava pro vestibular. Saía do colégio, ia para o teatro, fazia duas ou três sessões para escolas, e depois ainda ia para a Cultura fazer o “Turma da Cultura”. Eu praticamente não tinha vida.

Como foi voltar para o papel do Pedro três anos depois — e fazendo aos 17 um personagem que teria, no máximo, uns doze anos?
Foi no automático. Era como um jogador de futebol que um dia joga no Maracanã, e no outro tem de ir pro estádio da esquina. Precisa jogar igual e fazer gol do mesmo jeito. O que era legal era ter o contato diário com o público, ver bebês que tinham sido batizados como Pedro, Nino, Beatriz ou Zeca, e ouvir as mais variadas histórias. Era cansativo, mas era divertido.

Você falou do “Turma da Cultura”. O que era esse projeto?
Em 1997, a Cultura resolveu que queria ter outro programa para jovens, anos depois do fim do “Fanzine”, que era apresentado pelo Marcelo Rubens Paiva. Lembro que foi um dos primeiros programas do Brasil a ter email, e coisas engraçadas como mostrar como era uma enciclopédia no computador. Além de ler sobre um pássaro, dava pra ouvir o pássaro, era incrível! Hoje, parece absurdo. Além disso, foi o primeiro programa que eu apresentei na vida, com todos os desafios possíveis: era ao vivo, diário, com participação do público e banda. Sem querer, ele definiu minha carreira para o futuro.

Como foi essa transição, de ator para apresentador?
Foi sem pensar. Assim como das outras vezes, o convite apareceu e foi algo natural. Ser ator ajuda, mas ao mesmo tempo me dá a oportunidade de ser mais o Luciano. Além disso, foi uma atividade que me deu contato com uma área que eu adoro, os games. Em 2002, eu apresentei o meu primeiro programa de videogames, o “G4 Brasil”, na TV Bandeirantes, e daí não parei mais.

Lembro que para mim, como espectador, era engraçado ver o Pedro falando de videogames. Como surge esse teu interesse? Você tinha tempo para jogar enquanto atuava?
Como toda criança nascida após os anos 80, eu sempre joguei videogame. Antes do “Mundo da Lua”, eu fiz a propaganda do primeiro Dynavision, e como parceria com a Dynacom, eles mandavam para casa todos os jogos. Meus pais não podiam me dar um Atari, mas depois dos 8-bits, eu tinha jogos novos em casa todo mês. Era um absurdo, o sonho de qualquer criança. Depois, fui evoluindo com o Master System, o Mega Drive, sempre arranjava um tempo no meio das gravações. Quando eu tinha 17, 18 anos, me juntava com os amigos para passar a madrugada jogando “Winning Eleven”, “Mario Kart”, “Golden Eye”, os jogos da época. Acho que por isso eu consegui a vaga no “G4 Brasil”: no teste, tinha uma coisa meio quadradona, e eu improvisei em cima do texto, porque tinha a ver com o Winning Eleven, e eu sabia a escalação do Irã de cor por causa do jogo. Foi uma sorte.

Você trabalha com games nos últimos 10 anos. Além de ser um pioneiro, você viu a indústria mudar muito nesse intervalo. Como você percebe essas mudanças? As coisas melhoraram?
Mudou muita coisa, sem dúvida. As pessoas encaram games com mais seriedade agora. Nos primeiros programas, a gente martelava que game era coisa séria, e não podia relacionar nada com criança, para não reforçar o estereótipo. Ainda hoje tem estigma, mas como os números cresceram e agora tem dinheiro forte na jogada, fica mais fácil. Agora, na verdade, existe um segundo trabalho, que é mostrar coisas além dos números. Para mim, videogame é arte. Outra coisa que mudou é que, com o YouTube, o conteúdo que você produz sobre games é totalmente outro. Dá para fazer vídeos mostrando como se joga, ou um cara falando bobagens sobre um game. Antigamente, a gente dava dicas e truques no programa – hoje o cara tem o Google para isso. Além disso, antes você só jogava no videogame ou no computador. Agora tem o celular para isso, e qualquer pessoa tem jogo no celular. As mulheres estão jogando muito mais – elas sempre jogaram, mas sofriam com o estigma. Isso está acabando. Está tudo mudando muito, e é preciso atingir todo mundo: tem que falar com criança e adulto, com jogos para smartphone e para o cara que vai passar horas na frente do console. O que me deixa feliz é que hoje, apesar de poder brincar, eu consigo fazer um produto sério para quem me assiste. É essa a principal diferença.

E o mercado brasileiro? Como ele evoluiu nesse tempo?
Melhoramos bastante. Para quem produz games, tudo se barateou. As ferramentas são mais baratas. Ainda que seja um caminho distante, um desenvolvedor indie tem um caminho mais simples hoje. As ferramentas de produção são menores, a distribuição pode ser feita pela internet. Mesmo assim, o brasileiro que consegue lançar um jogo dentro da PSN [PlayStation Network, plataforma da Sony para venda de games] ou da Live [Xbox Live, similar da Microsoft] é um herói. Normalmente, é uma equipe de até cinco caras, que fazem de tudo, numa baita correria, e acabam conseguindo… mas ainda estamos muito longe do que podemos ser. É um absurdo, pensando no tamanho do Brasil e no nosso poder de compra, mas só agora a gente conseguiu se equiparar ao México dentro do mercado de games. Algumas coisas precisam ser revistas, como o enquadramento de que um jogo entra como importação no Brasil. Jogo é arte, não é só entretenimento puro. Devia ser importado como se importa um livro. Entretanto, quem manda nisso é uma galera velha, que tem medo do novo e não conhece videogame.

Acha que videogame é coisa para criança.
Exato. Acha que videogame é brinquedo, e por isso que videogame é taxado como brinquedo.

Uma das coisas que são ditas a respeito do sucesso do Castelo é que os criadores do programa são de uma geração que já cresceu vendo TV. Será que não é isso o que vai acontecer com os games também?
Vai. A gente vê isso no cinema americano. Quem manda em Hollywood hoje era a galera que cresceu nos anos 80, e é por isso que a gente está vendo revival do “Transformers”, um monte de filmes da Marvel… a TV e a política no Brasil, porém, estão na mão de caras que pensam na década de 40. A geração que cresceu jogando sabe da importância dos games, e dos usos que eles podem ter na medicina, na educação, na capacitação profissional. Existe uma barreira de gerações. Mesmo assim, com todos esses problemas, nós temos um mercado promissor. Igualamos o México, temos a montagem dos principais consoles sendo feita dentro do Brasil, ainda que o preço seja absurdo… Caminhamos, mas precisa mudar muita coisa.

O “Castelo” foi um programa que teve inúmeros produtos licenciados, e foi reprisado um sem-fim de vezes. Você recebeu alguma coisa de direitos autorais ou de imagem em cima disso?
Sim, mas foi algo tão pequeno, tão longe do justo – e não digo nem do que a gente gostaria, mas do que poderia ser justo. É engraçado: a Cultura tinha uma equipe tão responsável, profissional e capaz fazendo o programa, mas não teve quando foi para a questão da marca Castelo. Dava para ver que não havia preparo, até pela qualidade de muitos dos produtos. As empresas que receberam esses licenciamentos não eram as tops do mercado, como o “Castelo” era algo top para a programação infantil na TV. Quando nós assinamos os contratos, que cediam os direitos para a Cultura, ninguém tinha noção do sucesso que o programa ia ser. Entretanto, em nenhum lugar do mundo, se um programa é veiculado, reprisado ou vendido para fora, as pessoas ficam tão à mercê de um contrato ruim. Para você ter uma ideia, a gente tinha que esperar juntar um ano remunerando para buscar algo que não chegaria a um salário mínimo. Você pensava, “poxa, deve ter vendido bastante”, mas não tinha como saber… No fim das contas, os maiores prejudicados fomos nós, e o público também, que poderia ter acesso a produtos maravilhosos do “Castelo”, ou do “Mundo da Lua”… já pensou, ter um gravador igual ao do Lucas Silva e Silva? Se fosse um projeto feito nos EUA, com certeza teria sido diferente.

Se você ganhou algum dinheiro com o “Castelo”, de onde veio esse dinheiro?
Se teve alguma parte do “Castelo” que rendeu para nós um pouco mais de grana, foi a peça. Viajamos o País inteiro com ela.

Imagino que você tenha sentido a repercussão do programa de inúmeras maneiras desde a estreia, mas parece que é diferente quando acontece algo formal, institucionalizado, como é a exposição do MIS. Como está sendo esse momento pra você, vendo o programa ser homenageado ao completar 20 anos de idade?
Ao longo de 20 anos, depois de já ter respondido as perguntas de todos os jornalistas, ter ouvido as maiores histórias do mundo e etc etc etc, a magia não se perdeu, mas o tom especial de tudo isso foi se diluindo ao longo dos anos. O que a gente está vendo agora é um momento muito especial. Talvez a gente nunca ouviu falar tanto do “Castelo” quanto agora, porque calhou de estarmos comemorando 45 anos da Cultura e 20 anos do “Castelo”. “Pô, eu fiz o Castelo”. Que outras pessoas podem dizer isso? Eu e aquela equipe, é muito bacana e dá um orgulho bem grande. É o “Chaves” brasileiro.

Você teve de lidar com a memória do Pedro e do Lucas durante mais de 20 anos. Tem gente que te chama de Lucas Amaral? Em algum momento, você chegou a cansar dos dois e nunca mais querer falar sobre o assunto?
Não. As pessoas criam o estigma que você fica bravo se te chamam de Lucas ou algo do tipo. Na verdade, explico isso de um jeito simples: para muita gente, eu cresci ao lado delas, como um primo próximo. O cara viu o Lucas, depois viu o Pedro, depois me via dar dicas de videogames… é uma relação próxima. Se o cara me encontra na rua, ele fica emocionado, vem me abraçar, porque ele me conhece há muito tempo. Mas eu nunca vi o cara mais gordo. Ele não é meu primo (risos). O que acontece é que as pessoas esperam que a minha reação seja igual à delas, e nunca vai ser. Por isso, as pessoas criam esse estigma, chamam de metido. Cara… eu não ia gostar de ser lembrado se eu fosse participante de reality show e tivesse feito alguma merda muito grande. Não! Eu fiz o “Mundo da Lua” e o “Castelo”, faço parte da história da TV brasileira. Não dá para não ter orgulho disso. Pode me chamar de Lucas, de Pedro, do que você quiser… (risos)

Olhando para a televisão brasileira hoje, daria para ter um programa com a mesma qualidade que o “Castelo” teve?
Acho que sim, acho que sempre dá. Hoje, a TV a cabo é quem manda na programação infantil, a proibição da publicidade infantil é um entrave, mas existe um público muito carente desse tipo de programa. Você tem coisas sensacionais na TV por assinatura, mas na TV aberta não existe nada. E é somente uma decisão comercial, porque espaço sempre tem. As pessoas querem assistir? Não tenho dúvida de que querem ver um programa tão bom quanto. Não acho que um “Castelo” novo deva ser feito, ou um remake, mas sim um programa com aquela qualidade. É uma relação complicada, porque no fim das contas, é uma relação de dinheiro.

O “Castelo” pode ser exibido hoje para uma criança que tem 4, 5 anos de idade? Ele é capaz de contar sobre o mundo que ela vive?
O “Castelo” tem suas limitações técnicas, pela época em que foi feito. Hoje, essas limitações saltam aos olhos, mas, na época, o que foi feito ali era o melhor que existia. Isso talvez acabe incomodando uma criança mais nova, mas a essência do programa são assuntos inerentes a qualquer ser humano. Não falar de internet não é um problema, por exemplo, porque tem tantas outras coisas ali… tem uma cobra que fala. Isso já é demais. Não tem necessidade de falar de tecnologia dentro do contexto do programa — não tem internet, mas tem uma máquina que divide e multiplica pessoas. A magia vai além do que é a internet.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista e assina o blog Pergunte ao Pop.

Todas as fotos são de Bruno Capelas e o estudo de figurino foi cedido pelo figurinista do Castelo Rá-Tim-Bum, Carlos Alberto Gardin.

Leia também:
–  Museu da Imagem e do Som de São Paulo prepara Mostra Legião Urbana (aqui)

2 thoughts on “Entrevista: Luciano Amaral

  1. Bela entrevista. O Luciano “Lucas Silva e Silva” Amaral é bem esclarecido e sabe bem do papel dele, do Castelo Rá Tim Bum e do Mundo da Lua pra nossa geração. Gostaria muito de ver a exposição no MIS mas as filas estavam tensas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.