“A Garota Ideal”, de Craig Gillespie

Por Marco Tomazzoni

Feliz, rapaz apresenta a namorada à família, mas todos ficam chocados ao perceber que se trata de uma boneca de borracha. O argumento de “A Garota Ideal” (“Lars and the Real Girl”, EUA, 2007) deixaria legiões de adolescentes urrando nos multiplexes se caísse nas mãos de malandros do gênero, como Adam Herz, o escriba por trás da infame cinessérie “American Pie”, ou, na melhor das hipóteses, do polivalente Seth Rogen (“Superbad”, “Pineapple Express”), só para citar dois nomes dessa década. Mas não se trata nada disso – aqui, a conversa vai para os lados da psicopatologia, razão e sensibilidade.

Não, calma lá, não se trata de uma versão doentia daquele filme com a Emma Thompson. A roteirista Nancy Oliver não apela para academicismos nem amacia o travesseiro para o espectador tirar um soninho gostoso na poltrona, pelo contrário – a história conquista do início ao fim e cria uma empatia muito difícil de se ver nas telas por aí, tanto que o filme disputou o Oscar de roteiro original, uma das categorias mais prestigiadas da premiação (e perdeu para o queridinho “Juno”).

Lars é um sujeito calado, solitário, que trabalha em um desses cubículos indefinidos de escritório e mora na garagem ao lado da casa do irmão e da cunhada, em uma cidadezinha gelada do Norte da América. Com o tempo, o rapaz se torna tão introspectivo que evita qualquer contato social – o quadro, se descobre mais tarde, evolui tanto que um toque alheio dói como se fosse uma queimadura. Ao invés de sair, o curioso personagem criado pelo ator Ryan Gosling – reconhecido com uma indicação ao Globo de Ouro e a uma penca de premiações da crítica nos EUA –, caipira, tímido e cheio de tiques, prefere ficar em casa, enrolado em um cachecol de quando era criança, encarando o vazio sentado na cama ou a neve infindável através da janela.

Os dias de solidão, no entanto, acabam com a entrega de uma enorme caixa de madeira. Nela, uma garota morena, de estatura mediana, cabelos fartos e lábios carnudos, cujo único porém é ser feita de silicone. Radiante e apaixonado, Lars leva a namorada para jantar com o irmão (Paul Schneider) e a cunhada (a ótima Emily Mortimer), que não sabem o que fazer com a enxurrada de informações criadas para a boneca: Bianca é missionária cristã, de origem brasileira (!) e dinamarquesa, não fala inglês e anda de cadeira de rodas. O álibi é bom o suficiente para justificar por que Bianca não caminha e é tão calada, mas não para tirar o ar de culpa e desespero do rosto do casal.

Lunático? Esquizofrênico? Para contornar a situação tragicômica, a médica da família (a sempre excelente Patricia Clarkson) sugere que ninguém contrarie o delírio do rapaz, e lá vai a cidade inteira fazer de conta que Bianca é de verdade, cumprimentando-a na igreja, arranjando trabalhos voluntários no hospital e inclusive elegendo a moça para o conselho escolar.

Iluminada, a trama caminha o tempo inteiro em cima da tênue linha que separa o humor do besteirol, a criatividade do exagero e o sentimento do melodrama, sem nunca descambar para o mau gosto. É difícil decidir entre a emoção e o riso ao ver Lars cantando para seu amor “L-O-V-E”, famosa na voz de Nat King Cole, ou quando entrega a ela uma ramalhete de flores e diz “Viu só? Elas são de plástico, então nunca vão morrer”.

A bela trilha sonora de David Torn e a direção segura de Craig Gillespie, que faz sua estreia em longa-metragem após uma bem-sucedida carreira na publicidade, fecham o pacote, que ainda deve demorar para chegar ao circuito da maioria das capitais do país. No acender das luzes, o sorriso aparece espontaneamente e continua por lá um bom tempo, enquanto ainda se digere essa fábula sobre o amor, tolerância e o senso de comunidade. Pode até parecer ingênuo ou doce demais, mas não é. São doses de lágrimas, açúcar e bom humor na medida certa.

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Marco Tomazzoni é jornalista e escreve sobre cultura e música no iG

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