A grande jogada do Fino Coletivo

por Rodrigo Fernandes

Dizem por aí que todo carioca é marrento pra caramba. Uma das coisas mais interessantes que se vê no Rio de Janeiro é uma certa bipolaridade, que não se resume ao dueto asfalto e favela, sendo muitíssimo dificultoso hoje em dia distinguir o que é um e o que é outro. Já tem favela muito perfeitamente asfaltada e os barracos já invadiram as pistas faz muita raça de tempo, tudo convivendo, é claro, benza Deus, na mais perfeita harmonia tropical.

Quem é da área também sabe que na cidade do São Sebastião há dois movimentos musicais antagônicos e complementares. Saca, Batman e Curinga, Lula e FHC, Paulo Coelho e Raul Seixas? É por aí. De um lado encontra-se a espontaneidade e o improviso do subúrbio: o partido alto, o funk, a africanidade, as gírias das ruas e outras mumunhas populares; caldo que resultou nessa mutação de altíssima voltagem que é O Rappa, ‘for example’. No outro extremo da cidade (e da proposta) está a sonoridade estudadinha da Zona Sul. Da Bossa Nova, da MPB cabeçuda, da poesia depurada a doses de Jack Daniels. Tudo muito fino, in, cult e cool. Descontadas as devidas simplificações, pouquíssimos conseguiram amarrar essas duas pontas com competência e moldar a carioquice perfeita. Paulinho da Viola foi um, Lulu Santos e seu pop zen-surfista, outro. Muita tentativa houve e muita quebração de cara também.

O Fino Coletivo se arriscou na empreitada e se sagra campeão moral da peleja. “Copacabana”, recém saído do forno, é uma das boníssimas surpresas do ano. Canções como “Batida de Trovão”, “Coisa Mais Linda do Mundo” e a sacudidíssima “Ai de Mim” abrem o trabalho com estilo e poderiam muito bem ter sido gravadas pelo Jorge Ben em sua versão setentista. Na boa, não existe elogio maior. Todos os bons elementos do chefão alquimista estão lá, evidentíssimos, exibindo a primeira grande virtude do grupo: é preciso um bocado de ousadia e autoconfiança para andar por essa trilha personalíssima sem esbarrar na caricatura ou no plágio. Mas ainda que seja muito tentador rotular o som do grupo como “samba-rock” é certo que ele vai além do duvidoso termo. As intervenções eletrônicas dão um colorido de pista a praticamente todas as faixas. Trata-se de um álbum deliciosamente hedonista: tem cara de trilha sonora de pelada na praia, sim. Mas pode ser levado à balada mais descolada do pedaço sem problema.

“Fidelidade”, parceria de Adriano Siri com Alvinho Lancelloti, trás uma letra esperta (“Pois é coisa da antiga/ ser malandro traidor/ hoje eu visto a camisa pelo bem do nosso amor”) embalada por metais a la Bebeto. É uma ótima surpresa. A regravação de “Swing de Campo Grande” dos Novos Baianos se mostra um tributo à altura do super grupo. Para formar o repertório deste segundo disco, o sexteto voltou a emprestar algumas canções dos discos de Wado, um ex-Fino Coletivo: “Se Vacilar Jacaré Abraça”, um sambinha ajambrado do disco “A Farsa do Samba Nublado” (2004) ganhou uma roupagem caribenha e “Beijou Você” (da estréia de Wado, “O Manifesto da Arte Periférica”, de 2001) mantém as rotações lá em cima. Estas e “Nhem Nhem Nhem” são bacanas, menos perolares que as demais, mas colaboram para uma assimetria necessária na composição de um todo que não é menos que excelente.

Os pontos baixos ficam por conta de “Doce em Madrid” um instrumental perfeitamente dispensável e “Abalando Geral” que trás a participação de De Leve com um rap medonho. Duas tentativas canhestras de se abraçar um Rio “total” que fracassam fragorosamente, mas que não chegam a abalar a bacaneza do conjunto.

A grande jogada do Fino foi assumir sem restrições uma atitude de pop de qualidade que não descamba nem pra uma massificação desvairada (Jota Quest?) nem para um som pseudo-intelectual e intencionalmente mal acabado (Los Hermanos?). Uma terceira via, mais emepebística, que passa pela escola soft-brochante de Arto Lindsay também foi corajosamente evitada. Essa é a aula que todo mundo do universo pop-rock aqui do Eldorado tupiniquim pareceu gazetear. A lição: vender a alma ao mercado é tão danoso quanto fazer pose blasé no melhor (pior) estilo mantendo-a-integridade-artística. Se em seu álbum de estreia o grupo apresentou um punhado de canções espertas que apontavam para algo promissor, com “Copacabana” o destemido time formado por Adriano Siri (voz), Alvinho Cabral (violão, guitarra e voz), Alvinho Lancellotti (voz), Daniel Medeiros (baixo e voz), Donatinho (teclados) e Marcus César (bateria) fez bonito numa época onde todo mundo parece ter se esquecido como se faz uma festa. Eles sabem.

********

Rodrigo Fernandes assina o blog Ao Vinagrete

Leia também:
– “Atlântico Negro”, o disco faixa a faixa, por Wado (aqui)
– Wado lança “Atlântico Negro” no Studio SP, por Marcelo Costa (aqui)
– Fino Coletivo e Móveis Coloniais de Acajú no Sesc Pompéia, por Marcelo Costa (aqui)
– A estreia do Fino Coletivo, a nova música popular brasileira, por Marcelo Costa (aqui)

19 thoughts on “A grande jogada do Fino Coletivo

  1. “Pseudo-intelectual e intencionalmente mal acabado (Los Hermanos?)” – Sem querer você definiu toda a merda da “ceninha” cult-sambindie-funk e os escambaus de garotinhos de faculdade metidos a entendedores de música.

  2. “Os pontos baixos ficam por conta de “Doce em Madrid” um instrumental perfeitamente dispensável”

    …dispensável seria esse comentário que prova o quanto é desinformado o autor da matéria. Incrível como até hoje tem gente continua existindo gente que acha que música instrumental é chato. Puro fruto da ignorância e massificação mental causada por uma vida inteira escutando jovem pan e assistindo a MTV.

    Aprender sobre determinado assunto é fundamental para que se tenha condição de criticá-lo sem falar bobagem.

  3. Prezado Raul,

    Sinto lhe abrir os olhos tão abruptamente, mas se há alguém muito desinformado aqui é você. Pseudo-itelectualmente você me acusa de ser doutrinado pela Jovem Pan e pela MTV. Nada mais herético, como nada mais verdadeiro que sua falácia pretensamente moralizadora me soa risível. Baixa a bola meu irmão. De fato, até entendo seu caso: a burrice da juventude é mesmo proporcional a sua vontade de se afirmar. Você não é um caso isolado.

    Em tempo, a banda em questão possui muitissimas qualidades (instrumentais, sobretudo) para precisar cometer uma faixa como a em questão, que não acrescenta nada à obra. E convenhamos, se o que eu falo é absurdo, então todo resto do disco dos caras é uma porcaria, só salvando a faixa da discórdia. Creio que não é por aí.

    Da próxima vez, caro Raul, apareça usando seus argumentos (se é que os têm) a favor da obra. Foda com seu próprio pau, não com o alheio.

    Abraços

  4. Ok Rodrigo. Vamos por partes: quais são as suas referências – na música instrumental – para julgar uma faixa ruim o bastante para se tornar “dispensável”? Trocando em miúdos, qual o seu conhecimento sobre música para – antes de tudo – se achar capaz de fazer a crítica de um disco?

    É muito fácil achar ruim uma faixa instrumental só porque ela foge do conceito comercial de um disco pop. O Fino consegue ser o bom pop porque o trabalho é feito com capricho. Os caras, além de bons compositores, são bons instrumentistas e isso faz uma puta diferença num disco meu velho. Provavelmente você não deve ter tido essa percepção ao ouvir o disco (você chegou a ouvir né?) então fica minha observação só para efeito de esclarecimento.

    Falando ainda sobre “o que é fácil”, me mando te pagando na mesma moeda e usando os mesmos clichês que todo redator medíocre não dispensa, (como “pseudo-intelectualmente”) mas sem me rebaixar ao seu vocabulário chulo:

    “Sem mais para o momento, despeço-me elevando os votos de estima e apreço.”

  5. The (stupid) big mouth strikes again,

    Sou crítico há mais de uma década, escrevendo para revistas internacionais, inclusive. Já assinei a direção musical de um monte de peças teatrais e alguns filminhos que provavelmente você até assitiu ( se é que faz isso). E você, quem é mesmo?

    Em tempo. Falando em chulice: por favor, leia com atenção o seu primeiro comentário. É um ótimo exemplo de má educação e truculência. Na boa, não vou ficar batendo boca com moleques-que-sonham-em ser- um-dos-Los-Hermanos pela web. Não tenho nem tempo, nem idade, nem disposição para isso. Viva do jeito que achar melhor.

    Saudações.

  6. Tanto blá blá blá por causa de um disco chinfrim. O mais engraçado é que os dois acima gostaram do disco, e ainda assim discutem por que um não gosta de música instrumental e o outro acha música instrumental a maior invenção desde a guilhotina. Se o disco fosse bom até justificaria, mas é ruim de doer, o que prova que o Wado era realmente a alma desse projeto. Disco ruim, ano fraco.

    Abraços

  7. Acho que agora você falou uma coisa que presta Rodrigo: “Viva do jeito que achar melhor.” É isso que eu faço. E o que eu acho melhor é viver sempre discordar do que é bobo, baixo e mal escrito.

    Se você não tem tempo, idade e disposição, pra discutir com um “moleque”, acho melhor mudar de vida e perceber que o que você “diz estar fazendo” não está sendo feito com competência. Conheço a espécie críticos-há-mais-de-uma-década muito bem. O comportamento é sempre esse: falam o que pensam como se fosse a verdade absoluta e quando o primeiro corajoso discorda eles ficam dodóis.

    Quando você aprender mais sobre música instrumental, escreva um livro cara. Vou fazer questão de ler e, se for bom, até elogiar. Mas, por favor, não diga coisas da sua cabeça e pense que só porque você tem o dobro da minha idade (o triplo, talvez), dirigiu peças e filmes, e tem meia dúzia de amigos que babam seu ovo, que eu vou aceitar tudo calado.

    “Freedom is the mastery of known” – KOC

    Passar bem.

  8. Ae Marcos Sérgio, concordo com você. O wado é bem melhor sozinho. Nisso eu acho que quase ninguém discorda. Mas discussões como essa tem uma utilidade: fazer a gente rir pra caramba.

    E afinal, que graça teria a vida sem uma “pimentinha”?

  9. Bla-bla-bla.

    O mais curioso disso tudo é que, até onde eu sei, a própria galera do Fino aprovou a crítica. O único desgostoso, a única Madalena arrependida da história é justamente um gaiato que não tem nada a ver com ela. Vai entender a carência dessa gente. Bem… end of transmission…

    Abraços a todos.

  10. Rodrigo, você que é tão experiente assim, aprende uma coisa: se o artista aprova a critica, algo está errado. Mac, fica de olho.

    Abraços

  11. Caro Marcos,

    Nunca, nunquinha vi um artista desaprovar uma crítica positiva, e a minha, apesar de enxergar alguns pontos negativos, foi bem equilibrada. Creio que os grandes artistas são sobretudo aqueles que tiram algo de positivo das críticas. Você pode não conhecê-los, mas que eles existem, existem.

    Abraços pra você também.

  12. Engraçado eles terem aprovado a crítica. Será que eles realmente acham que a faixa instrumental é “dispensável”? Faz-me rir meu amigo…

    Eles devem ter colocado essa música no disco só pra ocupar espaço mesmo… deve ser isso…

    E a única “carência dessa gente” é a de críticos de verdade.

    Seguimos…

  13. Prezados Raul e Marcos,

    Antes de mais nada gostaria de sinceramente me desculpar pelo rumo que tomou nosso “debate”. Depois de mais de 400 resenhas, artigos e ensaios estou prestes a me aposentar do ofício e sempre acreditei que a gente pode e deve emitir qualquer opinião, desde que com lealdade. É uma regra de ouro, algo que deve ser sempre aprendido e reaprendido. Porém, relendo todos os posts, percebo que fugimos disso, tontamente esquecemos o respeito mútuo, o fair play. O que ganhamos? Absolutamente nada. A ignorância é estéril.

    É fundamental ter e defender nossa opinião – e eu mantenho as minhas – mas devemos fazer isso com argumentos plausíveis. Combatividade não tem nada a ver com agressão. Creio que é o que fica dessa peleja toda: ataquemos as ideias, não os pensadores. Assim, meu convite agora é que evoluamos de alguma forma. Novamente, me desculpo com ambos e caso tenham tempo ou interesse apareçam no meu blog, lá vão estar meus últimos textos.

    Abraços cordiais.

  14. de tudo que lí, a única certeza que tenho é que o Wado era o capricho da banda realmente. Voces não viram o show em Maceio do Fino Coletivo, em que o público em peso gritava o nome de wado, mas Wado não estava nem em cima do palco, já tinha saído da banda, e isso ninguem conta. e olhe que tinha gente de maceió, além de wado, em cima do palco pra que o publico resolvesse chamar outro nome que nao fosse o de Wado, se fomos pelo patriotísmo.
    Divulga negão. esse disco aí eh uma prostituição. existe algo que se salva, mas…

  15. Eu me propus a ouvir o disco, gostei à beça, não conhecia a banda… E sobre a música instrumental, não acho que mereça tanto bafafá. Na minha humilde opinião, é mais uma faixa no disco com um “lalalaiá… lalaiá…” que não dura nem dois minutos.

    Beijos.

  16. Se consegui ler os 16 comentários foi porque minha paciência me permitiu. Sou a favor da crítica, mas uma crítica construtiva, sincera e amiga. Pensem nisso. Por outro lado, ninguém é perfeito e se o “Fino Coletivo” apresentou um trabalho artístico ele pode ser apreciado ou não, isso é natural. Mas nada tem com a capacidade do grupo de criar, muito pelo contrário aplausos para todos eles que estão lutando por um ideal. Parabéns ao grupo, aos críticos. Vivam em PAZ.

  17. Ah…
    Acabei de ler…

    Em 2010…
    A banda que foi ganhadora de varios prêmios
    Elogiada por: Lulu Santos, Nelson motta e etc…
    Fecha o ano de lançamento do disco Copacabana (que vendeu nos últimos 6 meses mais de 300 mil downloads) tocando no reveillon de Copacabana.
    Foda !

  18. Opa…os caras ganharam hoje, como melhor disco do ano de 2010 segundo o jornal O globo.
    Os dois discos deles ganharam esse prêmio, não é a toa.
    Parabéns !!!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.