Três filmes: Trago Comigo, Ave Cesar…

por Marcelo Costa

“Ave, Cesar!”, dos Irmãos Coen (2016)
Na Disneylândia cinematográfica chamada Hollywood, a obra dos irmãos Joel e Ethan Coen é o que mais se aproxima de uma enorme montanha russa com picos elevados de genialidade e descidas abruptas de descaso. Se o primeiro grupo é responsável por obras primas irretocáveis do cinema mundial nos últimos 20 anos (“Fargo”, “O Homem Que Não Estava Lá”, “E Aí, Meu Irmão, Cadê Você?”, “Onde os Fracos Não Têm Vez”), o segundo traz filmes que se caracterizam por uma diversão esquecível, ainda que pontuada aqui e ali pelas sábias ironias da dupla, que não se sustentam como obra fechada (“Arizona Nunca Mais”, “Matadores de Velhinhas”, “O Amor Custa Caro”, “Queime Depois de Ler”). Lançado em fevereiro, “Hail, Caesar!” infelizmente pertence ao segundo grupo. No piloto automático, os Coen juntam um elenco de sonhos (George Clooney, Josh Brolin, Scarlett Johansson, Channing Tatum, Tilda Swinton, Ralph Fiennes, Jonah Hill, Christopher Lambert) e os lança na Hollywood dos anos 50, milésimos de segundo antes do declínio dos anos de ouro do cinema. Há um olhar terno, ainda que sarcástico e crítico (afinal são os Coen), à indústria do cinema (diferente da crítica cruel exibida pela dupla em “Barton Fink”), mas a sensação final é de que sobra muita gordura nas 1h40 de projeção (há uns quatro filmes diferentes – e com enorme potencial – dentro de “Ave, Cesar!” e nenhum deles é desenvolvido a contento), o que faz com que a trama arrastada perca força e os bons momentos (um beijo, Frances McDormand) se alternem com grandes bocejos.

Nota:4

Leia também:
– “Onde os Fracos não Tem Vez”: pás de cal sobre a fé no mundo (aqui)
– O humor contido transforma “Um Homem Sério” em grande filme (aqui)
– “Bravura Indômita”: Reverência ao gênero matou a irreverência dos irmãos (aqui)
– Três filmes: “Gosto de Sangue”, “Arizona Nunca Mais” e “Barton Fink” (aqui)
– Lista: de “Fargo” em primeiro até  “Queime Depois de Ler” em 15º (aqui)

“Os Novos Mestres Cervejeiros”, de Thomas Kolicko (2013)
Produzido em 2013 após um financiamento coletivo que arrecadou 3 mil dólares no Kickstarter e disponibilizado no Netflix Brasil em 2016, “Crafting a Nation” (o título nacional se inspira na série imperdível comandada por Sam Calagione, da Dogfish Head, exibida na TLC) é, como adianta o nome, um documentário essencialmente Made in USA: a cerveja tem mais de mil anos de história, mas o roteiro está interessado nos últimos 40 anos, quando a revolução das micro cervejarias norte-americanas colocou novamente a cerveja em destaque e fixou o país como a quinta escola cervejeira mais importante da história (atrás das clássicas escolas alemã, belga, inglesa e tcheca). Em meio a cases de sucesso (“Não ache que foi fácil: nós suamos para chegar aqui”), o grande mérito de “Crafting a Nation” está em defender – com belas imagens, depoimentos sinceros e uma trilha delicada – as principais bandeiras da cerveja artesanal como a independência, a criatividade, o apoio à cena local (“Local supports Local!” é o lema) e a união dos cervejeiros. Num dos trechos bacanas do filme, Scott Metzger, da Freetail Brewing, da cidade de Santo Antonio, conta da dificuldade de ser cervejeiro no Texas (devido a leis e restrições): “Segundo a lei, posso vender minha cerveja no meu brewpub, mas não em uma loja de conveniência da minha cidade ou mesmo no restaurante ao lado. Eu poderia, no entanto, abrir uma cervejaria no estado vizinho e vendê-la aqui no Texas”, ele conta. “Mas prefiro batalhar pra tentar mudar a lei”, conclui. Para assistir (ter sede) e respeitar muito o corre dessa galera.

Ps. No canal do filme no Youtube há extras e alguns Webepisodes. Assista aqui

Nota: 7

Leia também:
– “A Mesa do Mestre Cervejeiro”, de Garrett Oliver, dá sede e água na boca (aqui)
– Ranking: 1001 cervejas pelo editor do Scream & Yell (aqui)

“Trago Comigo”, de Tatá Amaral (2016)
Logo na primeira cena, o premiado diretor de teatro Telmo Marinicov (Carlos Alberto Riccelli) está sendo entrevistado para um documentário sobre a ditadura no Brasil (da qual ele foi uma vítima direta) e praticamente congela após ouvir o nome de uma mulher (“que deve ter sido sua companheira”), Lia. Esse é o ponto de partida para que Telmo passe a resgatar a memória, até então encolhida num canto da alma, de um período trágico de sua história, no âmbito particular, e do Brasil, como um todo. A trama de “Trago Comigo” constrói-se, então, sobre uma narrativa didática dos anos de ditadura com base em um jovem grupo de teatro que está encenando (e debatendo) uma nova peça de Telmo, e que funciona como uma terapia em grupo que envolve não apenas diretor e atores na tela, mas também o espectador na sala de cinema e – mesclando realidade e ficção – pessoas que foram torturadas na época através de depoimentos reais. Montado a partir da série homônima realizada e veiculada pela TV Cultura e SescTV em 2009, este delicado, forte e importante “Trago Comigo” é o segundo filme consecutivo de Tatá que trata das sequelas da ditadura brasileira e estreia atualíssimo (infelizmente), já que o único torturador reconhecido pela Justiça brasileira foi homenageado por um deputado em rede nacional numa votação, e seu livro está entre os mais lidos no país hoje. “Trago Comigo” reacende este importante debate e busca trazer à tona histórias de tortura (através da hastag #?TragoComigoUmaLembrança)?, pois o Gigante (que “esqueceu” sua própria história ou mesmo não a conhece) precisa seguir em frente dignamente.

Nota: 8

Leia também:
– “Botão de Pérola” pega espectador de surpresa e emociona tanto quanto enraivece (aqui)
– Assista no Vimeo: “Verdade 12.528”, de  Paula Sacchetta e Peu Robles (aqui)

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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4 thoughts on “Três filmes: Trago Comigo, Ave Cesar…

  1. Onde assistiu essa versão de 2h20? vi ontem no telecine play a versão normal que não chega a 1h40 e até li críticas por ter tantos personagens e sub-tramas mal explicadas e mal resolvidas num filme tão curto e que não tem a ver com o plot principal.
    Gosto dos Coen, mas essa obra ficou aquém mesmo, tanto que não assistiria de novo.

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