Cinema: Jogos do Poder, de Mike Nichols

por Roberta Ávila

Existem pelo menos quatro lindos motivos para se assistir “Jogos do Poder”, lançado em 2007: Tom Hanks, Julia Roberts e Philip Seymour Hoffman em excelentes atuações e um roteiro muito interessante e ousado sobre como é feita política no mundo. Nada de políticos exemplares, posturas coerentes ou motivos extremamente válidos.

O roteirista, Aaron Sorkin, o mesmo do seriado “The West Wing”, fez um trabalho incrível ao adaptar o best-seller do jornalista George Crile que leva o mesmo nome do filme em inglês: Charles Wilson´s War. O roteiro desenha a complexa trama que se estendeu por trás da guerra entre a União Soviética e o Afeganistão sem nunca cair no comum, no dramalhão e muito menos no nacionalismo.

Philip Seymour Hoffman faz o agente secreto Gust Avrakotos, que acaba na divisão da guerra do Afeganistão por acaso, mas entende do que faz como ninguém e se torna peça fundamental para que o senador Charles Wilson (Hanks) saiba como atingir seus objetivos. Super à vontade no seu papel, Hoffman brilha do lado de Hanks e de Julia Roberts.

O destaque do trio é seguido de perto por Amy Adams, que recentemente mandou muito bem em “Julie & Julia” e que faz a assistente de Charles Wilson, Bonnie Bach, trazendo leveza e delicadeza para a tela. Num filme de diálogos intensos, saturado por interpretações geniais e personagens politicamente incorretos, Adams entra em cena como uma menina ingênua, que transita por entre os ninhos de cobra balançando seu rabo de cavalo sem temer o lado negro da força e sem desviar do seu caminho. No entanto, ela também tem a sua cota de responsabilidade na trama e oferece um contraponto interessante.

O diretor alemão Mike Nichols, que também tem em seu currículo “Closer – Perto Demais”, “The Birdcage – A gaiola das loucas” e “A Primeira Noite de um Homem”, imprime nesse filme um traço que marcou muito “Closer”: colocar as coisas como elas são, num estilo à la Nelson Rodrigues –  a vida como ela é, e nenhuma desculpinha para enfeitar.

O trabalho de construção de personagens do roteiro e da escolha dos atores para cada papel é um dos principais acertos do filme. É comum ver Tom Hanks no papel do cara legal, que tem razão, que é correto e que ele interpreta sempre muito bem em filmes como “Sintonia do Amor”, “Mensagem para Você” ou mesmo em “Prenda-me se for Capaz”. No entanto, parece que Tom Hanks é um desses atores que estão sempre buscando desafios e quando ele os encontra, aí sim, a coisa fica boa mesmo.

Temos exemplos disso em “Filadélfia” e “Forrest Gump”, ambos valeram a Hanks o Oscar de melhor ator. Mas, com certeza, a sua atuação em “O Náufrago” foi um desafio e tanto também, assim como o delicioso Viktor Navorski, de “O Terminal”. Pois bem, a atuação de Tom Hanks em “Jogos de Poder” une seu tino para a comédia com uma faceta pouco explorada da sua capacidade como ator, que é a de encarnar o playboy, o cara que adora mulheres, está sempre com um copo de whisky na mão e quer sim vida mansa e prazerosa. E Hanks está sensacional no papel.

Com certeza, as cenas em que ele está ao lado de Julia Roberts são as melhores do filme. Assim como Hanks, ela está fora de seu campo de domínio. Depois de ter feito a prostituta-cinderela e várias outras versões da boa garota, agora ela é Joanne Herring, mulher moderna, imensamente rica, cheia de si, de gosto duvidoso e exótico, que não hesita um segundo em usar um senador como homem-objeto e que pensa (e transa) como homem. É uma mulher que consegue o que quer e, nesse caso, ela queria guerra.

Já é bem conhecido o fato de que os Estados Unidos treinaram e forneceram armas para o Afeganistão ganhar a guerra contra a União Soviética. Também não é novidade que foi aí que se criou Osama Bin Laden, culminando no 11 de setembro, guerra ao terror e essa coisa toda, mas o filme não menciona nada disso. Só o episódio da década de 80 é abordado e, junto com ele, as alianças improváveis que se formaram nessa guerra e a hipocrisia que reina na política. É um filme sobre guerra em que a guerra em si aparece na tela durante poucos minutos, mas para quem se pergunta como as guerras acontecem, e como é que tanta coisa absurda ganha validade, eis um filme essencial.

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Roberta Ávila é jornalista e assina o blog Ficções da minha vida

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Leia também:
– “Closer – Perto Demais”, de Mike Nichols, por Marcelo Costa (aqui)

2 thoughts on “Cinema: Jogos do Poder, de Mike Nichols

  1. Isso sem contar a Emily Blunt numa cena só de calcinha e sutiã….cena matadora. rsrsrsrs

    Falando sério, o filme é muito bom. Os diálogos são mortais: “você não é James Bond….e você não é Thomas Jefferson, então estamos quites”. Especialmente o final, onde mostra a falta de visão de longo prazo dos americanos. O Afeganistão poderia ser para os EUA na Ásia o que a Alemanha é para eles na Europa: aquele país com “eterna gratidão” e que, em troca, teriam bases militares americanas e uma cultura um pouco mais ocidental e pró-interesses americanos. Essa falta de visão ainda é algo muito comum na política norte-americana. Acho que Obama tem essa visão, mas isso ainda está para ser demonstrado com mais clareza.

    Legal tambémsão os bastidores do filme, no DVD, os verdadeiros Charlie Wilson e a Joanne Herring. Ele morreu, inclusive, ano passado. Um representante da “pequena política” que faz parte do regime liberal, e que ainda não estamos acostumados.

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