Entrevista: Sidney Magal fala sobre o revisitar de sua trajetória com o ótimo documentário “Me Chama Que Eu Vou”

 entrevista por João Paulo Barreto

Há um corte preciso na montagem de “Me Chama Que Eu Vou” (2023), filme dirigido por Joana Mariani, que define, logo em seus minutos iniciais, a ideia de contraste e de equilíbrio entre dois indivíduos diferentes. Ambos sempre existiram na mesma presença física. Mas o dono dessa presença faz questão de salientar que eles não são a mesma pessoa.

Nessa junção, trazida pela montagem de Eduardo Gripa, entre os dois momentos distintos da vida do cantor Sidney Magal, após uma frenética seleção de imagens de uma carreira fervilhante durante os anos 1970, o vemos, ainda jovem, ser arguido em uma entrevista sobre seu futuro. Na resposta, Magal brinca que a cigana ainda não lhe disse qual é o seu futuro, em uma alusão à letra de um dos maiores sucessos de sua longeva trajetória artística, a música “Sandra Rosa Madalena”.

Exatamente aqui, o sorriso do jovem galã Magal é substituído pela serenidade de um senhor que já alcançou os 70 anos de idade, alguém chamado Sidney de Magalhães, e que, desde meados dos anos 1990, escolheu Salvador como cidade para viver sua fase de mais calmaria.

“Para mim, é importante que as pessoas saibam que por trás desse artista que está conseguindo ficar já quase sessenta anos em cartaz, existe um homem equilibrado. Alguém que, exatamente, equilibrou a vida pessoal com a vida artística de uma forma muito espontânea e muito prazerosa”, explica Sidney Magal nesse papo por telefone com o Scream & Yell. “Eu sou uma pessoa que sempre fui muito família. Sou casado com uma baiana, a Magali, já há 43 anos. O fato de eu ter me mudado do Rio de Janeiro para morar em Salvador foi para ter uma vida mais simples, uma vida mais natural, mais prazerosa. Tudo sempre muito em função da minha família. E isso sabendo que eu posso correr o Brasil inteiro como o Magal, que é o que as pessoas querem e esperam de mim”, complementa.

Na trajetória de Sidney Magal trazida pelo documentário “Me Chama Que Eu Vou”, em cartaz nos cinemas, o espectador passa por um fenômeno midiático que contestou uma falsa ideia do que seria “bom gosto”. Inicialmente rejeitado por uma parcela da mídia, o cantor, que começou sua carreira na noite carioca cantando em churrascarias, e que, após um período excursionando pela Europa com o sobrenome Rossi, voltou batizado como Magal, se tornou, a partir de 1976, uma febre entre fãs. Em sua maioria, como notoriamente é sabido, mulheres.

Conseguindo reunir os atributos de uma beleza latina e uma voz grave e inconfundível, Sidney Magal se tornou um ícone da cultura popular, sendo abraçado principalmente pela parcela mais simples da sociedade, mas vendo sua fama alcançar, também, uma pretensa e arrogante “elite” que, inicialmente, o desprezou.

“Na década de 1970, havia uma discriminação social muito grande. Todo artista que era consumido pelas pessoas mais humildes, pelo gari na rua, pela empregada doméstica, pelo aluno de escola pública, pela dona de casa do interior, geralmente, era discriminado pela classe social de outras pessoas. Então, elas tinham que perceber que, para a música, não existe isso. Quer dizer, quem gosta do Michael Jackson, por exemplo, pode ser do mendigo que mora na rua até o rei da Inglaterra. Música é música. Ela te atinge ou não te atinge. Ela te faz bem ou não te faz bem. E essa mudança foi acontecendo devagarzinho”, relembra Magal.

Ao falar do período em que ainda galgava os degraus da fama, o artista relembra dos percalços em uma fase na qual até o jornalismo cultural e suas emissoras de TV e rádio jogavam contra. “Nos anos 1970, eu sofri bastante com isso. Preconceito de imprensa, preconceito de rádios FM, que não tocavam os artistas mais populares. Isso aí prejudicava o trabalho da gente. Não deixava a gente caminhar à vontade. Quando isso foi caindo por terra, o Brasil foi percebendo a sua popularidade, a sua forma simples de ser”, salienta.

Chamado de cigano de araque e de fabricado até o pescoço em uma letra de Paulo Coelho e cantada por Rita Lee, as reinvenções de Magal provaram que esse pejorativo rótulo de “fabricado” poderia até ser válido se seu talento e marcas não ficassem tão evidentes desde o começo, como quando Magal exibe fotos artísticas suas tiradas em 1971, anos antes do estrelato.

Neste ponto, ele comenta que houve, sim, uma preparação por parte de Roberto Livi, produtor que percebeu o potencial de sua presença física, vocal e carisma em 1976, quando valorizou os aspectos latinos e sedutores de sua persona artística e fez sua carreira explodir. No entanto, Magal frisa que era algo que já lhe pertencia, o que fica bem claro diante de apresentações tão magnéticas trazidas pelo material de arquivo.

No aspecto de revisita da carreira de Magal, “Me Chama Que Eu Vou” é um filme que leva o espectador a perceber não somente a riqueza daquela trajetória, mas com ele soube se reinventar. Essas reinvenções aconteceram de modo esplêndido no decorrer das quase seis décadas e testemunharam, com o passar dos seus anos, uma mudança de costumes no Brasil. E, ainda mais importante de ser salientado, uma atenta mudança do olhar para o que de potente e louvável havia naquilo que era esnobado por pretensiosos “intelectualóides”. Em umas das imagens de arquivo, vemos Magal e Tom Zé conversarem sobre essa questão do que poderia ser rotulado de brega, de cafona ou de cult, e como esses rótulos, hoje, parecem se mesclar, além de terem seus pesos desprezados.

Como filme que documenta toda uma vida de separação evidente entre o personagem artista e a pessoa real criadora daquela arte que cativou milhões, número comprovado pela venda de discos e shows lotados, “Me Chama Que Eu Vou” se firma como obra que não busca polemizar causos ou intrigas, mas, sim, desmitificar o homem Sidney de Magalhães. Nessa missão, com as opções de ilustrações de matérias jornalísticas dando-lhe ritmo e suavizando o modo talking heads comum a docs, é o carisma de seu personagem principal a guiar as histórias daquelas décadas que torna tão divertidos os pouco mais de 80 minutos da produção.

E quando Magalhães não consegue conter as lágrimas ao lembrar de quando Magal recebeu um revival de carreira com uma música abrindo uma novela global, ali está aquele momento em que o filme mostra que, apesar de dois distintos indivíduos, o carisma e honestidade de ambos são únicos.

Nesse papo com o Scream & Yell, Sidney de Magalhães aborda sua trajetória de quase sessenta anos como Sidney Magal e em como soube se equilibrar na família e na separação clara entre as duas pessoas. Confira!

Magal, logo nos primeiros minutos de filme, temos aquele ótimo corte na montagem no qual vemos você falando, ainda nos anos 1970, sobre o futuro ainda incerto, não revelado pela cigana. Um corte brusco para o Magal já após os 70 anos de idade revela que esse futuro chegou e traz alguém mais sereno e família. Esse equilíbrio entre artista e homem comum, família, que o filme denota foi sempre algo que você almejou?
Ah, sim. Tem esse corte, mesmo. Inclusive, o filme ganhou o Kikito de ouro em montagem, que, sem dúvida, foi muito preciosa. Porque a Joana (Mariani, diretora) teve muito cuidado em, também, fazer com que aparecesse para todo mundo o que eu queria mostrar. Eu queria mostrar o Magalhães que todo mundo conhece de eu dar entrevista, de eu falar, mas não estava vendo junto com minhas palavras. Algo direto meu. Falando de mim mesmo e tal. Sem a intervenção de pessoas falando, como, normalmente, tem em documentários. Pessoas falando algo assim: “Ah, Sidney Magal foi maravilhoso nos anos 1970” E aí, lembro que disse: “Não, Joana, eu preciso mostrar. Para mim, é importante que as pessoas saibam que por trás desse artista que está conseguindo ficar já quase sessenta anos em cartaz, existe um homem equilibrado. Alguém que, exatamente, equilibrou a vida pessoal com a vida artística de uma forma muito espontânea e muito prazerosa. Eu sou uma pessoa que sempre foi muito família. Sou casado com uma baiana, uma conterrânea sua, a Magali, já há 43 anos. O fato de eu ter me mudado do Rio de Janeiro para morar em Salvador, foi para ter uma vida mais simples, uma vida mais natural, mais prazerosa. Tudo é sempre muito em função da minha família. E isso sabendo que eu posso correr o Brasil inteiro como o Magal, que é o que as pessoas querem e esperam de mim. Então, quanto mais distante eu tiver o Magalhães do Magal, mais eu me sinto à vontade. E eu acho que era isso que a gente queria passar.

Essa separação fica bem evidenciada até mesmo no design do título do filme, com aquele neon dividindo o Magal do Magalhães.
Sim. A Joana teve essa brilhante ideia de, no título, colocar: ” Sidney Magal – lhães”, colocando o Lhães naquele neon que apaga. Intimamente, é como se fosse exatamente para as pessoas perceberem que o Magal é um personagem que foi criado pelo Magalhães há muitos anos, ainda com 17 anos de idade, quando ele começou a se formar com a minha viagem para a Europa, o tempo que eu passei fora, e com as boates e as churrascarias onde eu cantei quando voltei. Tudo isso foi me dando muita experiência de palco até eu encontrar uma pessoa que descobrisse qual era o repertório certo para mim. Essa pessoa foi o Robert Livi, meu empresário durante cinco anos, e que é o autor de “Sandra Rosa Madalena”. E aí foi assim: um casamento de coisas, de pessoas, que visualizaram exatamente o que acontece comigo. Para você ter uma ideia, eu sou uma pessoa que se você chegar na minha casa e perguntar pelos troféus que ganhei ao longo da carreira, eles estão todos trancados dentro de um armário. Não estão expostos. E aí você pergunta: “Mas por que isso? Por que você está negando?” Não estou negando. É que eu quero me sentir completamente à vontade para ser um ser humano normal e comum. Então, eu não quero nada na minha casa que sugira o tempo todo que eu sou o Magal. Tanto é que nenhum amigo meu, nenhum parente, me chama de Magal. É Sidney, é apelido, é Maga. E aí eu acho que essa coisa que você observou antes, tem a ver com a montagem, mesmo. Tem a ver com os lances que Joana foi pegando. Coisas minhas que são muito sinceras. Eu quando falo de mim, gosto mais até do Magalhães do que do Magal.

Quase uma dupla personalidade. Houve sempre essa separação, então?
Sempre. Porque, além de tudo eu sou geminiano. As pessoas falam, mesmo, que já existe o que eles chamam de dupla personalidade. Mas, na verdade, não é uma dupla personalidade. É uma adaptação muito fácil às duas caras que eu apresentei para o público. Só que elas estão próximas no sentimento, no íntimo, nos pensamentos. Elas estão muito próximas. Agora, quando muda para o visual, para os trejeitos em cima do palco, aí… (risos) Aí é bem diferente o Magal do Magalhães.

Você passou por diversas fases do comportamento da mídia, do brasileiro em si. Hoje, estamos menos caretas, mesmo? Estamos enfrentando, de fato, menos preconceitos?
Hoje é muito mais prazeroso. Na década de 1970, havia uma discriminação social muito grande. Todo artista que era consumido pelas pessoas mais humildes, pelo gari na rua, pela empregada doméstica, pelo aluno de escola pública, pela dona de casa do interior, geralmente, era discriminado pela classe social de outras pessoas. Então, elas tinham que perceber que, para a música, não existe isso. Quer dizer, quem gosta do Michael Jackson pode ser do mendigo que mora na rua até o rei da Inglaterra. Música é música. Ela te atinge ou não te atinge. Ela te faz bem ou não te faz bem. E essa mudança foi acontecendo devagarzinho. Nos anos 1970, eu sofri bastante com isso. Preconceito de imprensa, preconceito de rádios FM que não tocavam os artistas mais populares. Então, isso aí prejudicava o trabalho. Não deixava a gente caminhar à vontade. Quando isso foi caindo por terra, o Brasil foi percebendo a sua popularidade, a sua forma simples de ser.

E isso abrangia diversos aspectos, desde vestimenta até comportamento, mesmo.
Sim. Vestir roupas coloridas é uma coisa que eu adoro. E roupas cheias de rosas e cheias de flores foi algo considerado, por muito tempo, como uma coisa cafona. Mas até Jorge Amado só se vestia assim. Ele se considerava um homem tropical. Então, fazer espontaneamente as coisas, não tem nada de cafona. Você está sendo espontâneo, você está criando. E o artista muito mais. Se o Elton John, e vários outros artistas, o próprio Michael Jackson, por exemplo, fossem pensar que não podiam fazer loucuras em cima do palco, eles não seriam as figuras que são. Então, me permiti fazer loucuras dentro do padrão da época, e resolvi, também, enfrentar da maneira que desse. Era brega, era cafona, era uma bichinha, qualquer coisa, o Magal era. Hoje, mesmo, eu passei pela Paulista, na frente de uma faculdade, e lembrei de uma matéria que o Fantástico fez nos anos 1970. Foi algo muito engraçado, porque você vê isso muito nitidamente. Os alunos da faculdade dizem: “Ah, Sidney Magal? Não fala esse nome perto de mim, não, que me dá alergia, cara. Coisa horrorosa. Coisa ridícula”. Aí, quando passava uma pessoa normal, um popular, uma pessoa que estava pegando seu ônibus na avenida, era: “Ah, Sidney Magal, aquele ídolo maravilhoso que a gente tem.” Então, você notava claramente esse tipo de preconceito que, graças a Deus, com a própria música sertaneja, com o pagode, com o funk, com o rap, foi igualando tudo. O importante é a qualidade do que você faz e o quanto você atinge o público. Mas eu encarei naturalmente. Foi nos anos 70, nos anos 80, nos anos 90, quando a lambada veio de novo e se popularizou muito no país. E aí eu fui continuando a trabalhar. Fiz novelas, fiz peças de teatro, e aí, com tudo isso que fui fazendo, fui demonstrando que eu era, acima de qualquer coisa, um artista. Que podiam rotular da maneira que quisessem, mas que eu seguiria em frente o meu caminho. E deu certo. Deu certo porque eu acho que a minha imagem é muito respeitada, muito mais até que o próprio repertório.

Durante os anos 1970, em plena ditadura militar, você tinha noção dessa postura transgressora?
Não. A gente só consegue ver isso muitos anos depois. E não tinha porque, também, eu comecei a cantar… Quer dizer, antes de fazer o primeiro sucesso, que veio só aos 26 anos, mas antes disso, eu cantava aos 16,17, 18 anos de idade e aquilo tudo era uma diversão para mim. Era uma profissão que estava me fazendo procurar caminhos. Então, você não presta muita atenção. Eu sei que me lembro de ter sido cobrado nessa questão do se posicionar politicamente. Tudo isso mudou muito. Eu me lembro muito de terem cobrado como é que a minha música não falava dos problemas sociais do povo brasileiro. Por que a minha música não falava dos problemas econômicos, dos problemas políticos, problemas mundiais? E eu respondi isso, tem isso publicado em um jornal de São Paulo, se não me engano na Folha, na primeira página de um caderno de cultura: “Eu me satisfaço em ser o sábado e o domingo do povo brasileiro.” Porque eu estava querendo exatamente me referir ao lazer, à diversão que você tinha que dar para o povo. E que os problemas do povo ficassem para os compositores da música popular brasileira que alertassem o povo dessas coisas todas. Mas eu queria tão somente me contentar com a diversão do povo nos sábados e domingos.

Ainda assim, sua presença ao lado de pessoas notoriamente transgressoras, como Rogéria, com quem você atuou na peça “Roque Santeiro”, por exemplo, além de se manter como um ídolo popular, já trazia esse aspecto transgressor, de alguém que questiona a sociedade.
Isso é impressionante porque, hoje em dia, tenho até um pouco de… (pausa) não vejo com muitos bons olhos tudo o que se faz e tudo o que se reivindica hoje pelo seguinte: tudo, para mim, leva ao radicalismo. Fico muito preocupado. Por exemplo: eu aos 17 anos já cantava nos cabarés de Copacabana, no Rio de Janeiro, e muitos dos meus colegas da noite eram travestis e prostitutas, artistas da noite. E assim como eu, o Emilio Santiago, a Alcione, foram cantores da noite que cantavam com essas pessoas. Então, para nós, sempre foi muito fácil não ter preconceito. Sempre foi muito fácil se relacionar e respeitar as pessoas. A Rogéria, para mim, sempre foi uma artista de primeiríssima linha, com uma cabeça extraordinária. Como a Nanny People, por exemplo, que eu considero uma das pessoas mais inteligentes do meio. Então, nós nunca colocamos o preconceito na frente em nada. E foi assim que eu levei a minha vida toda. Por isso é que, às vezes, eu estranho quando se faz necessário um radicalismo maior para a alertar às pessoas de que isso não é legal. Eu acho que já houve uma época em que a gente sabia que não era legal. E que os excessos é que sempre prejudicam tudo. Tanto de um lado quanto do outro. O equilíbrio é a melhor coisa para qualquer pessoa. Levo isso para a minha carreira. O equilíbrio entre o Magalhães e o Magal me ajudou muito a sobreviver. Acho que para tudo tem quer ter equilíbrio e a gente não pode se posicionar de forma agressiva com relação a tudo, porque cada ser humano tem uma identidade, tem uma impressão digital única. Temos que entender isso.

Durante os anos 1980, você passou por um hiato na sua carreira que viria a ser alavancada novamente com a febre da lambada em 1990 e a abertura da novela global “Rainha da Sucata”. Após aquela febre nos anos 1970, você encarou como esse período oitentista?
Eu sou uma pessoa realmente muito otimista. Você não me conhece muito intimamente, mas eu sou muito otimista. Eu sou uma pessoa que sabia que com a estrutura familiar que tenho, sempre tive, que eu enfrentaria todas as coisas com bom humor. Então, quando pintava um disco que saía e que ninguém dava confiança, quando o número de shows caía, quando tudo isso, de alguma forma, se transformava, eu sempre jogava isso para minha vida pessoal e dizia: “Caramba! Nada mudou! Eu continuo casado com a mulher que amo, tenho filhos maravilhosos. Eu moro em um lugar que eu adoro de paixão.” (N.E. Magal se mudou para Salvador-BA nos anos 1990). Então, eu fiz tudo da minha vida pessoal que me satisfez. Eu nunca fiquei morando em São Paulo um ano sequer para poder dar força para minha carreira. Eu sabia que São Paulo e Rio de Janeiro eram os dois lugares que davam, realmente, muita força para as carreiras. Tanto é que os artistas do Nordeste, antes, saíam direto para fazer suas divulgações no Rio e em São Paulo, principalmente. Eu, apesar disso tudo, dizia: “Não, mas o meu lado pessoal tem que estar bem. Eu preciso estar muito feliz. Preciso estar legal.” E fui deixando rolar. Você não vai acreditar, mas eu nunca fui, nesse tempo, nesse hiato, eu nunca fui procurar uma gravadora para dizer: “Olha, eu tenho aqui uma ideia de gravar tal coisa…” Nunca, nunca, nunca! Eu sempre deixava rolar porque eu via que o meu nome estava correndo em paralelo, as pessoas continuavam sabendo quem eu era. E se elas não tinham boas ideias com relação a mim, é porque não tinham que ser minhas, mesmo.

Como foi essa ida em direção à lambada?
Foi um convite do(s produtores musicais) Max Pierre e Alberto Triger, que disseram: “Bicho, a lambada é a tua cara.” Tanto é que a primeira propaganda foi: “Magal, a cara da lambada.” E aí, por que é a minha cara? Porque é um gênero latino, porque é dançante, porque tem a ver com os amantes latinos, as muitas músicas que gravei e tal. Eu comprei a ideia. Gravamos um disco independente, só para você ter uma ideia da história, e com esse disco independente eles foram correr atrás. Aí levaram na Globo, com uma reunião de diretores na qual estava o Boni, o Mariozinho Rocha, todo mundo, e mostraram a música em uma seleção que eles iam fazer entre Sara Jane, Luiz Caldas, Beto Barbosa. Todo mundo tinha uma música para ser lançada. E aí quando eles ouviram: “Me Chama Que Eu Vou”, disseram: “Caralho, essa música tem um apelo muito forte. Essa música tem que ser a abertura da novela.” Quando o Max me falou isso por telefone, e é a história que eu conto no documentário, foi sensacional. Por isso é que eu me emociono sempre. Porque eu pensei: “Caramba! Eu estou vivo. Não sou apenas eu quem tem essa impressão. O meu público ainda continua curtindo o que eu faço.” E aí, dali, foi uma virada de chave, mesmo. Porque aconteceram várias coisas incríveis. A revista Trip, aqui de São Paulo, fez uma matéria me chamando de “O Rei do Pop Brasileiro.” Quatro páginas e capa da revista. Imagina? E eu digo “Imagina?” porque, antes, era um público que tinha uma distância para a minha carreira. E aí o Jô Soares me chamou, perguntou como foi aquela reviravolta. Mas foi algo tão espontâneo que eu não tinha como explicar, a não ser isso que eu estou te explicando agora. Foi rolando e eu vi que não tinha acabado. Que as coisas continuavam do meu lado e aproveitei e pronto. E aí, graças ao meu bom Deus, estou hoje aqui batendo um papo contigo sobre uma carreira que é longeva, sem dúvida.

Nessa entrevista dada à Trip no começo dos anos 2000, você fala sobre continuar elétrico mesmo quando chegar aos 70 anos. Essa fase chegou. E aí?
Olha, a única coisa que eu posso te dizer é que eu faço uma média de seis, sete shows por mês. E que, ainda hoje, a plateia vibra e delira. Por exemplo, ano passado eu fiz um show do Espanta, do Casa Bloco, um pré carnaval muito famoso no Rio de Janeiro. Acabou sendo recorde de bilheteria. O clube Monte Líbano estava entupido. Casa cheia, não sei quantas mil pessoas. E, realmente, eles ficaram tão felizes que já me contrataram de novo para o pré carnaval em fevereiro desse ano. E aí, eu digo: “Caramba! É a energia”. É a única resposta que eu tenho. O repertório ajuda, mas a minha energia eu não deixei as pessoas acharem que tinha envelhecido, enfraquecido, enfim, que eu estaria murchando, vamos dizer assim, na minha carreira. E enquanto o público continuar vibrando com os meus trabalhos, eu te garanto que continuarei. Acabamos de fazer no navio Energia na Véia, que também é feito aqui por São Paulo, e já é o terceiro ano que eu faço. É uma rádio FM famosa de São Paulo, a Rádio Energia. Eu me orgulho disso. Porque não sou roqueiro, mas estavam lá junto comigo Frejat, Biquini Cavadão, Ira!, Jota Quest, Roupa Nova e Sidney Magal. E o show foi uma maravilha, no navio. E navio, você sabe, não tem para onde correr. Só se você se jogar no mar para se afogar (risos). Mas, de qualquer maneira, foi um show vibrante no meio de caras que… (pausa) não que sejam mais jovens do que eu, mas que têm um trabalho muito mais jovem, muito mais moderno do que o meu. E aí eu estava lá e foi um sucesso igual a todos os demais. Por isso, eu acho que é a energia, mesmo. É uma questão de subir no palco e, enquanto o pessoal está vibrando, eu continuo. Acho que na hora em que eu subir ao palco e todo mundo começar a ir para o bar tomar um drinque e virar as costas, eu vou virar as minhas costas, também, saio e vou pra casa. Mas, por enquanto, isso não acontece ainda, não.

Por isso é importante essa separação do Sidney de Magalhães para o Magal.
Lógico. Porque eu preciso, agora, de um descanso, também (risos). Foi por isso que eu falei para o pessoal que escolhi a Bahia. Quando estou na Bahia, é quando eu volto pra casa e entro em férias. Não sou como a maioria das pessoas que está em casa e viaja para sair de férias. Eu, quando vou pra casa, eu entro de férias. É quando estou cuidando do Magalhães. Salvador está me ajudando a dar vida longa ao Magalhães para ter saúde e o Magal continuar sendo aplaudido. Enquanto essa parceria dos dois estiver dando certo, acho que está tudo bem.

Em algum momento, bate alguma apreensão ou preocupação com o futuro, com o momento em que você vai decidir, de fato, parar?
Não. Apreensão eu não tenho mais, não. Preocupação eu não tenho mais, não. Graças a Deus o público conseguiu tirar isso tudo da minha cabeça. Eu tenho uma curiosidade de saber até onde vai. Mas peço sempre a Deus que me ilumine a ponto de poder dizer: “Olha, também não estou aguentando mais, caramba. Vou parar porque eu acho que o artista também tem seu limite.” Eu vi vários colegas meus ao longo da minha carreira irem muito além do limite e ficarem todos sem voz, sem força para cantar. Eu acho isso muito triste. Então, eu peço muito a Deus só que me mantenha lúcido para curtir daqui pra frente. Se eu tiver que curtir mais vinte anos, eu quero curtir fora do palco. Quero curtir a minha carreira fora do palco como se fosse um telespectador. Que na verdade é o Magalhães telespectador. É o cara que está vendo o artista dele ali, a sua história e a trajetória. Então, eu não tenho essa apreensão de: “o que vou fazer daqui pra frente?”, sabe? Estou sendo muito bem homenageado. Graças a Deus com elegância, com bom gosto. Foi o caso da peça de teatro que ficou dois meses em cartaz lotando. Agora esse documentário dirigido pela Joana. E o filme, longa metragem, que foi rodado quase todo na Bahia, o “Meu Sangue Ferve por Você”, que é a minha história de amor com a minha baiana, minha musa inspiradora, que é a Magali. Então, você imagina ter tudo isso, ter filho já com quarenta e poucos anos, e uma neta de três anos de idade, é uma vida que eu não posso reclamar em absolutamente em nada. E nem esperar mais nada. Só espero saúde e bem viver.

É bom poder constatar esse equilíbrio e noção de carreira.
Que bom. Eu gostaria que fosse exemplo para muitos jovens, mesmo. Para as pessoas que em qualquer profissão, de qualquer maneira, estão sempre atrás de alguma coisa que satisfaz. E eu estou muito satisfeito com as coisas que fiz. É muito importante se satisfazer sempre com coisas verdadeiras. Não é ficar catando qualquer coisa como se fosse um tesouro perdido, porque isso não existe. O tesouro só existe dentro de nós quando ele nos satisfaz, realmente. E eu me satisfiz com o meu tesouro, graças a Deus.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual. A foto que abre o texto é de Juliana Torres. As demais são frames do documentário.



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