entrevista por Luiz Mazetto
Mais conhecido como Kid Congo Powers, nome artístico que adotou durante sua passagem pelo The Cramps no início dos anos 1980, Brian Tristan é dono do “currículo mais legal da história do rock”, segundo nada menos do que Mark Lanegan. Além de ter tocado na banda liderada por Lux Interior e Poison Ivy, com quem gravou o clássico “Psychedlic Jungle” (1981), cujo hit “Goo Goo Muck” voltou às paradas recentemente por uma cena marcante da série “Wandinha” (2022), do Netflix, Kid também fez parte de uma das melhores formações do Nick Cave and The Bad Seeds, com quem gravou o essencial “Tender Prey” (1988) e o enigmático “The Good Son” (1990) – esse último feito aqui no Brasil, inclusive.
Como se isso não fosse o bastante, no final dos anos 1970 fundou ao lado de Jeffrey Lee Pierce a cultuada banda de blues punk/cowpunk The Gun Club, que influenciou o próprio Lanegan e nomes como Jack White. Entre idas e vindas, Kid tocou guitarra na maioria dos discos do grupo, incluindo os indispensáveis “Las Vegas Story” (1984) e “Mother Juno” (1987). Desde o final dos anos 1990, também possui uma prolífica carreira solo, que inclui colaborações com outros músicos, projetos como o Wolfmanhattan Project, discos com o seu nome e com a sua banda principal desde 2006, os Pink Monkey Birds, em que também é responsável pelos vocais.
Na entrevista abaixo, feita por telefone no final de 2022, um mais do que simpático Kid fala sobre o processo de criação da sua recém-lançada (e imperdível) autobiografia, “Some New Kind of Kick: A Memoir” (2022, Hachette Books), revela como recebeu dicas de outros músicos que já lançaram livros, como Lydia Lunch e Bobby Gillespie, relembra a importância de Jeffrey Lee Pierce em sua vida e em sua jornada para passar de fã a músico, divide suas memórias sobre as viagens ao Brasil no final dos anos 1980 e conta como discos dos Ramones, Patti Smith, Frank Zappa e Jimi Hendrix mudaram a sua vida.
Quando estava fazendo minha pesquisa para essa entrevista, encontrei entrevistas suas de 2009 em que você já falava sobre estar trabalhando em um livro de memórias. Por isso, queria saber quanto tempo você levou para escrever e quais foram os principais desafios nesse processo?
Foi um processo muito longo desde o momento em que comecei. Eu sentia que devia aprender como escrever um livro. Comecei com uma ideia, uma linha do tempo, acontecimentos importantes. E então pensei “Ah, vai ser muito simples. Vou apenas preencher tudo isso”. Mas então percebi que era uma ideia muito maior do que eu achei que seria. Mas fiz muitas coisas: aulas de biografia, participei de workshops, cursos de escrita, falei com muita gente. Parei muitas vezes, às vezes quando se tornava muito intenso. Ou se ficava frustrado, eu apenas parava e pensava “Agora é melhor gravar um disco e sair em turnê por um ano e voltar depois (risos)”. Então foi muito bom para fazer discos porque me senti desconfortável muitas vezes e essa era a minha maneira de sair disso – parar para fazer um disco e sair em turnê (risos). Isso tornou o processo mais longo. Mas também porque eu queria que fosse bom, que não fosse apenas uma lista das pessoas que eu conheci e coisas que eu fiz. Eu queria entrar mais para dentro da minha mente e dos meus sentimentos e ficar lá. Foi muito sobre aprender a não colocar avisos nas coisas, como “Isso foi naquela época e agora eu sei mais agora”. Sem coisas morais, queria que a história fosse a história, como eu a estava vivendo naquela época. Muitas vezes eu apenas pensava “Eu odeio esse negócio, quem quer ler essa merda? Quero jogar isso no lixo agora (risos)”. Então eu tinha que tirar um tempo, porque eu entendia que eram apenas as coisas na minha cabeça, quando a coisa simples a ser feita era contar a história. Mas eu nunca faço nada simples (risos).
Ao final do livro, há alguns depoimentos e citações de amigos seus e outros músicos que também já publicaram livros, como o Flea (Red Hot Chilli Peppers), o Bobby Gillespie (Primal Scream) e o Mark Lanegan (Screaming Trees). Você diz que chegou a enviar versões do livro para o Flea e o Bobby Gilespie. Você também trocou ideias com eles e outros amigos que também são escritores?
Com certeza. Definitivamente falei com muitas pessoas que escreveram livros. Pessoas como a Lydia Lunch me deram ótimos conselhos. O Ian Svenonious, do The Make-Up, que já escreveu muitos livros, foi muito gentil e me ajudou muito. O Mark Lanegan foi um dos primeiros para quem eu enviei, porque o livro dele era tão pesado (risos). Então eu pensei que se eu enviasse para o Mark, sabia que ele ia me dizer exatamente o que achou (risos). Mas ele gostou bastante do livro, o que foi bom! Falei com muitas pessoas. Eu também tive um editor, Chris Campion, que me ajudou ao longo do caminho, ele é um escritor profissional. Ele me ajudou a ver e a focar… Basicamente, eu enviei para ele o primeiro rascunho do livro e ele falou “Isso está ótimo e você definitivamente não está contando tudo o que precisa contar” (risos). E eu pensei “Puta merda, agora tenho que contar tudo” (risos). Então ele me ajudou muito com isso. Então houve muitas pessoas que me ajudaram. E eu respeitava as pessoas, como o Bobby, o livro dele (“Garoto do Cortiço”, lançado no Brasil pela Terreno Estranho) tinha acabado de sair. Pedi essas citações apenas para pessoas que eu respeito. O Nick Cave, obviamente, é um escritor – ele estava escrevendo um livro quando eu o conheci. Por isso, ele foi muito gentil de ler o meu livro e enviar uma citação.
A linha do tempo do livro termina no final dos anos 1990, em um momento importante, que é quando você fica “limpo” – aliás, parabéns, já que acaba de fazer 25 anos. Por isso, queria saber se você planeja fazer uma segunda parte do livro.
Obrigado. Não sei, estou pensando algumas coisas. Quando terminei tudo, quando a edição tinha sido finalizada, pensei que nunca mais queria escrever um livro na minha vida (risos). Porque foi muita coisa. Mas o bom é que meus amigos que já escreveram livros disseram que o segundo é muito mais fácil, que você não precisa passar por aquela tortura de ficar duvidando de si mesmo. Quando estava escrevendo o livro, não sabia realmente sobre o que seria, eu tinha algumas ideias. A ideia era que quando chegasse no final do que estivesse escrevendo, o livro iria me dizer sobre o que era. Também faço isso com música, eu meio que apenas vou, faço e decido o que é depois – a música me diz o que é. É um pouco dadaísta, na verdade. E foi a mesma coisa com o livro, eu pensava que o livro iria me dizer sobre o que seria. Então apenas tinha de confiar nisso e continuar escrevendo, fazendo o trabalho de forma honesta e da melhor forma que eu podia. E então o livro me daria algum tipo de mensagem, é difícil olhar para a sua vida e colocá-la de forma condensada em uma história. A sua vida é um milhão de histórias, algumas são divertidas, outras são tristes, ou trágicas, ou ridículas, todas essas coisas (risos). Eu apenas ficava “Não tenho a menor ideia do que é a ideia aqui”. E eu não tenho certeza de verdade agora do que (o livro) está me dizendo. Mas está me dizendo coisas por meio das outras pessoas, agora que o livro já foi lançado. Estou falando com pessoas que me dizem o que viram no livro, o que tem sido legal porque tem havido muita identificação com ele. O que isso me diz é que eu escrevi esse livro para as pessoas que normalmente não possuem uma voz no mundo. O meu grupo de pessoas, meus amigos, eles não são nomes conhecidos por todos, eles não são o mainstream. Eles são as minorias, as pessoas queer, os latinos e hispânicos, pessoas autodidatas. E tudo isso alimentando uma grande insegurança sobre si mesmo, porque para mim, ter crescido nos EUA, nos EUA branco, mainstream… eu não era nenhuma dessas coisas que eu falei, é um mundo de machos alfa. Mesmo que você seja um artista e esteja ganhando dinheiro, você está ganhando dinheiro do jeito errado e fazendo as coisas da maneira errada. Mas essa também é a intenção, vindo do punk, de criar a sua própria linguagem, diferente do mainstream. E de criar o seu próprio mundo, que seja diferente do mainstream. É por essas pessoas que eu me atraio, são as pessoas que tem feito parte da minha vida. Eu percebi que só escrevi sobre as pessoas que eu amo (risos). Não escrevi sobre as pessoas que odeio. Não escrevi sobre o que estava acontecendo no mainstream, até porque nunca soube isso durante toda a minha vida, a não ser que visse algo na TV ou algo assim (risos). Mas eu estava no meu próprio mundo com as minhas pessoas, acho que isso é o que torna essa uma história meio que única.
O Mark Lanegan afirma na autobiografia dele, “Sing Backwards and Weep: Memórias” (Terreno Estranho), que você tem o melhor currículo do rock, por já ter tocado no Gun Club, The Cramps e Nick Cave and The Bad Seeds. Quando o Jeffrey Lee te convidou para tocar com ele pela primeira vez, você já pensava na possibilidade de ter a sua própria banda e tocar com pessoas que admirava, como Cramps e Nick Cave, e em ter uma carreira na música? Porque geralmente as pessoas não costumam já “dar certo”, vamos dizer, com a primeira banda, mas você logo de cara já montou o Gun Club com o Jeffrey, uma banda que até hoje é cultuada e reverenciada. Você já pensou que as coisas poderiam acontecer tão rápido?
Nunca, nunca (risos). Nunca pensei nisso mesmo. Eu pensava que poderia ser um jornalista, um assessor de imprensa ou talvez trabalhar em uma gravadora, mas nunca um músico. Por isso, quando o Jeffrey… Na verdade, foram duas coisas. O punk, claro, porque as pessoas estavam pegando em instrumentos e formando bandas. E o Jeffrey realmente me chamando para fazer isso. Antes disso, eu era apenas um fã de música. Um jovem fã louco, que criava fã-clubes para os Ramones ou para os Screamers, uma banda de Los Angeles. Eu achava que essa era a minha função. E também escrever para fanzines, fazer coisas assim. Esse era o meu trabalho, ajudar a relatar e a promover o que acontecia. Mas nunca tinha pensado sobre tocar um instrumento porque nunca tinha feito isso na vida. Talvez fosse um sonho secreto. É, era um sonho secreto ali no fundo da minha mente, mas nunca achei que isso fosse acontecer. Então foi preciso o Jeffrey “me forçar” a entrar numa banda para fazer isso (risos). E ele acreditava que eu podia fazer isso, o que me fez pensar “Bom, imagino que devo tentar porque ele acredita que eu consigo. Ele parece muito confiante de que conseguirá me ensinar a tocar”. Isso permitiu que fosse uma possibilidade para mim. E assim que começamos a tocar, eu vi que talvez não fosse uma possibilidade porque eu era muito ruim (risos). Mas eu aprendia rápido e então pensei “Ah, isso parece muito certo para mim”. E a tarefa de criar algo se tornou um desafio a ser superado. Felizmente eu estava trabalhando com o Jeffrey e os outros integrantes da banda, que eram talentosos. O Jeffrey já tinha uma visão do que iria acontecer em termos musicais. Nós passamos por coisas diferentes com a banda, inicialmente éramos muito influenciados por reggae e soul, coisas como War, essas foram as nossas primeiras ideias. Depois incorporamos o blues e então decidimos que o blues era um meio melhor – e às vezes mais fácil – para nós, então vimos que algo poderia acontecer e tudo se tornou excitante rapidamente depois disso.
Quando eu entrei para o Cramps, o Gun Club ainda não tinha lançado nenhum disco e tocávamos para públicos de 10 pessoas – não era uma banda grande em Los Angeles. Isso aconteceu logo depois que eu fui para o Cramps. Eles já tinham todas as músicas prontas, mas acho que as pessoas não sabiam muito bem o que pensar sobre o Gun Club em Los Angeles, era algo muito art rock para quem curtia rock mais raiz, era muito punk para quem curtia art rock. Apenas não era bom para ninguém (risos). Eram muitas coisas. Mas assim que o disco saiu eles descobriram que isso não era verdade, que havia pessoas que queriam isso, essa nova linguagem musical. Nós éramos influenciados por muitas bandas, o Cramps, obviamente. Eu e o Jeffrey vivemos em Nova York por um tempo e vimos bandas como James Chance and the Contortions, que misturavam James Brown com free jazz com punk, ou mesmo o Cramps, que misturavam rockabilly com música psicodélica. Hoje em dia parece algo fácil de se ver em todos os lugares, mas na época era algo bastante revolucionário e que parecia saído de outro planeta – era tipo “Por que eles estão fazendo isso?” (risos). Então esse foi um bom modelo para a gente misturar blues com punk e ver se você podia misturar country com blues e deixar isso ainda mais estranho com uma atitude punk. Era tudo sobre experimentar e descobrir o que parecia certo. Felizmente nós ficamos juntos, não acabamos com a banda antes de encontrar esse som (risos). E nós não queríamos ser apenas mais uma banda punk.
Em 1989, você veio ao Brasil com o Nick Cave para tocar nos primeiros shows dele no país – e depois voltou para gravar o disco “The Good Son” (1990) em São Paulo. Por isso, gostaria de saber quais são as suas lembranças dessas viagens e momentos no Brasil e se houve algo em especial que chamou a sua atenção na cidade – e outros pontos, porque sei que você também foi para a praia aqui, certo?
Sim, nós fomos para algumas praias e dirigimos por aí. Achei um país lindo, as pessoas eram muito calorosas. Todo mundo que eu conheci era muito acolhedor, o público nos shows também. Tive um sentimento de muita familiaridade. Por eu ser hispânico, a cultura não tinha um sentimento estrangeiro para mim. Estive muito perto da música e de coisas relacionadas à música durante quase todo o tempo. Basicamente eu ia assistir a shows ou fazia shows. E isso me lembrou muito da cultura do México, a maneira como a música é muito celebratória e como as pessoas se relacionam com ela, de uma maneira cultural, como uma expressão de felicidade principalmente. E uma determinada liberdade, mas não como nas culturas ocidentais brancas. Diferente da cultura alemã, assim por dizer (risos). Isso foi o que mais amei, com o qual senti uma familiaridade. E o país era muito bonito. Eu notei que havia crime, com certeza. Vi muitas mulheres perseguindo garotos nas ruas para tentar reaver as bolsas delas, coisas assim. Também vi muitas armas à mostra em público, o que foi um pouco chocante. Mas elas nunca estavam apontadas para mim, então tudo bem (risos). Mas essas são coisas muito pequenas. A maioria das minhas lembranças sobre o Brasil são muito positivas e adoráveis. E as pessoas que eu conheci eram todas realmente incríveis, inteligentes e adoráveis.
E você conhece algum artista brasileiro?
Sim, é claro. Bom, a Gal Costa acabou de falecer, adoro ela. Nós acabamos de tocar em Seattle em um festival com Os Mutantes. Nós não pudemos ver o show deles, porque o festival aconteceu em diferentes casas de show da cidade e nós tocamos no mesmo horário deles. Mas adoro os discos deles. E todas as coisas dos anos 1960 e 1970 que ficam embaixo do “guarda-chuva” da Tropicália. Quando estive aí, eu comprei muitos discos. Também sou amigo e gravei com uma banda brasileira chamada Garotas Suecas. Fiz alguns vocais em uma música deles. Nós nos tornamos amigos e fizemos alguns shows juntos quando eles vieram para os Estados Unidos.
Você viveu a cena punk de Los Angeles intensamente, mas também morou em diferentes lugares e tocou com artistas de vários lugares e viu momentos importantes nesses lugares, como Berlim, Nova York, Londres, e, mais recentemente, em Tucson, no Arizona, certo? Você acredita que as cidades em que você viveu te influenciaram de alguma maneira em termos criativos?
Totalmente. A cidade e o ambiente realmente influenciam o que acontece na música. Quando eu estava em Nova York, por exemplo, eu sabia o que amava na música de Nova York, e isso acabou influenciando o primeiro disco do Pink Monkey Birds. Isso foi muito antes do lineup atual da banda, a gente teve uma versão em Nova York, que era basicamente uma homenagem à música de Nova York que eu amo, como os primeiros discos solo do Lou Reed, as bandas de no wave e pós-punk. Em Berlim, com o Bad Seeds, na época em que moramos lá, se você pensar no David Bowie e no Iggy e nas diferentes pessoas que foram a Berlim para gravar, há uma certa… eu não quero dizer frieza porque não exatamente frieza. Mas é, talvez um pouco de frieza. Um modo alemão, um modo mais prático das coisas, talvez um pouco duro.
E eu também descobri que estando aqui no Arizona, no último disco a minha música se tornou muito mais expansiva e livre, mas realmente muito mais expansiva. A razão pela qual eu queria mudar para o Arizona é porque estava vivendo na costa oeste por um tempo, em Nova York, Washington DC, Connecticut, e pensei “Eu quero ver um céu grande, é só o que eu quero. Quero olhar para cima e não ver nada além do céu”. E eu sabia que o Arizona tinha uma natureza incrível e também um pôr do sol incrível. Não sabia se isso iria influenciar a minha música, se eu ia virar uma banda de desert rock ou stoner (risos). Mas essa é a razão pela qual eu quis mudar para cá, foi mais uma escolha de vida do que uma escolha musical. Mas isso parece ter influenciado a minha música, as pessoas dizem que estão ouvindo o deserto na minha música ultimamente, então deve ter acontecido (risos).
Quando você começou a tocar com o Jeffrey no Gun Club foi também quando você começou a tocar guitarra e fez os seus primeiros shows. E com o Cramps foi basicamente quando você estava se provando para si mesmo, já que era um grande fã da banda, e para todo mundo, uma vez que estava em uma banda maior. Por isso, eu queria saber quais os maiores aprendizados que você teve ao tocar com o Nick Cave?
Com o Nick Cave? Bom, essa foi um tipo de banda muito diferente em relação ao Cramps e ao Gun Club. Havia muitas similaridades, mas o Bad Seeds era muito mais experimental naquela época, nos anos de Berlim. Era um som muito direcionado pelo piano, o Nick escrevia muitas músicas no piano, então não eram músicas baseadas em blues de 12 compassos como o Gun Club e o Cramps sempre fizeram. Também era um som muito direcionado pelo vocal, e em criar uma atmosfera em torno do vocal, era isso que costumava acontecer no Bad Seeds. Além de estar tocando um tipo diferente de música, também foi a minha primeira vez tocando com uma cultura diferente. Eu estava em Berlim tocando com australianos e alemães, não estava nos Estados Unidos tocando um revival de rock raiz (risos). Não era esse o ponto de partida. Mas o Bad Seeds também possui isso. Então foi um aprendizado poder tocar com pessoas que eu não sabia o que estavam buscando. Mas elas tornaram isso fácil, desde todo mundo da banda até amigos, engenheiros e o produtor, Tony Cohen, que produzia muitas coisas deles, ele foi realmente fantástico. Eles fizeram eu me sentir querido e necessário (risos). E apenas fiz o que eu fazia. O Bad Seeds naquela época – e acho que eles continuam fazendo isso hoje –, Nick e Mick Harvey, só queriam que você fizesse adicionasse seu cosmos à música. Eles escolhiam pessoas que tinham o seu próprio cosmos na hora de tocar, e só queriam que a gente fizesse isso, que adicionasse isso à música. Em vez de algo que eles quisessem, por exemplo. O objetivo final era criar uma atmosfera. Então foi realmente incrível aprender a fazer isso.
E o Cramps tinha uma visão muito forte e uniforme do que o Lux (Interior) e a (Poison) Ivy queriam, você sabia como fazer uma música do Cramps (risos). Não era preciso ir para fora de nada para fazer nenhum outro tipo de música. E no Gun Club, por conta da minha relação com o Jeffrey, nós basicamente entendíamos que queríamos fazer coisas diferentes. Porque tivemos uma ideia no começo, era uma visão compartilhada – ainda que o Jeffrey ocupasse o assento do motorista mais vezes como o compositor principal. A minha relação com ele, a minha relação musical com ele era muito entendida e muito livre para ver o que acontecia. Nós tínhamos nossa maneira de trabalhar em que entendíamos quais eram os nossos papeis. Era uma forma mais atmosférica de tocar, mais uma vez, uma forma muito expressionista de tocar. Também foi ótimo nos últimos discos do Gun Club, como o “Mother Juno” (1987), “Pastoral Hide and Seek” (1990) e “Divinity” (1991), em que tínhamos nos tornados músicos melhores. Nós sabíamos fazer aquilo de uma maneira mais profissional, se pudermos chamar assim. Mas também mais confiantes e realizados como artistas, em vez de pessoas tentando encontrar alguma coisa no escuro (risos). “Será que isso funciona? Eu não sei! (risos)”. Ainda tinha um pouco disso, mas nós confiávamos que provavelmente iria funcionar. Trabalhando com o Jeffrey, nós tínhamos uma determinada maneira de trabalhar e nos entender que sempre funcionou.
O Bad Seeds foi a banda mais diferente em que eu toquei, mas ao mesmo tempo era muito familiar, livre e solidária. Era tudo que você poderia desejar que fosse. Eles realmente expandiram o meu jeito de tocar de diferentes maneiras, porque eu tinha de tocar algumas coisas mais diretas, mas também tinha de navegar e tocar como o Blixa Bargeld. Às vezes nós tínhamos ideias parecidas sobre como tocar algo, com uma abordagem mais expressionista, no sentido de não fazer a mesma coisa. Foi uma experiência ótima. A parte musical era incrível, as drogas nem tanto (risos).
Sempre gosto de fazer essa pergunta: me diga três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso. Não precisam ser os três únicos discos que mudaram a sua vida, porque sei que isso é impossível, mas três dos discos que fizeram isso.
Três? Ok, isso é bem simples. O primeiro é o “Horses” (1975), da Patti Smith. Esse disco mudou muito a forma como eu pensava sobre o rock, de uma maneira que adicionou uma liberdade de formatos, algo meio experimental como o Velvet Underground. Mas também porque era um disco que misturava poesia e uma construção atmosférica das músicas em torno da poesia da Patti Smith. E ainda pela atitude que ela tinha, que era ao mesmo tempo meio “Foda-se” e cheio de reverência. Era apenas algo muito refrescante e inspirador. As pessoas diziam que ela não conseguia cantar, mas ela criou algo que era melhor do que cantar. É uma música sublime, mas ao mesmo tempo meio “trash” e muito bem-feita e inteligente. Incrivelmente inteligente e emocionante. Ter todos esses elementos juntos era algo muito beatnik, muito XXX. Esse foi um disco que mudou a minha vida definitivamente. Quando esse disco saiu, em 1975, eu tinha 15 ou 16 anos. Então esse disco mudou as coisas em uma idade impressionável.
O primeiro disco dos Ramones (de 1976) também mudou a minha vida, com certeza, 100%. Eu estava em um período difícil da minha vida, muito triste e fechado e esse disco apenas me abriu para algo incrivelmente excitante, divertido e histérico. E, de novo, era algo revolucionário em sua simplicidade. Era algo tão simples que você não podia acreditar que isso estava acontecendo quando colocava o disco pela primeira vez. Fazia o Stooges parecer uma orquestra ou algo assim (risos). Foi algo como “Uau, eles descobriram algo diferente que é incrível e que não soa como nada que esteja por aí agora ou que eu já escutei antes”. Eles tinham o visual e a atitude também, eles eram engraçados, idiotas, perigosos, todos os tipos de coisas divertidas que um adolescente iria querer. E bonitos! Então esse definitivamente foi um disco que mudou a minha vida.
E um terceiro disco? Bom, vou voltar, vou voltar bastante para as primeiras coisas que eu escutei. Acho que direi o “Freak Out!” (1966), do Frank Zappa and The Mothers of Invention. Porque essa foi a primeira vez que escutei algo tão sarcástico, um tipo de atitude meio rabugenta na música (risos), que era algo muito estranho. Esse disco me fez descobrir o Captain Beefheart e coisas diferentes. Então foi um disco que mudou as coisas quando era mais novo, devia ter uns 12, 13 anos quando ouvi esse álbum, o que foi incrível.
Eu tenho mais um. Posso colocar mais um na lista? Quando eu tinha 9 anos de idade, o meu primo tinha o “Axis: Bold as Love” (1967), do Jimi Hendrix Experience. Adorava esse disco quando tinha 9 anos de idade, já sabia todas as letras e realmente gostava da abertura, que era tipo um spoken word, uma jornalista falando com um alienígena de outro planeta e o alienígena diz que eles precisam ir embora e então o Jimi Hendrix faz um monte de microfonia com a guitarra, que parece uma nave indo embora. É um feedback louco cheio de camadas e lembro de ser uma criança pequena e pensar “Eu consigo ver a nave decolando, consigo imaginar tudo isso e isso está acontecendo por uma guitarra”. E isso é algo que ainda amo hoje em dia, posso escutar de novo e me sentir da mesma maneira. E diria que isso foi uma influência direta no meu jeito de tocar guitarra. Todos esses discos mudaram as coisas para mim.
Você queria ser um jornalista quando era mais novo, certo? Como é para você, ser um autor publicado agora? É algo que você sempre quis, era um sonho?
Sabe do que? Eu nunca pensei nisso. Eu pensava em ser um jornalista musical, em escrever para revistas. Nunca pensei em publicar uma biografia. E ainda é algo um pouco irreal para mim que isso tenha acontecido, que o livro esteja pelo mundo e que as pessoas estejam falando comigo sobre ele (risos). Ainda é um pouco irreal. Mas é uma grande realização para mim, me sinto ótimo sobre o livro. E toda vez que faço um evento sobre o livro ou converso com pessoas como você, me sinto ainda melhor sobre ter feito a coisa certa em escrevê-lo. O fato de as pessoas estarem se conectando com o livro é o mais importante. Porque penso que a música é uma comunicação. E isso é o que sempre quis que acontecesse entre o público e o artista. Ou apenas entre as pessoas, em termos de criar novas linguagens. Seja com o Cramps, o Nick Cave, o Gun Club, e com todas as bandas que eu gosto, são bandas que criam os seus próprios mundos. E elas criam os seus próprios idiomas e as pessoas entendem essas línguas – isso já é algo incrível, em primeiro lugar. E então elas (as pessoas) podem aprender a falar o idioma, que foi o que aconteceu comigo. Eu apenas amava tanto as bandas, sabia tudo sobre elas, aos 9 anos eu sabia todas as letras do Jimi Hendrix. Mas eu não percebi que estava aprendendo a ser um músico durante todo aquele tempo, foi algo que apenas aconteceu. Mas é uma língua, que você pode aprender e que, quem sabe, as pessoas podem falar umas com as outras. Esse livro é apenas outra comunicação com as pessoas, apenas para elas poderem saber o que aconteceu e como aconteceu (risos). E que pode acontecer com elas também. Eu sou autodidata, sempre me senti um outsider, sou um homem gay, latino, um artista, um autodidata. E como eu disse, essas são pessoas que normalmente não tem uma voz. Por isso, é um privilégio poder ter as pessoas lendo e se identificando com o livro. E realmente espero que as pessoas leiam e que pessoas que nunca viveram uma vida remotamente parecida com essa possam aprender algo sobre uma vida como a minha.
Essa é a última pergunta. Você escreveu e tocou em alguns dos discos melhor e mais amados discos das últimas décadas, já tocou pelo mundo e agora acaba de lançar sua biografia. Do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Hmm, essa é uma escolha difícil. Bom, posso dizer que tenho orgulho de todas essas coisas. Tenho orgulho de tudo o que fiz – e sou agradecido por tudo o que pude fazer. Acho que provavelmente o Gun Club é do que tenho mais orgulho, porque é algo que começou comigo e com o Jeffrey. Posso dizer que toquei no primeiro e no último show do Gun Club. Mas acho que a minha relação com o Jeffrey é provavelmente do que mais me orgulho, pelo fato de poder ter tido uma relação com aquela pessoa, com ele. Como eu falo no livro, nós criamos mágica meio que a partir do nada. Por isso, essa é uma grande realização para mim. Tenho muito orgulho – e isso é algo que acabo de perceber – de ter trabalhado com as pessoas com quem pude trabalhar, e com o público e o público que elas tinham. Quando você sai de uma banda é como sair de um relacionamento. Sempre há um ou outro sentimento ruim aqui e ali, as coisas nem sempre acontecem da melhor maneira. Mas agora eu tenho apenas sentimentos bons sobre isso. E tenho muito orgulho disso. E do fato de que pude estar na presença de pessoas, como o Jeffrey Lee Pierce, ou como o Lux Interior e o Nick Knox, do The Cramps, pessoas que não estão mais vivas. Isso é algo para ter orgulho, o fato de que eu fui escolhido por elas para colaborar e fazer música, fazer mágica. Então essas são coisas das quais tenho orgulho.
– Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud! A foto que abre o texto é de Luz Gallardo.
Esta entrevista foi demais. Foi através dela que conheci o ótimo som deste artista. Hoje ele irá se apresentar aqui em Zurique. Agradeço a todos os envolvidos pela entrevista & parabenizo vocês pelo excelente material.
Vocês são foda.
Abração
Poxa, Pedro, que demais isso, mesmo! Aproveite o show!