Ao vivo em São Paulo, quatro dias, cinco shows: Metá Metá e Quartabê, Pullovers, Bike e Las Ligas Menores, Pato Fu

texto por Marcelo Costa
fotos por Fernando Yokota

São Paulo é daquelas cidades que, caso você seja apaixonado por música ao vivo, você consegue ver um bom show (quase) todas as noites. E o assunto aqui não é show de bandas covers (também tem), mas artistas autorais de qualidade, gêneros, idades e fases completamente diferentes, para quem tem a cabeça aberta e o coração batendo forte. Nesta primeira semana de agosto, no entanto, a coisa ficou séria: quando o Pato Fu confirmou um show na Audio para 04 de agosto, brinquei com amigos: “Minha festa de aniversário – 05/08 – será nesse show, hein”. Alguns se animaram e garantiram ingressos, mas não esperávamos que a semana fosse ser tão agitada. Logo vieram as confirmações de Metá Metá com Quartabê, Pullovers e Las Ligas Menores com abertura de Bike – e apenas por um descuido ficou de fora o show de Maria Beraldo na segunda-feira, porque ficaria bonito presenciar seis shows de alto nível de segunda a sexta-feira nessa capital insana (vai acabar sendo assim, já que logo mais chega texto sobre a apresentação de Baby do Brasil no sábado… ainda que não seja meu)… mas tudo bem, outras semanas virão, não é mesmo. Vem comigo!


TERÇA-FEIRA – 01/08/2023 – SESC PINHEIROS
METÁ METÁ + QUARTABÊ

Buscando subverter linguagens consagradas, como atesta o inspirado texto em seu site oficial, o CHIII – Festival de Música Criativa, abriu sua quarta edição de maneira audaciosa, colocando no palco do charmoso teatro Paulo Autran, no Sesc Pinheiros, duas formações conhecidas por não se renderem ao comum: Metá Metá e Quartabê. A primeira até lançou um single em 2023 e está sempre na estrada, mas fonograficamente parece hibernar enquanto seus músicos arriscam impressionantes aventuras solo (os últimos álbuns cheios do grupo – a trilha sonora “Gira” e o “EP 3” – datam de 2017). A segunda também vive um momento de hibernação discográfica com seus integrantes em carreira solo – o último disco, “Lição 2: Dorival”, saiu num distante 2018. Mas a ideia, nessa noite, não é olhar para a discografia das duas bandas, e sim para o… agora. Metá Metá e Quartabé, devidamente perfilados, foram convidados para fazer uma jam session instrumental improvisada em frente ao público (os 800 ingressos gratuitos voaram). O que se viu em cena pode facilmente ser definido como “fritação”, e das boas, com Kiko Dinucci (violão e efeitos), Juçara Marçal (vocais), Thiago França (saxofone), Maria Beraldo (clarinete e clarone), Joana Queiroz (clarinete e clarone), Chicão (teclados) e Mariá Portugal (bateria) levando a plateia por longas viagens improvisadas. A vontade era fechar os olhos e deixar-se levar pelos sons, mas o desejo de um registro foi mais forte e, 21 minutos depois (assista abaixo) e boquiaberto, só restava sorrir. E, então, fechar os olhos e seguir de mãos dados com o septeto na viagem. Um showzão.

 

QUARTA-FEIRA – 02/08/2023 – FFFRONT
PULLOVERS

Em 2009, meses após lançar seu quarto e melhor trabalho, o belo “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”, a Pullovers pendurou as chuteiras. Ninguém entendeu muito bem (em entrevista na época, o líder Luiz Venâncio afirmava “nunca pensamos em ‘acabar’ com a banda”) – o disco viria a aparecer na 10ª posição da votação de Melhores do Ano do site –, mas o fato é que o grupo entrou em recesso e Luiz até tentou um novo projeto, O Cantor Mudo e a Sonora Vaia, que não decolou. Eis que 14 anos depois, a Pullovers anuncia um show de retorno, com os 80 lugares do FFFront esgotando rapidamente. Uma data extra foi marcada e novamente os ingressos evaporaram. Estamos vivendo uma febre Pullovers? Bem, pode ser: “Tudo Que Eu Sempre Sonhei”, a emblemática faixa título do álbum, está batendo nos 4 milhões de plays no Spotify e, segundo Luiz Venâncio no show, foi descoberta pela geração TikTok, o que explica o público jovem na plateia. No FFFRont, o sexteto original fez um show delicioso, com coro do público em diversas faixas, instrumental impecável, single novo (“Não Me Mate”), música inédita (“Anti-Deprê”), cover desleixado do Pixies (“Velouria”) e caprichado de Lulina (“Nós”), participação de Marcelo Perdido (“Trabalhar na MTv”) e observações certeiras (“Cancelem o ‘vestiu a amarela’ de ‘O Amor Verdadeiro Não Tem Vista Para o Mar’, por favor”, brincou Luiz) numa daqueles apresentações leves que deixam o público sorrindo ao final. A boa notícia: já tem outro show marcado! Seja bem-vindo de volta, Pullovers.


QUINTA-FEIRA – 03/08/2023 – CINECLUBE CORTINA
BIKE + LAS LIGAS MENORES

Antigo estacionamento coberto na região central de São Paulo convertido em espaço cultural em 2022 (essa moda bem que podia pegar, hein), o Cineclube Cortina vem chamando a atenção com uma programação caprichada de shows e filmes além de interessantes drinks autorais. Nesta quinta-feira, o espaço recebia a brasileira Bike e uma das sensações da nova cena indie argentina, o quinteto Las Ligas Menores. A Bike, que teve seu novo disco, “Arte Bruta” (2023), como destaque do Scream & Yell para os sites parceiros da Aliança Ibero-Americana Faro em maio, mostrou competência em uma apresentação rápida (40 minutos) e coesa, com o último álbum sendo tocado na integra quase que como uma longa suíte. A bat-macumbiana “Santa Cabeça” foi um dos destaques do bom set. Na sequência, e diante de um bom público, Las Ligas Menores mostrou que é ainda mais interessante ao vivo do que em disco, acelerando os arranjos enquanto tentava disfarçar a timidez. No trauma que se seguiu após a tragédia de Cromañón, a cena musical argentina arrefeceu, e cresceu novamente e lentamente conforme a El Mató a un Policía Motorizado crescia. Las Ligas Menores surgiu na esteira do sucesso local do El Mató, e a influência é enorme, credenciando ainda mais o grupo liderado por Anabella Cartolano (voz e guitarra). “Qualquer reação que recebermos parecerá muito positiva”, confessava a tecladista Nina Carrara em conversa com o Scream & Yell, e a grande festa do público em canções como “A 1200 Km” devem ter impressionado mais do que positivamente o quinteto numa noite impecável (que também teve cover de Pixies no set list).


SEXTA-FEIRA – 04/08/2023 – AUDIO
PATO FU

Com disco novo fresquinho nas plataformas (“30”), turnê comemorativa de 30 anos e show em noite de aniversário do resenhista, até o som impressionantemente baixo na Audio, ainda que frustre, pode ser perdoado. A solução? Colar na beira do palco para admirar o mise en scène delicioso de uma das melhores bandas surgidas nesse país desde sempre: Fernanda Takai, alternando entre a guitarra, o violão e a voz, encanta e em diversos momentos olha apaixonada no final de um verso para John Ulhoa, o marido genial guitarrista e principal compositor da banda, que repete o gesto olhando para ela diversas vezes após alguma passagem instrumental. Em certo momento, enquanto show John sola belamente (é um show à parte acompanhar a condução do guitarrista), Fernanda, aparentemente para não se distrair, olha para o outro lado do palco e encontra o baixista Ricardo Koctus tocando seu instrumento quase sobre a cabeça e ri como que imaginando “que banda deliciosamente maluca é essa?”. Completam o quinteto o baterista samurai Xande Tamietti (felizmente de volta) e o tecladista Richard Neves. O set list, generoso, surpreende desde o começo com “Spoc” abrindo a noite e trazendo em seguida “O Processo de Criação Vai de 10 Até 100 Mil”. Os hits marcam presença (“Sobre o Tempo”, “Depois”, “Ando Meio Desligado”, “Eu”, “Canção Para Você Viver Mais”, “Made in Japan”, “Perdendo os Dentes”) assim como diversos lados b maravilhosos (“Licitação”, “Menti Pra Você”, “Vida Imbecil”, “Água”, “Simplicidade”) e três músicas novas (“Silenciador”, “No Silêncio” e “Diga Sim”) mas a presença massiva do público, que lotou a Audio, é o melhor resumo dessa noite, porque se o Pato Fu tem um público desses, o mundo ainda tem jeito. Vida longa a essa banda incrível.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.
– Fernando Yokota é fotógrafo de shows e de rua. Conheça seu trabalho: instagram.com/fernandoyokota/

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