O Paraíso de Zahra, de Amir & Khalil

por Adriano Costa

Em 12 de junho de 2009, a República Islâmica do Irã saia às ruas com o intuito de decidir o novo presidente do país. Quatro candidatos participaram do pleito e no dia seguinte foi decretado a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, ex-prefeito de Teerã, que ocupava a presidência desde 2005. O resultado foi amplamente contestado, com a alegação de fraude, o que levou a uma recontagem que ratificou o veredicto inicial. O povo insatisfeito saiu novamente às ruas, agora não mais para votar, e sim para protestar.

O resultado de tal demonstração democrática foi a repressão sangrenta feita pelo governo, que através dos Basiji (uma truculenta milícia paramilitar de uso do poder) realizou espancamentos, prisões e mortes. Uma dessas mortes foi a de Neda Agha Soltan, alvejada por tiros e que, através de uma exposição inicial no site do escritor brasileiro Paulo Coelho (que viu seu agente no país no vídeo), ganhou o mundo todo e promoveu um clamor (ainda que sem sucesso) por justiça.

“O Paraíso de Zahra” é uma graphic novel que ficcionalmente se desenvolve após essa conturbada eleição. Com 272 páginas foi publicada no Brasil no final de 2011 pela Editora Leya em conjunto com a Barba Negra. Escrita por Amir, um ativista dos direitos humanos, jornalista e cineasta com foco em documentários, e desenhada por Khalil, um artista que se apresenta pela primeira vez em um projeto desse tipo, inicialmente foi concebida como uma série online antes de assumir a forma física.

Amir & Khalil não expõem seus verdadeiros nomes com medo da represália dos mandatários de um país que, de acordo com a Anistia Internacional, foi o segundo com maior número de execuções em 2010, ficando atrás só da “benevolente” China. Os próprios a definem como ficção, pois não se julgam “aptos a documentar os fatos sobre as eleições presidenciais iranianas”, porém não podem “fingir que não há ligação entre a ficção e a realidade” e que tiveram “milhares de colaboradores, alguns vivos, outros mortos”.

Dedicada “aos desaparecidos, aos ausentes e aos que caíram”, “O Paraíso de Zahra” tem como trama principal o sumiço de um jovem chamado Mehdi, que depois dos protestos feitos na Praça da Liberdade contra as trapaças nas urnas, simplesmente desapareceu. A mãe (chamada Zahra) e o irmão mais velho tentam em vão encontrar vestígios do rapaz. Perambulando em prisões, necrotérios e hospitais, os dois angariam alguma ajuda, mas nada que solucione a questão que vem corrompendo suas almas pouco a pouco.

Esse irmão mais velho desabafa sobre suas desilusões e frustrações sobre o caso em um blog chamado “O Paraíso de Zahra”, que é o nome do principal cemitério de Teerã e que homenageia a filha única do profeta Maomé (fundador do Islamismo), um símbolo de pureza, dignidade e generosidade para os religiosos. Essa é uma das várias analogias que o texto – de modo brilhante – frequentemente utiliza e vai correlacionando o passado da nação com fatos recentes e todo um cotidiano contemporâneo.

A arte de “O Paraíso de Zahra” é um espetáculo à parte. Em preto e branco, Khalil transmite toda a tensão dos momentos brutais, assim como viaja em comparações e alegorias que representam bem o que o texto ambiciona repassar ao leitor. Mesmo repleto de tristeza e inconformismo, a narração feita pelo irmão de Mehdi traz alguns toques de humor, tanto ocasionais como ácidos, em relação ao modus operandi de um governo que suprime não só a liberdade, como também as qualidades do povo iraniano.

“O Paraíso de Zahra” traz um projeto gráfico zeloso e preocupado com uma informação mais ampla, e na busca por Mehdi insere o leitor em um país que para muitos não consegue mais ser uma República e muito menos ser Islâmica. Uma tirania disfarçada que faz com que um povo sofra dissabores mil e veja seus direitos arremessados na sarjeta a cada dia. Um trabalho corajoso e agudo que serve tanto para despertar os olhos do mundo quanto para homenagear todos aqueles que sucumbiram aos desmandos da insanidade.

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– Adriano Mello Costa (siga @coisapop) assina o blog de cultura Coisa Pop

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