Boteco: De São Paulo, Dogma (parte 1)

por Marcelo Costa

Surgida em julho de 2015 após a junção das Cervejas Sazonais (Noturna, Prima Satt e Serra de Três Pontas), a Dogma é hoje um dos grandes destaques cervejeiros do país colocando, enfim, São Paulo na rota do melhor que se faz em cerveja artesanal no Brasil. Abrindo esse passeio pelo cardápio da Dogma, duas cervejas produzidas para o clube WBeer, sendo a primeira uma Sour Rye Ale inspirada na escola Berliner Weisse, mas sem trigo. Chamada de Sour Dogma, a cerveja apresenta uma coloração amarelo palha levemente turva com creme branco de boa formação e média retenção (comum ao estilo). No nariz, acidez e leve azedinho em primeiro plano seguido de notas florais e cítricas (melão e limão) suaves. Na boca, textura áspera. O primeiro toque oferece acidez e salgado para, depois, amaciar suavemente com cítrico até a pancadinha de amargor (40 IBUs), embalada em azedume e acidez. Dai pra frente, uma cerveja deliciosa e refrescante, um tiquinho mais macia que uma Berliner tradicional. O final é salgado e levemente adstringente. Já o retrogosto oferece limão, sal e refrescancia. Bem boa!

Para tentar recriar o estilo famoso transformado em arte pelo belga Pierre Celis através da Hoegaarden, os cervejeiros da Dogma resolveram radicalizar tirando as especiarias tradicionais (casca de laranja e semente de coentro) e colocando no lugar os lúpulos Mandarina e Hallerau Blanc. O resultado é uma cerveja de coloração amarelo palha levemente turva com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, a levedura chama a atenção do bebedor com uma rusticidade (condimentada) que remete levemente ao estilo Saison enquanto notas cítricas sugerindo tanto casca de laranja quanto limão tenta aproximar a paleta aromática do benchmarketing do estilo. Na boca, aspereza e efervescência novamente remetendo ao estilo Saison. O primeiro toque oferece acidez cítrica suave seguida de doçura maltada e amargor mais presente do que os 30 IBUs adiantam. Dai em diante, uma Witbier que queria ser Saison e finaliza mais refrescante do que arisca. No retrogosto, condimentação e cítrico. Gostei!

Pra você ver, caro leitor: a White Dogma me soou tão arisca que, bebida na sequencia, a maravilhosa Panopticon Times, uma Belgian Saison incrível com Caja-Manga (que eu já tinha provado, mas não escrito), está soando doce demais (risos). Colaborativa com a cervejaria norte-americana Modern Times e com um rótulo incrível inspirado no centro penitenciário ideal desenhado pelo filósofo Jeremy Bentham em 1785 (que se assemelha muito a sociedade do espetáculo que vivemos hoje, constantemente observados), a Panopticon Times apresenta uma coloração amarelo cajá com creme branco de boa formação e permanência. No nariz, cajá manga em destaque ao lado de sutis notas frutadas cítricas (laranja e pera) e condimentadas. Na boca, textura picante e levemente frisante (a levedura mostrando suas garras). O primeiro toque traz rápida doçura melada seguida de frutado (cajá manga) e acidez de levedura. O amargor é baixo (23 IBUs), mas o conjunto arisco pode passar outra ideia ao bebedor, que terá pela frente uma cerveja incrível, doce e picante, frutada e ácida. O final é seco e frutado. No retrogosto, leve adstringência, cajá manga e condimentação. Uma delicia!

Ainda apostando na linha arisca, a Sourmind é uma Berliner Weisse que utiliza centeio no lugar de trigo, (“para deixar seu corpo mais aveludado”, conforme avisa o rótulo), recebe adição de “uma gigantesca quantidade de suco de manga e goiaba” e dry-hopping de lúpulo Citra. O resultado é uma cerveja amarela remetendo a suco de laranja com creme branco de boa formação e media retenção. No nariz, azedume e acidez em destaque com suave remissão a manga e goiaba branca. Na boca, a textura começa suave e vai se tornando frisante. O primeiro toque oferece doçura cítrica (manga e goiaba branca) que vai diminuindo o impacto enquanto aumenta a acidez. O amargor é baixo (8 IBUs) com o acético potente podendo confundir o bebedor, que terá pela frente um conjunto saboroso e refrescante, que finaliza seco e azedo. No retrogosto, leve adstringência, manga, goiaba branca e refrescancia. Bem boa.

A quinta da sequencia é a Éden, uma American Wheat interessante cuja receita mistura cevada e trigo com os lúpulos Azacca, Mandarina Bavaria, Hallertau Blanc e Huell Mellon numa proposta de “complexidade para o verão”. De coloração amarela turva (menos suco de laranja que a anterior) com creme branco de boa formação e permanencia, a Dogma Éden apresenta uma aroma suave de notas cítricas (laranja, manga, tangerina e raspas de casca de limão) sobre uma base discretíssima de cereais. Há ainda algo de anis. Na boca, a textura suave com leve frisância. O primeiro toque oferece rápida doçura com cítrico batendo ponto no segundo seguinte e trazendo consigo um suave toque de amargor, que bate os 30 IBUs e abre as portas para um conjunto cítrico, amarguinho e refrescante, que finaliza seco e cítrico. No retrogosto, casca de limão e refrescancia. Curti.

Balanço
Abrindo o passeio pelas cervejas da Dogma com uma ótima Sour com centeio, a Sour Dogma, que cai perfeitamente bem para um dia de verão. A White Dogma, por sua vez, conta a história da Witbier que queria ser Saison (hehe), e o resultado é bastante agradável. Quem é fã do estilo de Pierre Celis talvez estranhe um pouco, mas quem curte umas asperezas de Saison pode curtir. Dando um pequeno salto, a Dogma Panopticon Times tem um rótulo incrível a altura do líquido que carrega, uma Belgian Saison deliciosa com Cajamaga. Já a Sourmind é uma Berliner que não decepciona. Muito boa. Finalizando esse primeiro passeio, a Éden mantém o nível numa receita meio doidinha, que vira do avesso o estilo American Wheat e resulta numa cerveja bem bacana.

Sour Dogma
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4%
– Nota: 3,25/5

White Dogma
– Produto: Wheat Beer
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.5%
– Nota: 3,25/5

Dogma Panopticon Times
– Produto: Belgian Saison
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 3,75/5

Dogma Sourmind
– Produto: Berliner Weisse
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 3,48/5

Dogma Éden
– Produto: American Wheat
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.1%
– Nota: 3,48/5

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