5x Favela, Agora Por Nós Mesmos

por Tiago Trigo

Você sabe que a maioria dos pobres brasileiros que vive em favelas é honesta e trabalhadora? Então você não precisa assistir a “5 x Favela, Agora Por Nós Mesmos”. É isso o que o filme tenta mostrar, provavelmente por acreditar que a maior parte do público é alienada ou faz parte da chamada classe média que lê (e acredita) na revista Veja.

É 100% legítimo que exista uma obra sobre a favela feito pelos próprios moradores, ainda mais depois de sucessos como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”, filmes que retratam as comunidades, predominantemente, como o berço do tráfico de drogas (os dois filmes são muito mais do que isso, mas o assunto aqui é outro). Porém parece que “5 x Favela” foi feito para quem nunca falou com alguém pobre ou nunca chegou perto de um barraco (ou só foi lá comprar drogas).

Para tal “elite” a obra pode até ser útil, abrir os olhos, acabar com certos preconceitos. Se bem que é de duvidar que estas pessoas elitizadas tenham interesse de ir ao cinema conferir os cinco pequenos filmes produzidos por Cacá Diegues e Renata de Almeida Magalhães e dirigidos por jovens cineastas (Manaira Carneiro, Wagner Novais, Rodrigo Felha, Cacau Amaral, Luciano Vidigal, Cadu Barcellos, Luciana Bezerra) de comunidades pobres do Rio de Janeiro.
A iniciativa do “olhar de dentro” é muito interessante, não há dúvida. Em 1962, foi rodado um projeto com o mesmo nome, mas cujos diretores eram de classe média. Nada mais legítimo do que dar a câmera na mão de quem vive esta realidade no dia-a-dia. Proporcionar condições (leia-se, dinheiro) a jovens de origem humilde, com direito a oficinas e cursos, de se expressarem e mostrarem seu talento é excelente. Mesmo. Pena que eles tenham desperdiçado esta chance.

É lamentável que a ânsia de mostrar que favela também é lugar de gente honesta e decente tenha tornado o resultado fraquíssimo, principalmente no quesito roteiro, o que torna a piada infame inevitável: o nome do filme poderia ser “5 x Clichê” (e, por isso, os sete prêmios no Festival de Paulínia, assustam, principalmente os de Melhor Roteiro e Melhor Filme). Tecnicamente não há do que reclamar: o acabamento nos moldes Globo Filmes, que remete à série “Cidade dos Homens”, garante um bom resultado estético.

Mas fazer cinema é, fundamentalmente, contar uma história (aqui, cinco). E é aqui que “5 x Favela” decepciona. Sabe aquela em que dois amigos crescem juntos e, na vida adulta, adotam caminhos diferentes, um caindo pro crime e o outro virando policial? Está aqui. Outro dos episódios poderia ter sido escrito por um autor global: o rapaz pobre e inteligente que consegue (imagina-se, com muito esforço) entrar na faculdade pública, mas não tem dinheiro nem para pagar a passagem de ônibus e assistir às aulas. Na ânsia de conseguir o grande objetivo de “ser alguém na vida” (pois honestamente não está dando certo), comete deslizes, flertando com o crime. Dá-lhe lição de moral: ele sofre um contragolpe (sua atitude prejudica alguém querido) que o faz voltar para os trilhos da honestidade e seguir o caminho que vinha traçando desde o começo.

Outro episódio traz o menino de bom coração que se esforça para dar um prato de comida diferente para o pai (cansado da marmita de arroz e feijão) no aniversário, mas que, depois de tentar honestamente, também desvia o caminho e adota um “atalho” para atingir seu objetivo (sim, você já leu isso no parágrafo acima). O final tem nova lição de moral, com um show de pieguice de dar vergonha. Aliás, note o senhor de cabelos brancos que vende frango: é o cineasta Ruy Guerra, em participação (nem tanto) especial.

E tem mais do que você já cansou de ver: coerção e medo da violência em rixa entre favelas rivais – em imbróglio resolvido com o jeitinho brasileiro – e uma prova de que a comunidade se vira na adversidade (falta de luz na noite de Natal) com o costumeiro bom humor tupiniquim (do tipo “a gente sofre, mas é feliz”) em mais um episódio em que o “jeitinho” fala alto.

Vale lembrar que o filme foi lançado no Festival de Cannes deste ano (fora da competição), o que prova as ambições sobre o mercado internacional (não estranhe se o escolherem como representante do País na disputa pelo Oscar). “5 x Favela, Agora Por Nós Mesmos” foi feito para alienados, fascistas ou para os gringos que acham o Brasil “exótico” (e precisam saber que aqui existe mais do que turismo sexual, carnaval e samba). A única forma de entendê-lo é encará-lo como produto para exportação.

Leia também:
– “Tropa de Elite”, quase um grande filme, por Marcelo Costa (aqui)
– A precisão cinematográfica de “Cidade de Deus”, por Marcelo Costa (aqui)

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