Primavera Sound: black midi vai do inferno à Broadway em show insano e divertido

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

Na versão catalã, berço do Primavera Sound, há uma intensa integração do festival com a cidade. Muitos shows escalados para o evento ocupam pequenas casas tanto quanto a produção reserva dias especiais para o Arco do Triunfo e o Poble Espanyol, dois pontos marcantes de Barcelona, e boa parte dessa programação é oferecida de maneira gratuita para cidadãos e turistas, como se o Primavera estivesse não só agradecendo, mas retribuindo o carinho barcelonês. Conhecido como Primavera na Cidade, esses side shows também integram a programação do festival nas cidades em que ele acontece fora da Espanha, São Paulo incluso. E a programação 2023 veio caprichada, com vários shows internacionais – ao contrário da edição de 2022, total brazuca.

O primeiro Primavera na Cidade de 2023 foi aberto pela banda Pluma, quarteto paulistano de indie pop com sotaque bem brasileiro surgido do TCC dos integrantes na faculdade de Produção Fonográfica – que não deve ter focado apenas em música, pois a cuidadosa iluminação própria levada ao Cine Joia também merece destaque. Com três EPs e vários singles, Marina Reis (vocal), Diego Vargas (teclado), Guilherme Cunha (baixo) e Lucas Teixeira (bateria) – isso mesmo, a banda não tem guitarra – mostraram um som elegante, mais correto e dançante do que cabeçudo, diante de uma plateia atenta, que cantou “Quero Ficar”, “Leve” e “Esquinas”, além de receber bem canções aparentemente inéditas (como a do vídeo abaixo flagrado por Bruno Capelas), que devem estar no vindouro primeiro álbum do grupo.

Passava de 22h30 quando a voz do narrador de boxe presente no single “Sugar/Tzu” (do álbum mais recente dos caras, “Hellfire”, de 2022) ecoou no ambiente mixada com… “Anunciação”, de Alceu Valença. O quarteto entrou em cena dançando, pulando e fazendo farra para dar o tom, desde o primeiro minuto, daquilo que o público ia ouvir nos mais de 100 minutos seguintes. A faixa de abertura, “953”, que também abre o primeiro disco da banda, “Schlagenheim”, de 2019, surgiu como uma motoserra fatiando a atmosfera do Cine Joia, e em menos de dois minutos já haviam rodas de pogo sacudindo a pista do velho cinema. “Speedway” funcionou como três minutos de refresco, ainda que o público estivesse pulando e pulasse ainda – agora fazendo corinho – no single “Crow’s Perch”.

Como pontuou o fotógrafo Fernando Yokota, a sensação é de que eles estão “desmontando a música e montando tudo diferente, igual quando a gente descobre que dá pra montar outras coisas com o Lego ao invés da figura da foto da embalagem”. Essa montagem combina coisas aparentemente absurdas numa mesma canção, que pode unir timbres de classic rock, bateria tribal, vocal falado de maneira sarcástica, suspiros noise, passagens de jazz e muito mais. A sensação é de que a banda, em muitos momentos, soa uma versão “quase séria” de esquetes do Monty Python com a música pistolando desde o pós hardcore de riffs áridos do Helmet passando pelos fraseados quase Disney das canções do Rush e chegando até Broadway e ao noise. Parece uma salada indigesta, não é mesmo? Mas é extremamente divertido.

Parte do charme do show vem da postura nonsese da banda. O vocalista e guitarrista Geordie Greep usa um daqueles bigodinhos ralos e alterna o tom de voz entre o esganiçado (uma coisa meio Pato Donald… ou Geddy Lee), o melódico e o teatral. De postura mais nerd, com camisa de botões e mangas compridas, Cameron Picton (que é o baixista original da banda) se alterna entre guitarra, teclados e canta algumas canções – em determinados números, ele assume o baixo para que o baixista de turnê, Seth “Shank” Evans, todo molecão de camiseta regada e muita empolgação, vá para os teclados. A cereja do bolo e a condução perfeita de bateria de Morgan Simpson, que consegue acompanhar – de maneira impressionante – e acrescentar nuanceas às maluquices de Greep.

O set valorizou o terceiro e mais recente trabalho do grupo, “Hellfire”, de 2022, do qual eles tocaram seis músicas, mas houve espaço também para canções dos dois discos e citações cômicas, como “Easy Lover”, sucessão de Phillip Bailey com Phil Collins, dentro de “Lumps”, uma canção inédita na discografia de estúdio da banda, mas presente em “Live Fire” (2022), registro de um show dos caras no Primavera Sound Porto do mesmo ano. E, ainda, o tradicional fechamento farrista com “John L”, que nessa noite contou com um medley tosquíssimo de “Funkytown”, “Take Me Out”, “Sweet Child O’Mine” e “Around The World”, encerrando uma noite de “whiskey, onions and cachaça” (Greep adaptou a letra de “Eat Men, Eat” ao Brasil) em que o público pogou até nos acordes melodiosos.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: http://fernandoyokota.com.br/

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