Boteco: 11 estados brasileiros, 11 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo uma nova sequencia de nacionais por Porto Alegre, casa da renomada Seasons Craft Brewery, que marca presença aqui com sua Tilt, uma Session IPA lançada em novembro de 2016 cuja receita une maltes Pilsen, Vienna e Trigo com os lúpulos Citra e Mosaic. O resultado é uma cerveja de coloração amarela levemente turva com creme branco espesso de ótima formação e longa retenção. No nariz, notas cítricas pulam à frente sugerindo laranja, abacaxi e limão além de leve floral e também ervas. Há, ainda, trigo na base. Na boca, cítrico destacado com doçura de trigo na sequencia envolvida entre notas cítricas deliciosas com leve presença campestre (feno). A textura é leve suave e picante enquanto o amargor, médio, é eficiente e abre as portas para um conjunto saboroso e altamente refrescante, que reforça a pegada cítrica da receita valorizando a maciez do trigo. No final, amargor herbal suave e interessante. Já o retrogosto traz banana, feno e algo campestre. Interessante.

De Porto Alegre em direção ao Rio de Janeiro, casa da Green Lab Craft Brewery, que estreia por aqui com a Grasshopper Blues, uma New England Double IPA cuja receita aposta no duplo dry hopping dos lúpulos Citra e Amarillo além de juntar trigo e aveia a tradicional cevada. O resultado é uma cerveja de bonita coloração amarela turva com creme branco de boa formação e permanência. No nariz, uma encantadora salada de frutas cítricas (lichia, abacaxi, tangerina, grapefruit e melão) sobre uma base que se aproxima muito mais de mel do que de caramelo. Na boca, a textura é suave e surpreendentemente cremosa. O primeiro toque reforça a pegada cítrica adiantada pelo aroma, mas com presença de álcool (8%) e uma pancadinha de amargor (70 IBUs corretos e limpos), que abre as portas para um conjunto potente, mas que perde um pouco da força com o calor (o álcool sobressai). O final é levemente amargo com notas de grapefruit. No retrogosto, um tiquinho de resina e grapefruit. Grande cerveja.

Do Rio de Janeiro para Belo Horizonte com a mineira Wäls, que já havia feito uma cerveja sob encomenda do Pão de Açúcar, a mediana Wäls 65 Anos Pão de Açúcar 2013 (que festejava a data do Grupo Pão de Açucar), e agora retoma a parceria com a Wäls 58 Anos Pão de Açúcar 2017 (que festeja data do supermercado), uma Pale Lager com dry-hopping de Hallertau Blanc. De coloração dourada com creme branco espesso de bonita formação e média alta retenção, a Wäls 58 Anos Pão de Açúcar 2017 exibe um aroma com notas florais delicadas que combinam com a sugestão de pão e biscoito derivadas do malte de cevada. Há amanteigado (aceitável no estilo) suave. Na boca, doçura rápida no primeiro toque seguida de cítrico e floral logo na sequencia. A textura é levemente picante e quase suave. Dai pra frente, amargor moderado com nítida percepção de lúpulo num conjunto que soa correto, mas não surpreende. O final é maltadinho com leve presença floral. No retrogosto, caramelo sutil e refrescancia.

A quarta é de Blumenau e é mais uma campeã do Concurso Mestre Cervejeiro Eisenbahn, edição 2016 (relembre as vencedoras de 2007, 2008, 2010, 2013, 2014 e 2015), uma Altbier, receita do carioca Lúcio Rogério Botelho. De coloração âmbar caramelada com creme bege claro de boa formação e retenção. No nariz, notas doces sugerindo caramelo em primeiro plano com suave percepção de defumação e de panificação. Na boca, bastante caramelo no primeiro toque, mas na sequencia surge toffee, defumado beeeem leve, terroso e algo de herbal. A textura é suave enquanto o amargor, baixo (35 IBUs), é eficiente conseguindo contrabalançar o conjunto apesar da doçura caramelada intensa. Dai em diante surge um conjunto agradável e bem interessante, com caramelo, toffee e defumado discreto se alternando. O final traz leve herbal enquanto o retrogosto reforça a ideia de defumado, terroso e toffee. boa!

De Blumenau para Diadema, na região do ABCD em São Paulo, com a terceira Votus a passar por aqui. Depois da 001, 005 e da 011, agora é a vez da 006, uma German Pilsner de coloração mais para o âmbar do que para o dourada com uma linha de creme branco, que desaparece rapidamente. No nariz, doçura de caramelo se destaca levemente oferecendo reminiscências de pão e biscoito, mas as notas florais e suavemente herbais derivadas da lupulagem também são perceptíveis. Na boca, o primeiro toque replica a impressão que o aroma adiante, com doçura de caramelo seguida de herbal suave. A textura é suave, cremosa, e o amargor de 25 IBUs se mostra equilibrado para o conjunto, que prima pela refrescancia na combinação de doçura de caramelo, floral e herbal. O final é delicadamente amarguinho enquanto o retrogosto traz caramelo e herbal suaves numa boa German Pilsner nacional.

De Diadema para Recife, casa da Capunga Craft Beer, que produziu uma edição especial de sua receita de American Lager para a banda Carranza, que está lançando o álbum “Santa Morte”. A Carranza American Lager da Capunga é uma cerveja de coloração âmbar levemente turva com creme branco com traços beges de boa formação e média retenção. No aroma, bastante presença herbal derivada da lupulagem (Saaz e Hallertau) sobre uma base suave de maltes alemães e belgas sugerindo caramelo, pão e biscoito. Na boca, doçura de caramelo suave no primeiro toque seguida de herbal e um amargor bastante leve e refrescante. A textura é cremosa com leve picancia. Dai pra frente surge um conjunto que cumpre o que promete: uma Lager bastante suave e refrescante com presença assertiva de lúpulo, mas sem amargar demais o bebedor. O final é seco com leve herbal. No retrogosto, refrescancia. Boa!

De Recife para Murici, cidade de 28 mil habitantes na Zona da Mata Alagoana, a cerca de uma hora da capital Maceió, com a primeira da cervejaria artesanal Caatinga Rocks, criada em 2017, a marcar presença por aqui, e não podia ser melhor: Alagoas Pale Ale é uma sazonal da casa que homenageia os 200 anos do Estado que os abriga. Na receita, adição de umbu-cajá. De coloração dourada com suave turbidez e creme branco de boa formação e permanência, a Caatinga Rocks Alagoas Pale Ale exibe um aroma com percepção rápida do umbu-cajá, que se destaca no conjunto oferecendo um sabor docemente frutado e levemente cítrico. Na boca, o que o aroma adianta se cristaliza na doçura frutada do umbu-cajá presente logo no primeiro toque. Na sequencia, doçura suave de malte e amargor sossegado, 33 IBUs que conseguem equilibrar a doçura sem despersonaliza-la. A textura é levemente picante com cremosidade. O conjunto é leve, provocante e refrescante. No final, secura de minerais e umbu-cajá, que retornam reforçadas no retrogosto. Bem interessante!

Do Alagoas para o Paraná, mais precisamente a capital Curitiba, casa da Bier Hoff, que marca presença aqui com seu sétimo rótulo (antes vieram Apache, Cocada Preta, Preto Véio, Druída, 20 Paulo Schiaveto, Jerimoon, Juicy e Jerimoon IPA), a Haka, uma American IPA com os lúpulos australianos Topaz e Vic Secret de amargor e Ella no dry-hopping. De coloração âmbar alaranjada com creme bege claro de boa formação e longa retenção, a Bier Hoff Haka apresenta um aroma com bastante frutado cítrico presente tendendo a grapefruit e maracujá sobre uma base doce de caramelo e mel. Na boca, o frutado cítrico se destaca com facilidade no primeiro toque (mais grapefruit do que maracujá) seguido de doçura comportada. A textura é levemente picante e cremosa. Já o amargor é potente com seus 70 IBUs marcando ponto na pancada e em profundidade, que se arrasta garganta abaixo do bebedor deixando um traço amargo pelo caminho até o final, suave, enquanto o retrogosto reúne amargor, cítrico e resinoso. Bom custo / benefício.

Do Paraná partimos para o entorno do Distrito Federal, mais precisamente Cidade Ocidental, cidade goiana de 65 mil habitantes, local em que dois irmãos desenvolveram a receita desta Valkyrja Witbier, campeã do 10° Bier Hub Festival, evento que incentiva produtores caseiros na capital federal, em junho de 2017 – ciganos, os irmãos (mais um sócio) produziram essa versão engarrafada na fábrica da Dádiva, no interior de São Paulo. Na receita, cevada, trigo, lúpulo, semente de coentro e casca de laranja. De coloração amarelo palha com creme branco de excelente formação e longa retenção, a Valkyrja Witbier entrega o que o estilo pede: levedura marcando presença e oferecendo condimentação, que ganha força com o coentro e a casca de laranja. O trigo aparece de forma suave e discreta. Na boca, o perfil brilha mais aproximando-se da Blue Moon (já pela coloração é perceptível a opção em ser uma American Wheat) com condimentação forte no primeiro toque, mas a laranja vem na sequencia e surpreende. A textura é levemente picante com suave maciez. O amargor (20 IBUs) traz consigo levedura, e novamente surpreende. Dai pra frente, uma cerveja leve, refrescante e um tiquinho rebelde, delícia que finaliza de maneira suave e cítrica (laranja). No retrogosto, acidez suave, picancia e leve condimentação. Bem boa!

Da região central do país para a Bahia, terra da cigana Cervejaria Amada, nascida em 2016 no bairro de Pituba, em Salvador (ainda que produzida em Igarassu, Pernambuco). Por enquanto, os baianos mantém três rótulos em cardápio (disponível em vários locais da capital baiana, aeroporto incluso): Bahipa, Todos os Santos American Blond Ale e esta Bonfim APA, produzida com os lúpulos estadunidenses Cascade, Perle e Magnum. De coloração âmbar acastanhada com creme bege clarinho de boa formação e retenção, a Amada Bonfim apresenta bastante doçura caramelada no aroma deixando as derivações da lupulagem em segundo plano, mas é possível perceber algo cítrico de maneira suave. Na boca, doçura caramelada no primeiro toque seguida de cítrico e herbal intensos, muito mais presentes no paladar do que no aroma, ainda que de maneira suave. A textura é leve, quase suave, e o amargor é baixinho (35 IBUs que soam 20) abrindo as portas para uma APA que soa bastante England. No final, doçura. No retrogosto, doçura e leve cítrico.

Fechando essa série Brasil com a sergipana Malte-SE Cervejaria Artesanal, que marca presença com uma Russian Imperial Stout que recebe adição de nibs de cacau e homenageia a grande banda local The Baggios. A Brutown (que é o nome do terceiro disco do Baggios) é uma cerveja de coloração marrom escura, praticamente preta, com creme bege espesso de ótima formação e média alta retenção. No nariz, as notas clássicas do estilo marcam presença: café suave em primeiro plano com chocolate também suave e baunilha, essa principalmente quando a breja começar a aquecer na taça. No paladar, equilíbrio entre chocolate e café, com o derivado da torra se sobrepondo levemente na sequencia. A textura é suave com leve cremosidade, e aqui os 9% de álcool dão as caras, sem incomodar. O amargor (com bastante influência da torra do malte) é potente e marcante, mas não assusta, apenas acrescenta camadas numa bela cerveja que finaliza, já aquecida, achocolatada! No retrogosto, chocolate ao leite, café e alegria. Baita!

Balanço
Abrindo a série com a Sessions Tilt, quase que uma Session Saison bastante provocante e saborosa. Gostei muito. A Green Lab Grasshopper Blues é praticamente perfeita quando ainda não aqueceu tanto na taça. Mas com o latão (473 ml) fica difícil mantê-la na temperatura ideal, e quando aquece ela fica bem arisca. Se fosse só na situação mais fria, pode botar mais 0.10 na nota, mas o aquecimento atrapalha. A Wäls já havia feito uma Pale Lager deliciosa para o Empório Alto de Pinheiros, em São Paulo, a Wals EAP 5 Anos, e uma desastrosa witbier para o Pão de Açucar, a Wäls 65 Anos Pão de Açúcar 2013, e essa Wäls 58 Anos Pão de Açúcar 2017 está mais para a anterior do que para a do EAP, pois é uma Pale Lager correta, mas sem nenhum destaque. A Eisenbahn Altbier é mais uma boa vencedora do Concurso Mestre Cervejeiro da casa, na média da casa, que não alcança o brilho da São Seba e da Dama do Lago, mas soa mais redonda que a Flecheira e a Ventura. Agora em Diadema com a Votus, que com a 006 consegue entregar uma boa German Pilsener paulistana. Galera acha que é fácil, mas entregar uma Lager sem defeitos é um baita desafio, que a Capunga Craft Beer cumpre com louvor: a Carranza American Lager é uma cerveja bastante suave e refrescante com presença assertiva de lúpulo, mas sem amargar demais o bebedor. Ótima para o verão! Da novíssima cervejaria alagoana Caatinga Rocks, a Alagoas Pale Ale impressiona pela presença assertiva do umbu-cajá, que se destaca em todas as fases da degustação. Muito boa. Do Paraná, a Bier Hoff mantém o bom padrão de suas cervejas nessa Haka, uma Australian IPA, já que todos os lúpulos aqui são australianos, e potentes, e amargos. Uma boa Old American IPA. Premiada em concurso no DF, a Valkyrja Witbier surpreendeu: um boa American Wheat com laranja e condimentação muito bem dosadas na receita. A baiana Amada Bonfim se diz APA, mas é daquelas do meio do Atlântico, pois teu um pé ainda fincado nas ilhas britânicas. Ainda assim, gostosa. Fechando por Sergipe com a bela Malte-SE Brutown, que começa muito bem assim que sai da geladeira, mas termina ainda melhor quando aquece! Curti muito.

Seasons Tilt
– Produto: Session IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.3%
– Nota: 3,76/5

Green Lab Grasshopper Blues
– Produto: New England Double IPA
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 3,86/5

Wäls 58 Anos Pão de Açúcar 2017
– Produto: American Pale Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 2,90/5

Eisenbahn Altbier
– Produto: Altbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.4%
– Nota: 3,40/5

Votus 011
– Produto: German Pilsener
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2,86/5

Capunga Carranza American Lager
– Produto: American Lager
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 2,91/5

Caatinga Rocks Alagoas Pale Ale
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,19/5

Bier Hoff Haka
– Produto: American India Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,38/5

Valkyrja Witbier
– Produto: Witbier
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 4.9%
– Nota: 3,38/5

Amada Bonfim
– Produto: American Pale Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 5.6%
– Nota: 3,13/5

Malte-SE Brutown
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 9%
– Nota: 3,69/5

Leia também
– Top 1001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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