Boteco: Cinco cervejarias, dez cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma nova série “cervejarias” com duas receitas da paulistana Blondine, de Itupeva, que chegam em latão 473 ml. A primeira é a Happy Pils, uma German Pils com os lúpulos made in USA Centennial, Cascade e Chinook. De coloração dourada com creme branquinho de ótima formação e média alta retenção, a Blondine Happy Pils exibe um aroma de doçura de cevada e suavemente frutado (laranja, manga e limão bem leves). Na boca, a sensação é de um suquinho cítrico delicioso no primeiro toque, quase uma Session Lager que, na sequencia, acentua com leveza a presença das frutas sem afetar o amargor, comportado (33 IBUs). A textura é suave com leve picância. Dai pra frente surge um conjunto refrescante e saborosamente cítrico que remete realmente a uma Session… Lager. No final, um leve cítrico e doçura maltada. No retrogosto, laranja, limão, cereais e refrescancia. Boa cerveja!

A segunda da série é a Blondine Sunny Wheat, uma American Wheat Ale com lúpulos made in USA e apresenta uma coloração amarela turva com creme branco de boa formação e média alta retenção. No nariz, notas cítricas suaves trazem algo de frutas amarelas ao conjunto, mas de maneira discreta. Ainda é possível perceber leve toque de condimentação e doçura de pão, malte e trigo. Na boca, a textura é cremosa e levemente picante. O primeiro toque, inclusive, deixa perceber uma pontada de amargor em meio a doçura cítrica, mas na sequencia ela parece se aconchegar na boca com seus delicados 27 IBUs. Dai pra frente, surge um conjunto que segue o padrão de sabor e refrescância da Happy Pils, com cítrico, doçura e amargor muito bem equilibrados. No final, frutadinho cítrico e amargor. No retrogosto, um pouco de abacaxi, melão, doçura de trigo e amargor suave. Boa cerveja (parte 2).

Do Brasil para a Escócia, casa da Belhaven, cervejaria que integra o todo poderoso império da britânica Greene & King, que retorna ao blog com sua Brown Ale cujo nome homenageia o poeta escocês Robert Burns. De coloração âmbar acastanhada com creme bege claro de boa formação e média alta retenção, a Belhaven Robert Burns Brown Ale exibe um apresenta um aroma com notas delicadas de toffee, caramelado tostado, suave nozes e doçura. Na boca, o primeiro toque traz toffee com um discreto herbal no primeiro toque seguido de doçura e um amargor bem leve, quase discreto. A textura é suave, melosinha e, dai pra frente, surge um conjunto que, sinceramente, me surpreendeu com toffee caprichado, caramelo contido e um amargor bem suave. No final, um pouco mais de doçura sobre o toffee, ainda assim agradável. No retrogosto, nozes, toffee e caramelo. Gostei.

A segunda Belhaven é o rótulo mais antigo da casa: Scottish Ale Draught, cerveja que leva o nome do estilo local caracterizado por uma Ale bem maltada (tal qual as Bitters britânicas) sem ser tão alcoólica (neste caso, 5.2%). Na receita, os maltes escoceses Optic e Crystal juntos aos lúpulos Challenger e Goldings resultam numa cerveja de coloração âmbar caramelada e creme cremoso auxiliado pela bombinha e nitrogênio na lata, que busca simular o efeito da torneira, de ótima formação e eterna retenção. No nariz, doçura maltada, toffee, nozes e derivados de tosta. Na boca, o primeiro toque junta caramelo e toffee, com a doçura dominando o perfil na sequencia até a chegada do amargor, bem suave. A textura é suave e, dai pra frente, surge uma Scottish bastante agradável, maltadíssima e com mais toffee e nozes do que caramelo. No final, toffee e tosta. No retrogosto, o caramelo vem mais forte com pão doce e nozes. Boa.

De volta a São Paulo com a versão 2018 da Dogma Sourmind, que mantém a aposta no centeio “para deixar o corpo aveludado” e no suco de manga, mas troca o suco de goiaba da versão anterior por maracujá, o que parece, num primeiro momento, deixar o conjunto ainda mais Sour. De coloração amarela remetendo a suco de laranja com creme branco de boa formação e media retenção, a Dogma Sourmind 2018 exibe um aroma com frutado cítrico sutilmente mais interessante do que na versão anterior, em que o azedume e a acidez saltavam pra fora da lata. Elas estão aqui, no entanto, ambientadas entre maracujá, que parece assumir a frente. Na boca, o primeiro toque traz acidez e frutado (maracujá), que ganham força na sequencia com uma pancada de acidez. A textura é picante e frisante e, dai para frente, temos um belo conjunto provocante, com maracujá muito mais destacado do que a manga, e final azedinho. No retrogosto, mais maracujá, acidez e azedume. Gostei. E prefiro a versão 2018 a 2017.

A segunda da Dogma nesta sequencia também é a segunda da cervejaria na série Brett IPA: após a estreia com a Citra Brux, agora a casa paulistana oferece aos cervejeiros a Mosaic Brux, que mantém a ideia de uma IPA Single Hop (Citra) fermentada com a levedura Brettanomyces Bruxelensis (e também o padrão apresentado na primeira, com a levedura delicada na receita). De coloração dourada com creme branco de excelente formação e média alta retenção, a Dogma Mosaic Brux exibe um aroma com frutado suave (mamão), um chulezinho perceptível desde que a lata é aberta e, ainda, bubbeglum. Assim como na versão Citra, a levedura Brett está comportada, aparecendo mais no aroma quando a cerveja aquece na taça. Na boca, uma leve doçura frutada no primeiro toque (mamão) acompanhada de um leve traço herbal. Já na sequencia, uma discreta aridez. A textura é (novamente) interessantemente sedosa, com leve (mas bem leve mesmo) picância e amargor subsequente discreto. Dai pra frente, um replay da Citra num conjunto que remete mais a uma Blond Ale lupulada e com Brett do que a uma IPA. No final, amargor suave. No retrogosto, leve azedinho e especiarias. Boa.

De São Paulo para a Sérvia, mais precisamente a vila Nemeniku?e, com população de cerca de 2 mil pessoas, que abriga a cervejaria Kabinet Brewery, fundada em 2014. Um dos destaques do cardápio da casa, a Kabinet Olga, uma Imperial Baltic Porter, recebeu adição de cardamomo numa receita exclusiva para o clube brasileiro Beer (com um rótulo cuja inspiração é Bottero e Kandinski). Que coloração marrom bastante escura com creme bege escuro de boa formação e média alta retenção, a Kabinet Olga on Cardamom tem no cardamomo seu maior destaque – como deveria ser. No nariz, o cardamomo surge marcante trazendo consigo leve defumação e sugestão de gengibre e alcaçuz. Na boca, o cardamomo chega (via nariz) antes do primeiro toque, mas se confirma delicioso em meio a doçura e alcaçuz. Os 10% (!) de álcool aparecem na sequencia, suavemente. A textura é sedosa e picante (de álcool) e, dai pra frente, surge um baita conjunto, doce e condimentado e alcóolico. No final, cardamomo e alcaçuz. No retrogosto, um tiquinho de doçura, condimentação e calor alcoólico. Uma delicia.

A segunda cerveja sérvia da Kabinet é a Melisa, uma Herbal Ale cuja ideia da receita surgiu de uma plantação de Melisa, um tipo de erva-cidreira colhida na montanha Kosmaj, próxima da cervejaria. Além de extrato de Melisa, a receita utiliza os lúpulos esloveno Styrian Golding e alemão Hallertau Mittelfruh. De coloração âmbar levemente turva com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Kabinet Melisa exibe um aroma que sugere frutas cítricas, um herbal bem suave trazido pela erva-cidreira junto com condimentação. Há ainda percepção de mel. Na boca, doçura de mel no primeiro toque com erva cidreira e sugestão de toranja vindo logo na sequencia até serem barradas por um amargor eficiente, 35 IBUs equilibrados. A textura é suavemente cremosa com uma leve picância. Dai pra frente, mel e erva-cidreira além de frutado cítrico suavezinho. No final, amargor bem leve, mas presente. No retrogosto, Melisa no comando com um leve condimentado mais mel e cítrico. Interessante.

A terceira paulistana é a Urbana com duas da série ULab: a primeira leva o nome de Vulgar Sem Ser Sexy, uma India Pale Ale “maleducada”, segunda os caras. De coloração amarela com leve turbidez e creme branco de boa formação e média alta retenção, a Urbana Vulgar Sem Ser Sexy exibe um aroma floral e também de frutas (manga, laranja, limão e pêssego) além de leve condimentação. Na boca, doçura bem discreta em meio a uma pancada cítrica deliciosa no primeiro toque, que traz algo de manga e de casca de laranja, e segue com condimentação e amargor interessantes (53 IBUs). A textura é suave com uma leve picância (tanto de lúpulo quanto de levedura) sobre a língua. Dai em diante surge uma India Pale Ale que não tem nada de maleducada, e sim de saborosa e cítrica e levemente amarga, mas um amargor aconchegante. No final, um suquinho cítrico e levemente amargo. Já o retrogosto traz manga, pêssego, laranja e condimentação. Gostei.

Fechando a sequencia com outra da série ULab e leva o nome de Lacto Vacillus, e trata-se de uma Berliner Weisse bem tradicional (sem adição de frutas, nada) com coloração amarelo palha e creme branco de boa formação e rápida dispersão. No nariz, cereais e trigo bem leves se destacam, mas ainda é possível perceber tanto um discreto cítrico quando acidez suave. Na boca, o primeiro toque traz algo de frutado (pera? limão?) bem suave e um tiquinho de acidez, que vai aumentando consideravelmente conforme a cerveja se aconchegando na boca, sempre soando deliciosa e agradável. A textura é frisante (com limão sobre a língua) e, dai pra frente, surge um conjunto bastante saboroso e refrescante, com acidez moderada, percepção cítrica além de trigo. No final, adstringência suave e azedinho. No retrogosto, limão, pera, azedinho e adstringência leve. Boa, muito boa!

Balanço
Abrindo essa série, a Blondine Happy Pils se provou uma deliciosa German Pilsner lupulada, mas de amargor baixinho, o que pode funcionar uma beleza como porta de entrada para novos bebedores. Um tiquinho mais radical, mas nem tanto assim, a Blondine Sunny Wheat soa uma boa American Wheat Ale, com o amargor, menos com menor IBU, soando mais presente. Boa. Já a escocesa Belhaven marca presença primeiramente com uma deliciosa Brown Ale, a Robert Barnes, bastante equilibrada e saborosa. Me surpreendeu. Partindo agora para o segundo duo nacional, a versão 2018 da Dogma Sourmind (que trocou goiaba branca por maracujá) me soou mais interessante e saborosa. Curti. Já a Dogma Mosaic Brux, assim como a Citra Brux, mantém a levedura selvagem sobre controle (demais), mas ainda assim é interessante. A servia Kabinet Olga on Cardamom foi uma belíssima surpresa, com cardamomo muito presente, mas sem enjoar e/ou incomodar. Que delicia. Já a Kabinet Melisa mostrou muito equilibro e refrescancia. Curti. Bastante saborosa, a Urbana Vulgar Sem Ser Sexy não é nada disso que o nome adianta, pelo contrário: é uma IPA sedutora e deliciosa. Curti. Tradicionalissima, a Urbana Lacto Vacillus é uma Berliner sem enfeitos, azedinha e deliciosamente rústica.

Blondine Happy Pils
– Estilo: German Pilsner
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,26/5

Blondine Sunny Wheat
– Estilo: American Wheat Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,21/5

Belhaven Robert Burns
– Estilo: Brown Ale
– Nacionalidade: Escócia
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3,27/5

Belhaven Scottish Ale
– Estilo: Scottish Ale
– Nacionalidade: Escócia
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,13/5

Dogma Sourmind 2018
– Estilo: Berliner
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 3,47/5

Dogma Mosaic Brux
– Estilo: American IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,65/5

Kabinet Olga on Cardamom
– Estilo: Imperial Baltic Porter
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 10%
– Nota: 3,95/5

Kabinet Melisa
– Estilo: Herbal Ale
– Nacionalidade: Sérvia
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,33/5

Urbana Vulgar Sem Sexy
– Estilo: India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,52/5

Urbana Lacto Vacillus
– Estilo: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 3.2%
– Nota: 3,56/5

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– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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