Três CDs: George Israel, Skylab, Fernada Abreu

por Marcelo Costa

“Quatro Letras”, George Israel (Siri Music)
George Israel, pra quem não lembra, é o saxofonista do Kid Abelha. Para todos aqueles que tiveram arrepios, um alerta: “Quatro Letras” é um disco bom. Divido com muitos o desgosto do uso de sax na música pop (com raríssimas exceções). Por outro lado, admiro o pop redondo do Kid Abelha, que deixou a desejar apenas em seu último álbum de estúdio, “Surf”. A vocalista Paula Toller já tinha arriscado voo solo em 1998 com um excelente disco apoiado em sambas clássicos como “E o Mundo Não Se Acabou”, “Onde Está a Honestidade” e, principalmente, a maravilhosa “Cantar”. Israel, por sua vez, optou por um repertório totalmente inédito em sua estreia solo, que se apoia em letras de Alvin L, Arnaldo Antunes, Cazuza e Dulce Quental, entre outros, além de participações especiais de um “time de estrelas” do rock nacional, indo dos Barões Frejat, Mauricio Barros e Rodrigo Santos, passando pelo trio paralamico Herbert, Bi e Barone, pelo ex-mutante Sergio Dias, por Lulu Santos, pelo parceiro Bruno Fortunato, por Flávio Guimarães, Cris Braun e a novata Bhianca Jordão (tocando theremin). “Quatro Letras” tem produção impecável e a voz de Israel não compromete em um álbum de várias boas músicas. Das três parcerias do músico com Cazuza, a faixa título se destaca. “Hoje”, por sua vez, é um rascunho de “Cúmplice”, do primeiro disco solo de Cazuza (até repete alguns versos). Já “Não Reclama” é apenas mediana. No entanto, George Israel assina sozinho a bonita balada “Por Trás Desses Olhos Verdes”, com um bom arranjo de cordas por Lincoln Olivetti (que faz o mesmo em outras três músicas), e o bom pop rock “Abra o Molho”, além de dividir com Arnaldo Antunes a melhor música do disco, “Nós”. Lançado de forma independente, pelo selo Siri Music, e distribuído pela Universal, “Quatro Letras” é um disco que surpreende pela qualidade de produção, na medida, sem exageros. Pop rock bem feito e bem tocado.

Nota: 7

“Skylab V”, Rogério Skylab (L&C)
Nos dias tão politicamente corretos que andamos vivendo, um cara como Rogério Skylab é de extrema importância. “Skylab V”, que foi lançado junto à revista Outracoisa, é uma aula de provocação. Dá até para imaginar o cantor – com uma faca na mão – fazendo o papel de tarado (na canção homônima), de punheteiro (em “Não Sou Ninguém”), de assassino (“Semana Passada”, à la “The End”, dos Doors), de capitalista (“O Dinheiro”), de sacana (“Você é Feia”), e por ai vai. “Skylab V” é o melhor disco gravado pelo “bardo” carioca, e segue a linha evolutiva dos quatro anteriores de sua carreira, todos independentes. O rock quadradinho, no entanto, pode incomodar aqueles que tropeçam em sua exibição teatral, ainda que a música seja apenas um veículo para suas loucuras. O disco abre com a boa “Os Ratos” (“Os ratos estão entrando pelo buraco do cu”, diz a letra). “22×2=43” é uma sarração com a matemática em formato sambinha enquanto “A Natureza” traz “pensamentos profundos” (“Um buraco no dente, a vida / O estômago ronca de fome / O beijo de uma banguela / A natureza te chama”). A canção do disco destinada a se tornar clássico (tal como “Matador de Passarinho” e “Motosserra”) se chama “Você Vai Continuar Fazendo Música?”. Sente a letra: “Um agiota te espera na porta da tua casa / E você vai continuar fazendo música? / Todas as gravadoras estão de portas fechadas / E você vai continuar fazendo música? / Até os alternativos debandam para o outro lado / E você vai continuar fazendo música? / A esperança não existe, a esperança é o caralho / E você vai continuar fazendo música? / Tenta uma outra coisa, um curso de informática / E você vai continuar fazendo música?”. Um clássico. Sem palavras. O único senão do disco foi a retirada, de última hora, da música “Fátima Bernardes”, clássico dos shows, uma “bela homenagem” à apresentadora do Jornal Nacional. Essa (outra candidata a clássico) vale procurar por ai…

Nota: 8

“Na Paz”, Fernanda Abreu (EMI)
Fernanda Abreu estreou solo em 1990 com o matador “Sla Radical Dance Disco Club”, um disco de funk e dance de primeira qualidade, que fez sucesso nas rádios (“A Noite”, “Você Pra Mim”) além de trazer pequenas pérolas, como “Speed Racer” e “Luxo Pesado (Got To Be Real)”. Depois, a cantora ficou devendo um disco à altura da estreia, só tendo cravado um grande hit, o hino carioca “Rio 40 Graus”. Quando nada mais parecia surgir dessa cartola, a garota sangue bom retorna com um álbum deliciosamente chapante. Amparado na utopia de um mundo melhor, “Na Paz”, o álbum, é acerto sobre acerto. Começa com “Brasileiro”, versão suingada de uma música-lamento do cantor angolano Teta Lando, que prega “Um Brasil verdadeiramente livre / Um Brasil independente”, e conta com a participação de Martinho da Vila, mandando o recado: “Humanize a riqueza. Abomine a avareza. Se liberte do consumismo”. “Eu Vou Torcer” é uma das pérolas da “Tábua de Esmeraldas”, de Jorge Benjor, que traz versos como “Eu vou torcer pela paz, pela alegria, pelo amor / Pelas coisas bonitas, eu vou torcer, eu vou” em um arranjo que destaca uma citara. Benjor participa de “Zazué”, uma espécie de “Charles Anjo 45” versão 2004: “Mas o tempo mudou / O morro mudou / E o futuro de Zazué todo mundo conhece / O seu destino já está escrito”, diz a boa letra. “Dois Namorados “é uma balada exemplar, resumo de um relacionamento sob um arranjo sublime. “Padroeira Debochada” é a colaboração de Fausto Fawcett ao disco, uma letra de bons achados, cujo ápice é o refrão: “Não tem pra Jesus Cristo / Não tem pra ninguém / Nem São Sebastião / No Way”. “A Onça” traz o trio Nação Zumbi Pupilo, Dengue e Lúcio Maia, além de um rap de Black Alien (e a linda frase “O meu olhar esquadrinhando a selva urbana / o coração de quem não come há uma semana”). Pra fechar, dois sambas de lavar a alma: “Sou Brasileiro” – que conta com a participação de Mart’nalia – e o clássico “Não Deixe o Samba Morrer”. Lançado pelo selo da própria cantora, “Na Paz” coloca a música brasileira na linha de frente do melhor do pop mundial. De produção matadora e letras inteligentes, eis um disco que flagra Fernanda Abreu reverenciando o passado sem esquecer que o futuro está ali na porta, olhando nos olhos. Ela não foge do olhar, só espera que ele esteja armado… de flores.

Nota: 9,5

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