Cinema: Com atuação brilhate de Virginie Efira, “Tudo ou Nada” retrata complexidades da maternidade solo

texto de Renan Guerra

Sylvie (Virginie Efira) mora em Brest, na Bretanha, com seus dois filhos, Sofiane e Jean-Jacques. Mãe solteira, Sylvie trabalha durante a noite como bartender de uma boate, porém é numa dessas noites que a polícia bate à porta de seu trabalho. Sozinho em casa, seu filho Sofiane havia decidido fritar batatas e acabou por quase explodir o fogão e ganhou uma grande queimadura. Essa cena faz com que Sylvie seja denunciada para a assistência social, gerando o afastamento de Sofiane e o início de uma jornada barra pesada na vida de toda a família. Esse é o ponto de partida de “Tudo ou Nada” (“Rien à perdre” no original), longa-metragem de estreia de Delphine Deloget que foi exibido na mostra Un Certain Regard, do Festival de Cannes de 2023.

Com roteiro de Deloget em colaboração com Camille Fontaine e Olivier Demangel, “Tudo ou Nada” até tem alguns momentos de leveza e seus toques de humor, porém suas duas horas de duração beiram a tensão constante. O afastamento de Sylvie de seu filho gera uma complexa e delicada discussão que tem múltiplos lados. Acompanhamos a narrativa pela perspectiva de Sylvie e seus filhos, por isso entendemos de forma direta que o afastamento familiar não é a melhor situação para aquela família e pendemos a detestar as ações realizadas pela assistência social; por outro lado, entendemos que as ações da assistência social tem um motivo claro e direto que é evitar que crianças em possíveis situações de vulnerabilidade ou violência sofram ainda mais.

De todo modo, uma narrativa que poderia ser de cartas marcadas – Sylvie é uma boa mãe, o sistema falhou com ela -, ganha muitas nuances no desenrolar de “Tudo ou Nada”. E todas essas nuances ganham corpo com a atuação certeira de Virginie Efira, nome central do cinema recente francês que estrelou filmes importantes como “Sibyl”, da premiada Justine Triet, e o polêmico “Benedetta”, de Paul Verhoeven. Neste novo filme é sobre Efira que cai toda a responsabilidade de humanizar essa mãe protagonista, dando camadas para uma história que traz em seu roteiro uma melindrosa dubiedade. A personagem Sylvie nos é apresentada como uma boa mãe que, distante dos pais de seus filhos, cria uma rede de apoio para tentar dar conta da criação de um filho criança e outro adolescente. Porém ao desenrolar da trama entendemos que Sylvie também tem seus problemas, suas inseguranças, seus erros e suas complexidades, porém isso faz dela uma mãe ruim?

“Tudo ou Nada” poderia se transformar em um filme de tribunal, levando as questões legais desse afastamento de Sylvie de seu filho, porém a narrativa de Deloget prefere outro caminho e o que temos na tela é um filme sobre famílias disfuncionais e sobre afetos. Durante toda sua jornada, Sylvie precisa, de modos estranhos, se reaproximar de seus irmãos e também reavaliar sua maternidade, revendo ações e atitudes, revisitando feridas e considerando seus erros e acertos. Nesse processo destacam-se os parceiros de cena de Efira: o jovem Félix Lefebvre (que foi indicado ao prêmio César de melhor jovem ator em 2021 por “Verão de 85”, de François Ozon) e que interpreta o adolescente JJ brilhando em suas cenas; já Mathieu Demy surge de forma bem delineada na perspectiva de irmão cheio de complexos e réguas morais dúbias; além disso, destacamos também India Hair, que tem nas mãos a complexa função de interpretar uma assistente social quase vilanesca.

Não vamos nos alongar nos detalhes e nos caminhos que “Tudo ou Nada” trilha, porém podemos afirmar que esse é um filme sutil e complexo, que toca em locais delicados sobre as relações familiares e que faz o espectador remexer no seu próprio baú de memórias, por isso a dica final é: leve seu lencinho para a sala de cinema!

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava.

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