Entrevista: Dean Wareham

por João Eduardo Veiga

Dean Wareham é um anticrooner e o guitar hero mais minimalista de todos os tempos. Figura-chave no rock independente norte-americano do final dos anos 1980, quando esteve à frente do influente (e ainda atualíssimo) Galaxie 500, por toda a década seguinte buscou um lugar no mainstream com sua segunda banda, o Luna. Embora tenha sido mal sucedido em escalar as paradas, produziu mais um belo punhado de álbuns até 2005, quando decidiu matar o Luna –em público, no documentário “Tell Me Do You Miss Me”. Em seguida se casou com a baixista, Britta Phillips, com quem formou um duo nos moldes de Jane & Serge e Nancy & Lee.

Seu nome, desacompanhado, já havia estampado a capa de um livro – o hipersincero “Black Postcards”, uma das melhores autobiografias roqueiras já escritas –, porém nunca a de um disco. A história finalmente muda com o mini-LP “Emancipated Hearts”, sua estreia solo, que traz as marcas registradas de Wareham envoltas em um certo folk psicodélico com diversos acenos às suas primeiras gravações. É um trabalho que dificilmente transformará vidas (algo que “Today” e “On Fire”, do Galaxie 500, ou até mesmo “Penthouse”, do Luna, sem dúvida já fizeram muito), mas, mesmo com apenas seis faixas – cinco originais e uma versão de “Air”, dos hippies da Incredible String Band –, pode concorrer com qualquer álbum cheio pelo título de melhor de 2013.

Nesta entrevista exclusiva, Dean Wareham não só conversa sobre o mini-LP como dá pistas sobre o próximo lançamento – o álbum propriamente dito, que sai já em março –, além de revelar seu processo criativo, relembrar passagens pelo Brasil (jurando que o show que fez em São Paulo com o repertório do Galaxie 500, em 2011, foi um dos melhores de sua vida) e falar sobre cinema, literatura, Lou Reed e solos de guitarra.

Por que gravar um primeiro disco solo após mais de 25 anos de carreira?
Andei ocupado. Galaxie 500 e Luna tomaram os primeiros 17 anos da minha carreira musical. Em 2002 comecei a fazer um LP solo, que acabou se transformando no “L’Avventura”, de Dean & Britta, e fico feliz que tenha sido assim, amo aquele disco. Mas agora, após três álbuns assinados por Dean & Britta, achamos que poderíamos fazer algo diferente. Então fui gravar o meu disco e Britta foi gravar o dela.

Como surgiram as novas canções? Existe algum conceito por trás das faixas de “Emancipated Hearts”?
Eu tinha umas oito canções prontas, então logo me veio à cabeça a ideia de um mini-LP. Hoje em dia a gente se pergunta se existe algum propósito em lançar um LP, já que no momento em que ele entra no iTunes as pessoas simplesmente decidem por conta própria as faixas que querem ouvir e de que maneira vão ouvi-las. Então, mesmo que eu passe semanas refletindo sobre a sequência que vai compor o disco, com o objetivo de que canções fluam com perfeição do início ao fim, não dá para não pensar que talvez isso seja uma grande perda de tempo. Mas eu tinha um conceito, sim: cada faixa seria baseada em um verso escrito por outra pessoa – em poemas, livros ou onde fosse –, sobre o qual eu criaria a minha própria letra. Então peguei emprestado frases de Rainer Werner Fassbinder, Bertolt Brecht, Karl Marx e do Pato Donald.

As novas canções têm muitos violinos e menos guitarras. Você se cansou dos solos de guitarra?
Não, mas foi assim que aconteceu. Gillian Rivers apareceu no estúdio e tocou viola e violino, trazendo tantas boas ideias que achei não haver necessariamente espaço para solos de guitarra. E acabei esquecendo que as pessoas gostam de ouvir meus solos. Mas descobri que toco melhor quando não sei o que estou fazendo. É o que Miles Davis disse a John McLaughlin, “toque guitarra como se você não soubesse tocar guitarra”. Meu próximo disco vai estar cheio de solos de guitarra onde não sei o que estou fazendo.

Mesmo sem os solos de guitarra, de alguma forma “Emancipated Hearts” guarda mais semelhanças com o Galaxie 500 que seus outros projetos mais recentes. Você acha que os três anos na estrada tocando ao vivo aquelas velhas canções podem ter tido alguma influência sobre as novas?
Voltar a tocar aquelas canções talvez tenha me lembrado de que, depois de anos de cantoria suave no Luna e com o Dean & Britta, sou capaz de gritar e cantar num tom muito alto. Além disso, meu produtor, Jason Quever, cresceu ouvindo os LPs do Galaxie 500, são discos muito importantes para ele. E ele é um produtor que adora reverb – outro elemento-chave do som do Galaxie 500.

Boa parte do seu trabalho recente tem uma conexão clara com o cinema – em títulos de álbuns (“L’Avventura”, clássico de Antonioni) e canções (“Love Is Colder than Death”, primeiro longa de Fassbinder), em todo o conceito do disco “13 Most Beautiful”, composto sobre uma série de curtas mudos de Andy Warhol, e também nas trilhas sonoras de filmes como os do diretor Noah Baumbach – você chegou inclusive a atuar no mais recente, “Frances Ha”. Como você vê essa relação?
Bem, não é exagero dizer que o cinema foi a arte dominante do século 20, então, de uma maneira ou de outra, ele acaba entrando em nossas cabeças. Tenho uma atração por um cinema onírico, filmes que parecem sonho, e também por canções com esse clima. E a combinação de cinema e música pode, claro, ser muito poderosa, embora a música seja capaz de arruinar certos momentos cinematográficos, algo que acontece o tempo todo em Hollywood. Mas tive a sorte de trabalhar com dois grandes diretores, Noah Baumbach e Andy Warhol. Obviamente Warhol não estava vivo para fazer qualquer recomendação diretorial, mas foi um privilégio criar música para seus filmes mudos. E quem colabora com Noah Baumbach também é muito sortudo. É participando da produção de um filme, como compositor ou ator, que percebemos como é raro surgir algo realmente bom.

E qual a sua relação com a literatura?
Minha leitura influencia o que escrevo, claro, é uma constante fonte de inspiração para as letras. Existe certa poesia em todo tipo de escrita, o que me faz crer que quem não lê livros não tem como compor uma canção. Tenho pena de músicos que acham que podem se sentar numa sala sossegada com uma folha em branco e esperar palavras surgirem magicamente na página. Não é assim, é necessário roubar ideias de algum lugar, é necessário alimentar a mente. Imagino que pessoas diferentes tenham abordagens diferentes, que outros letristas talvez se perguntem “como posso escrever uma letra simples com a qual milhões de pessoas vão estabelecer uma conexão?”, mas comigo não acontece assim. E também não sou, de jeito nenhum, um contador de histórias, o clima me interessa mais que a narrativa.

Seu processo de composição mudou desde os dias do Galaxie 500?
Compor não ficou mais fácil. Hoje trabalho nas letras com mais afinco. Aos 24 anos eu ficava feliz por simplesmente ter uma letra para cantar. Mas agora escrevo mais do que preciso e vou e volto várias vezes para polir e consertar, em busca da palavra certa.

Além de já ter lançado um livro, você vem publicando resenhas e artigos em sites como Salon e The Talkhouse. O que mais você escreve?
Não escrevo poesia, é algo completamente diferente das letras de música. Às vezes leio poemas, mas em pequenas doses. Meus poetas preferidos no momento são Frederick Seidel e Ben Lerner. Escrevo prosa, praticada de vez em quando nesses artigos – escrever sobre música é muito difícil! Resenhei o livro do Richard Hell, o que foi divertidíssimo. Sou um escritor lento, mas estou melhorando. Fazer resenhas sobre música me levou a descobrir como a vida dos críticos de rock é dura. É complicado falar de música. Hoje consigo entender por que as pessoas usam os mesmos adjetivos infinitamente.

O Luna fez duas turnês com Lou Reed (uma delas na reunião do Velvet Underground, em 1993), como banda de abertura. Qual a memória mais viva que você tem dele?
O que não falta na minha vida, desde os 14 anos, são momentos com Lou Reed na trilha sonora. Foram muitas as ocasiões emocionantes de interação com ele – foi maravilhoso simplesmente escutar o Velvet Underground tocando ao vivo no dia em que chegamos a Edimburgo para fazer o show de abertura, ouvindo a banda por meio de uma pequena caixa de som no camarim. E também foi sensacional quando Lou subiu ao palco com o Luna para cantar um dueto em “Ride Into the Sun”. Eu me lembro de dizer a ele que me recordaria daquilo pelo resto da vida. Ele sempre foi legal comigo.

Como você consome música hoje?
Compro menos, como todo mundo, mas ainda compro. Quando gosto de algum disco quero tê-lo na prateleira, de onde posso pegá-lo para botar para tocar, em vez de deixá-lo armazenado digitalmente no meu HD, onde será facilmente esquecido. Compro gravações antigas em vinil e as mais recentes, em CD.

O que você tem ouvido? Alguma recomendação de música nova – ou antiga?
Gostei muito do último disco do Devendra Banhart, “Mala”. E acabei de fazer uma turnê com o Papercuts, a banda do Jason Quever, produtor de “Emancipated Hearts”. Ele tem um álbum excelente pronto para ser lançado.

Na sua autobiografia, “Black Postcards”, você lembra a sua primeira passagem pelo Brasil, em uma turnê com o Luna em 2001. Dez anos depois você voltou ao país para dois shows – um relacionado ao “13 Most Beautiful” e outro com as canções do Galaxie 500 – em São Paulo. Como foi esse retorno?
Tocar o repertório do Galaxie 500 em São Paulo foi o show mais divertido daquele ano. Um dos melhores shows da minha vida, sem exagero. É inspirador pensar que você pode gravar um disco com os amigos em 1988 e 23 anos depois viajar ao Brasil, subir ao palco e perceber que as pessoas na plateia conhecem cada palavra das canções e cada nota dos solos de guitarra.

Você postou no Instagram uma foto sua e de Britta ao lado de Sean Eden e Lee Wall, ex-integrantes do Luna, registro que parece ser muito recente. Isso significa alguma coisa?
Significa que, no fim das contas, nós nos amamos. É muito mais fácil amar alguém quando vocês não trabalham juntos dia após dia, indo para lá e para cá dentro de uma van.

Você pode adiantar alguma coisa sobre seu próximo disco?
“Emancipated Hearts” foi só um aperitivo, o novo LP – preguiçosamente intitulado “Dean Wareham” – já está pronto e sai em março de 2014. Foi produzido pelo Jim James, do My Morning Jacket, na casa dele em Louisville, no Kentucky, e é muito diferente do EP recém-lançado. Mais rock, mais solos de guitarra!

João Eduardo Veiga é jornalista e já entrevistou o Codeine para o Scream & Yell. Confira.

Leia também:
– Dean Wareham (2001): “Estou meio cansado dessa comparação com o Velvet” (aqui)
– Luna ao vivo em São Paulo e São Carlos, 2001, por Marcelo Costa (aqui)
– “L’Avventura”, de Dean Wareham & Britta Phillips, por Miguel F. Luna (aqui)
– “Romantica”, do Luna: Romance, meus caros, romance, por Marcelo Costa (aqui)

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