Cinema: “Please Baby Please”, de Amanda Kramer, é plasticamente belo, mas peca por falar sobre desejo sem nenhum tesão

texto de Renan Guerra

Terceiro longa-metragem da jovem cineasta norte-americana Amanda Kramer, “Please Baby Please” (2022) começa com o casal Susan (Andrea Riseborough) e Arthur (Harry Melling) em seu primeiro encontro com a gangue Young Gents, um grupo de arruaceiros no melhor estilo Greasers, bem anos 50. Em uma cena extremamente estilizada, como num filme musical antigo, essa gangue assassina a sangue frio uma pessoa e deixa o casal em choque. A cena e o encontro com os Greasers acaba por ter um impacto importante na vida dos dois, que não só são abalados pela violência, mas passam a tensionar suas próprias sexualidades e seus papéis de gênero, com questões como: o que nos causa desejo? Quais são os papéis delimitados a mulher e ao homem em um casal? O que esse encontro nos provocou?

Essa linha narrativa é amarrada por uma estética que salta aos olhos: cores fortes e saturadas iluminam os artistas e os cenários, estes por sua vez são extremamente fakes, com aquele ar de sitcom anos 60, as atuações têm alguma empostação kitsch e em determinados momentos o filme flerta com o cinema musical. Para essa construção estilística vem à mente uma série de referências diretas e indiretas, e mais claramente podem ser citados coisas como “Uma Rua Chamada Pecado” (Elia Kazan, 1951); Kenneth Anger, especialmente “Scorpio Rising” (1963); “Querelle” (Rainer Werner Fassbinder, 1982); e tudo de John Waters, especialmente aquela fase na virada dos anos 80 para os 90 – “Haispray”, “Cry-Baby” e “Mamãe É de Morte”, de 1988, 1990 e 1994, respectivamente. Indiretamente dá pra pensar em coisas como os cinemas iniciais de Pedro Almodóvar e François Ozon, a estética das ilustrações de Tom of Finland e todo o cinema juvenil dos anos 1950 pós-“Juventude Transviada” (1955). Bastante coisa, né?

Distribuído no Brasil através da plataforma MUBI, “Please Baby Please” é como uma colagem de muitas coisas, com certa sensação de déjà vu. Amanda Kramer sabe mostrar que fez bem a lição de casa do cinema underground norte-americano, viu os clássicos e se apaixonou pelos cults, porém o roteiro de seu filme parece não dar conta de amarrar todo esse universo cheio de exageros estilísticos. A história de Suze e Arthur se arrasta pelo filme sem grandes embates, sem grandes tensões e as questões ficam sempre num limiar de insegurança. Ponto positivo é que as discussões propostas são extremamente interessantes, é maravilhoso quando o roteiro cutuca nas construções preestabelecidas de gênero e consegue navegar saborosamente pela fluidez da sexualidade e do desejo humano. O ponto negativo é que para um filme que fala tanto sobre desejo e sexo falta o essencial: tesão!

Não há sexo no filme de Kramer e aqui não estamos falando de simulações gráficas, nada disso, estamos falando daquela tensão sexual provocada pela boa construção das cenas, pelo desejo subentendido, aquele tesão que se esconde nas entrelinhas. Como exemplo podemos citar aquele frio na barriga que nos dá cada encontro de Maggie Cheung e Tony Leung em “Amor à Flor da Pele” (2001), de Wong Kar-Wai, mas Andrea Riseborough e Harry Melling não transmitem isso nem entre eles, nem em contato com outros personagens, o que é uma pena. Mas precisamos ser justos e, apesar de certa frigidez, Riseborough e Melling estão excelentes em seus papéis e, no final das contas, o que sustenta o filme é o seu elenco.

Seria muito fácil se perder dentro de todo o esteticismo de “Please Baby Please”, mas Andrea Riseborough é surpreendente. A atriz foi recentemente indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme “To Leslie” e se viu inserida em uma polêmica por causa de sua campanha; para resumir, o Oscar é muito mais lobby do que qualidade técnica e os atores e produtores precisam dar seus pulos para que o seu filme seja visto e, teoricamente, Riseborough teria dado pulos demais. Nada foi confirmado e ela seguiu indicada. O fato é que ela é uma atriz que se envolve de forma intensa nos seus projetos, tanto que é uma das produtoras de “Please Baby Please” e abraçou o filme de forma bastante genuína. Já Harry Melling é conhecido de muitos por interpretar Dudley Dursley na série de filmes de “Harry Potter” e, obviamente, a sua presença foi recheada de manchetes do tipo “ator de ‘Harry Potter’ estrela filme queer sobre romance fetichista”, o nosso clickbait de sempre; apesar disso, ele se sai muito bem em seu papel de marido em crise com sua masculinidade.

Para além de tudo isso, a maior surpresa do filme é a pequena participação de Demi Moore, em atuação extremamente camp e sedutora. A atriz aparece com um figurino maravilhoso – que poderia muito bem ter saído de algum longa do Ivan Cardoso no final dos anos 80 – e entrega uma sequência deliciosa, provando que é uma atriz que merecia mais espaço em filmes fora da curva.

No final das contas, a grande questão é que “Please Baby Please” tem um ótimo elenco e é plasticamente interessante, mas tem uma história que roda atrás do próprio rabo e que não cativa o espectador. Talvez o filme careça de mais identidade própria, é belo, é curioso e estranho, mas parece sempre nos lembrar disso e daquilo, falta algum frescor, o que é uma pena. Amanda Kramer é uma diretora que parece cheia de ideias vibrantes, mas a expectativa é que das próximas vezes ela consiga amarrar isso de maneira mais sedutora.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

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