Mojo Book 072: “Alucinação”, de Belchior, recontado por Henrique Marques-Samyn

16 anos atrás, Danilo Corci e Ricardo Giassetti decidiram fazer uma pergunta: e se um disco virasse literatura? Nascia a Mojo Books, primeira editora 100% digital do Brasil, que de dezembro de 2006 até dezembro de 2012 explorou de maneira diversificada essa possibilidade, lançando mais de 130 volumes de livros inspirados em discos.

A partir de 2022, o Scream & Yell passou a republicar os livros da Mojo buscando manter o acervo da editora online (enquanto também estivermos online). A ideia é ter toda semana um livro “novo” da Mojo sobre um disco disponível! O 72° volume da série (conheça os anteriores) é dedicado a “Alucinação”, disco clássico gravado por Belchior e lançado pela Polygram em 1976.

Com jeitão de “Greatest Hits”, “Alucinação” traz os maiores sucessos da carreira de Belchior, alguns deles imortalizados em versões de outros interpretes (como Elis Regina), mas que naquele álbum encontravam na voz roufenha de seu compositor a honestidade de um homem que acreditava que “amar e mudar as coisas” interessava mais, muito mais. Faça o dowload desse Mojobook em PDF ou leia online aqui.

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Viram-no longe, o olhar perdido, em meio à imensa rodoviária. Trazia a barba malfeita, a roupa surrada, o corpo rançoso – não por descuido, nem por escolha: só isso restara depois da viagem. Pois viera encaixotado na boléia do caminhão, feito um bicho em meio às sombras, o corpo coberto de pó: trazendo a coragem e a cara, viajando no pau-de-arara – na mão, de malota, o saco; no peito, guardado o nó. Vendo-o assim, vestígio de gente, cravaram-lhe olhares retortos: muitos julgaram-no ébrio, mendigo, coisa do tipo – era tudo menos isso, mas a quem poderia falar? Do bolso tirou o papel, fracas letras, mal se lia: apagado o endereço, mal se via o tosco mapa, teria que dar seu jeito. Aflito, sentado no banco, fitou-o, releu-o outra vez; amassou-o, meteu-o no bolso, agitou outra vez a cabeça – percorreu, de ponta a ponta, a luminosa rodoviária. De início, olhavam-no, hostis; depois, deixaram de vê-lo. Fizera-se, talvez, invisível.

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