Entrevista: Zebrinha fala sobre invisibilidade, racismo e o documentário “Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia”

entrevista por João Paulo Barreto

José Carlos Arandiba, carinhosamente conhecido como Zebrinha, logo nos primeiros minutos dessa entrevista com o Scream & Yell, fala sobre a necessidade de reverberar as histórias de vida que o vasto leque de nomes que seu filme, o documentário “Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia”, destaca dentro da expressão artística no nosso estado. Mas, consciente da riqueza e da grandiosidade de seu tema, afirma: “Gosto de dizer que comecei uma canção que eu sei que não vou terminar. Mas meus netos irão terminar. Meus alunos irão terminar essa canção. A gente só está no começo. Eu estou com quase 70 anos e estamos no começo do contar dessa história,” pontua Zebrinha

Dono de uma biografia impressionante dentro da arte da Dança, com mais de 40 anos dedicados a ela, Zebrinha traz para essa sua estreia como documentarista um olhar aguçado para um tema de pesquisa histórica que define sua carreira e muito de sua luta como professor, bailarino, coreógrafo e diretor artístico: a luta contra o esquecimento das pessoas que ajudaram a construir esse movimento. “O projeto começou por uma grande coincidência. Tinha muito tempo que eu sentia vontade de contar as nossas histórias. As histórias que não são contadas. Aí vem esse termo da invisibilidade que está muito na moda. Mas, às vezes, as pessoas não sabem, as pessoas não pretas não sabem o quanto é dolorido para a gente se sentir assim”, explica Zebrinha ao falar sobre como se deu o início da ideia que culminou neste lançamento.

“Lembro de, um dia, na Praça da Sé, em Salvador, encontrar com Amazonas (Altair Amazonas e Silva), que é a primeira entrevistada pelo filme. Eu olho para ela e penso: ‘Rapaz, como é que podemos esquecer essa pessoa? Uma pessoa que nos anos 1970 era o ícone da dança aqui na Bahia?'”, relembra Zebrinha ao falar do embrião de sua história. “Amazonas é uma mulher supertalentosa que dançava em muitos grupos folclóricos, como Furacões da Bahia, Olodumaré. Fora isso, era uma mulher que tinha uma altivez. Ela saia ali daquele Teatro Castro Alves e era impossível você não virar para olhar. E eu pensei: ‘Como é que as pessoas são esquecidas?'”, complementa o diretor.

Partindo desse resgate da memória, o cineasta elenca um número expressivo de ícones da Dança Negra na Bahia. Além de Amazonas, artistas da dança como Clyde Morgan, Luiz Bokanha, Renivaldo Nascimento, conhecido como Flexinha, Elísio Pitta, Edileusa Santos, Inacyra Falcão, Ivete Ramos, dentre muitos outros que trazem em seus depoimentos um vislumbre da trajetória daqueles grupos. “Eu acho que a gente vai ter que fazer um outro filme, um ‘Memórias da Dança 2’”, explica Zebrinha. “Porque não é nem questão de agraciar ninguém, mas é que existem muitas histórias a serem contadas. E via esse caminho. Via preto construindo histórias de outros pretos, e não mais um tratado onde nós não somos protagonistas nem roteiristas. Esse é o meu grande mote, a minha grande urgência, e o que eu acho que é importante nesse projeto. Uma pesquisa de olhar para trás com muito cuidado, pois percebi que, por conta da idade, as pessoas estavam indo embora. Então, a gente tinha que ter uma urgência em fazer isso”.

“Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia” tem sua força não somente nesse resgate histórico através de depoimentos sobre aquele processo de construção artístico, bem como em um rico acervo de imagens de arquivo, mas, também, na força das palavras que denunciam o racismo e o preconceito pelo qual muitas daquelas pessoas passaram. Em certo momento do filme, Luiz Bokanha relata o momento em que uma diretora do balé onde ele ainda adolescente estudava, questionou sua presença no local sob o argumento de que o lugar de pessoas como ele era na feira como vendedor de limão, e não sendo artista.

“Ele, adolescente, ouvir aquelas palavras daquela senhora. Um adolescente! Talvez seja uma força ancestral que esse cara sai dali e constrói uma das carreiras mais bonitas que existem nesse país. Ele vai dançar no balé de Lausanne, no balé de Lyon, em vários lugares, isso depois de tudo aquilo que ele ouviu e tudo o que lhe foi negado na Bahia .Essa denúncia é urgente porque ela não acontecia na época”, explica Zebrinha.

Ao final, diante de um depoimento pungente do professor e coreógrafo estadunidense Clyde Morgan, um dos mentores de Zebrinha, este afirma que o outro mestre baiano representa seu investimento para o futuro, sua poupança, como ele bem coloca. O momento é coroado com um pedido de benção e um abraço emocionado. O fechamento tenro ecoa pela frase forte de Spike Lee, citado ao final de maneira a definir o que Zebrinha quis trazer com seu trabalho. “Não acredito que o racismo possa ser eliminado durante o resto da minha vida, na da vida dos meus filhos, nem da dos meus netos. Mas acredito que devemos nos esforçar para isso. Continuarei trabalhando para que este dia chegue”, diz Spike Lee em suas aspas. O encontro de dois mestres em suas sabedorias e lutas se torna evidente.

No papo abaixo, Zebrinha aprofunda sua experiência de vida à frente de tão essencial luta e em sua estreia como cineasta. Confira!

Após tantos anos de dedicação à dança, como surgiu a motivação para dirigir o documentário “Ijó Dudu – Memórias da Dança Negra na Bahia”?
Tudo começou por uma grande coincidência. Tinha muito tempo que eu sentia vontade de contar as nossas histórias. De verdade. As histórias que não são contadas. Aí vem esse termo da invisibilidade que está muito na moda. Mas, às vezes, as pessoas não sabem, as pessoas não pretas não sabem o quanto isso é dolorido pra gente. O quanto é dolorido você se sentir assim. Um dia, andando na Praça da Sé (N.E. região localizada no Centro de Salvador), encontrei Amazonas, que é a primeira entrevistada pelo filme. Olho para ela e penso: “Rapaz, como é que podemos esquecer essa pessoa? Uma pessoa que, nos anos 1970, era o ícone da dança aqui na Bahia?” Ela era uma mulher que era supertalentosa, dançava muito nos grupos folclóricos, como Furacões da Bahia e Olorumaré. Fora isso, era uma mulher que tinha uma altivez, velho! Ela saia ali daquele Teatro Castro Alves e era impossível você não virar para olhar. E eu pensei: “Como é que as pessoas são esquecidas?” E foi a partir daí que comecei essa pesquisa de olhar para trás. Claro que conheço a maioria dessas pessoas. Foi uma pesquisa de olhar para trás com muito cuidado, pois percebi que, por conta da idade, também, as pessoas estavam indo embora. Então, a gente tinha que ter uma urgência em fazer isso. Minha pesquisa começou aí. E digo uma coisa a você: acho que a gente vai ter que fazer um outro filme, um ”Memórias da Dança 2″. Porque não é nem questão de agraciar ninguém, mas é que existem muitas histórias a serem contadas. E via esse caminho. Via preto construindo histórias de outros pretos, e não mais um tratado onde nós não somos protagonistas nem roteiristas. Esse e o meu grande mote, a minha grande urgência, e o que acho importante nesse projeto. Eu tenho um projeto seguinte e pretendo chegar até os mais novos com ele.

Trata-se, então, de um documentário de resgate histórico tanto do movimento de construção da dança na Bahia quanto das pessoas que ajudaram a construi-la.
Sim. E são muitas as pessoas que participaram desse movimento da construção da dança preta na Bahia e eu não as vi mais. E eu pergunto se temos notícias delas. Nas minhas pesquisas, essas pessoas desapareceram. Não existe registro. Um exemplo que eu acho criminoso é o do grupo Os Tropicais. Trata-se de um grupo de maior importância que essa terra teve, que a Bahia teve. Nós não temos registros dele. No documentário, temos poucas falas de alguém que participou desse projeto, como Eurico de Jesus, como Lindete Souza, como Luiz Bokanha, mas não existe nenhum documento sobre esse grupo que enchia a Concha Acústica, que era disputado na Sala do Coro do Teatro Castro Alves. Todo mundo tinha que ver esses meninos dançarem. E não tem registro disso. Por isso que temos que começar a tomar cuidado com isso agora. Se você perceber, no Glossário da Dança na Bahia, esses registros têm quase todos. Só não existe registros da dança preta. Várias pessoas de quem eu não consegui achar rastros. Pessoas que eu não sei se já foram, ou se saíram do cenário, não dão mais notícias. Muitos deles que poderiam estar aí, ensinando para os mais novos. E o Estado não deu suporte às pessoas para continuarem essa carreira, inclusive servirem de instrutores para os mais jovens. Existem vários hiatos na dança. Vários. E isso me deixa preocupado.

O filme traz entrevistas com várias fontes que trazem denúncias relacionadas ao racismo. Há exemplo de pessoas entrevistas que passaram por isso, de estarem em locais em que eram vistas pelas pessoas que estavam ali coordenando como intrusos, como bem colocam em suas falas, como pessoas que não pertenciam àqueles lugares. E em resistência, em mostrar talento, um talento palpável, conseguiram sobressair-se desse racismo sofrido naqueles locais. O filme, nesse sentido, como denúncia, também tem essa missão para você?
Nós somos muitos baianos e brasileiros pretos. Não diria que somos submissos, mas somos muito de aceitar as coisas. Existem histórias cruéis ali. Eu não sei como essas pessoas não se rebelaram, como essas pessoas não foram bater de frente contra o sistema. Acho que faltou suporte para poder reagir àquilo. Por exemplo, Luiz Bokanha. Ele adolescente ouvir aquelas palavras daquela senhora. Um adolescente! Talvez seja uma força ancestral que esse cara sai dali e constrói uma das carreiras mais bonitas que existem nesse país. Ele vai dançar no balé de Lausanne, de Lyon, em vários lugares, isso depois de tudo aquilo que ele ouviu e tudo o que lhe foi negado na Bahia. Essa denúncia é urgente porque ela não acontecia na época. Comigo mesmo. Não era nem o caso de aceitar, mas é que não havia armas para lutar. Não havia internet, também. Nós não éramos levados à sério. Nossos discursos não eram levados à sério. Era tudo muito normal. Eu tive uma experiência outro dia, inclusive com Luiz, um encontro que tivemos na escola de dança da universidade e ele contando aquilo tudo que ele conta no filme, e conta um pouco mais. E as pessoas riam. Achavam aquilo engraçado. E quando questionei, eles diziam: “Ah, Zebrinha, você precisa entender que a época ali era outra.” Existe essa grande desculpa de que a época era outra e que aquilo era permitido fazer. E tem que explicar que aquilo era crime. Foi crime antes e será crime depois. Mas as pessoas até hoje não encaram isso como se fosse uma falta de respeito, uma agressão. Faz com que as pessoas acreditem que esse tipo de racismo faz parte do cardápio de qualquer preto para sobreviver nesse país. Se você bater de frente, você não vai andar.

Você encerra o documentário com uma fala muito potente do Spike Lee falando sobre não crer que o racismo seja eliminado durante sua vida ou a vida dos seus filhos e netos, mas que a luta é constante. O seu filme corrobora muito essa fala como sendo um modo de expressar justamente esse momento. E vendo a fala do Spike Lee ao final, eu lembrei do encerramento de “Infiltrado na Klan“, quando ele encerra com as imagens reais dos crimes de ódio que aconteceram nos Estados Unidos em 2016. Acaba que o filme do Spike Lee se tornou o documento de uma época que vai ser visto no futuro como um retrato preciso daquele momento. Você me falou agora a pouco sobre a necessidade de resgatar a memória da arte da dança, das pessoas que a construíram, pessoas que passam e passaram por situações de racismo. E seu filme tem essa força que reverbera para o futuro, podendo ser revisitado do mesmo modo. Na criação do seu documentário, você percebeu essa força logo de cara?
Tem alguns pontos em relação a isso que você falou que quero abordar. Normalmente, quando nós pretos aqui no Brasil falamos as nossas dores, é igual você tomar bebida forte. Você tem que diluir isso com alguma coisa para poder se tornar palatável. Uma outra coisa é que quando um preto fala das suas próprias dores, ele não é ouvido. Quando um branco fala da dor do preto, ele é ouvido e ele é ovacionado. Outro ponto é que existiram 380 anos de escravidão e após isso, nada mudou. Na Bahia e no Brasil, toda vez que a gente vai falar sobre nossas dores, nossa situação, sobre nós mesmos e nossa história, é sempre assim: “De novo?” Parece que o Brasil é um país cansado de ouvir as nossas histórias. E elas nunca foram contadas. Acho impressionante como a gente vai ao cinema assistir mil vezes a filmes sobre o holocausto. E batemos palmas. E eles estão certos. Acho que a comunidade judaica está certa em não deixar que esqueçam o que aconteceu com eles durante a Segunda Guerra Mundial. Com americanos, vejam quantos filmes sobre a escravidão e quanta histórias sobre pretos são contadas todos os anos. Centenas de histórias. Você abre qualquer plataforma dessas, você vê centenas de histórias sobre pessoas pretas. E aqui no Brasil, ainda é assim. Eu fui muito corajoso em relação a isso, pois as pessoas chegam e dizem: “de novo?” De novo o que, gente?! Não mudou nada ainda. E a gente tem que contar essas histórias todos os dias. Quando eu sento para pensar em um projeto desses, é muito simples: eu quero que em cada canto dessa cidade, cada aluno meu conte suas histórias. Porque é a mudança. Eu acho que quando você verbaliza essas coisas, quando você verbaliza a história de sucesso ou de insucesso, isso traz mudanças para quem ouve. Por isso que eu acho muito necessário que contemos essas histórias. Gosto de dizer que comecei uma canção que eu sei que não vou terminar. Mas meus netos irão terminar. Meus alunos irão terminar essa canção. A gente só está no começo. Eu estou com quase 70 anos e estamos no começo do contar dessa história. Um exemplo muito pertinente aqui nessa cidade é Mario Gusmão. A história dele é para ser conhecida. Aí quando você fala de Maria Felipa, fala de nossos heróis negros… De vez em quando, quando existe uma data em homenagem a isso, que existe a data especial, é que se fala dessas pessoas e depois não se fala mais. Uma criança preta não sabe quem foi Maria Felipa. E outros e outros… Mario Gusmão foi o cara que revolucionou a arte preta nessa cidade. Foi o cara que mais influenciou pretos nos anos 1970 e 1980 em Salvador, e esse cara não é falado. Escreveu-se um livro, mas ele deveria ser citado a cada vez que você abre a boca para falar de projetos pretos. A cada vez que você abrir a boca em uma sala de aula de teatro, deve começar com “Amém, Mario Gusmão.” E a gente não pensa nisso. É uma figura que vai para o ostracismo. Que a gente não fala nessas pessoas. E quando eu falo isso, é porque essas pessoas construíram História. Essas pessoas pavimentaram a estrada que estamos caminhando. Não é somente a lembrança. Inclusive, os bantos têm um termo que eu acho genial que é bakulo. Bakulos são aquelas pessoas que devem ser lembradas sempre depois que se foram. E isso, para mim, é crucial. Você deve lembrar dessas pessoas todos os dias. Existem outras histórias que foram contadas e que eu acho pertinente, mas pelo tamanho desse documentário, desse tema, deveriam fazer outros filmes em relação a isso. Mesmo que a sociedade rejeite assistir, rejeite ouvir, acho que nós devemos produzir. Inclusive, produzir para o nosso grupo. Produzir para nossos adolescentes, produzir para o nosso povo. Também não estou aqui para agraciar a sociedade como um todo. Eu não quero ser esse cara palatável. Não tem como, não tem por quê. Eu ando na rua e fico muito triste. Nada mudou. Pode ser denúncia poética assim e assado, mas eu acho que nós devemos continuar construindo peças artísticas que falem de nós mesmos. Acho que Tolstói, Voltaire, Kant, Goethe, são todos muitos interessantes, mas a gente não estuda nós mesmos. Eu pergunto para os atores sobre qual dramaturgo africano que vocês se lembram? Ninguém sabe. E ainda ficam naquela de procurar na Europa nossas inspirações, tentar mudar nossas histórias do jeito que eles contam. Até a mesma forma de contar histórias. Eu estava na França há pouco tempo, e eu visitei a família de meu parceiro, e é tão comum a conversa à mesa. Eles não falam nem de ancestralidade. Na conversa, eles iam até Napoleão. E aqui eu não chego até a minha bisavó. Então, vamos contar histórias. Vamos contar as nossas histórias daqui para frente. E eu espero que esse seja o primeiro. Pretendo fazer outros, porque existem ainda muitas coisas que não foram ditas e que precisam ser conhecidas, e talvez aplaudidas, e talvez renegadas, porque, também, não somos donos da verdade. Existem várias verdades, no meu ponto de vista. Existem vários outros pontos de vista, mas as histórias devem ser contadas. E é esse o meu grande objetivo agora. Contar a história toda da gente. Não sou cineasta nem roteirista. Sou só um cara que tem vontade de contar a história dessas pessoas que não são ouvidas nunca.

Mesmo não se considerando cineasta nem roteirista, há muito desse olhar nas imagens captadas para o filme. Nas cenas em que você filma os corpos em movimento, você opta por uma aproximação que coloca a audiência acompanhando aquelas curvas. E há, também, a escolha de uma câmera mais distante. Como foi encontrar esse equilíbrio no que deveria ser evidenciado?
Eu sou muito intuitivo. Mas eu tenho bons mestres. E esses bons mestres, na verdade, foram meus alunos. Agora, esse filme tem muito da visão de Lázaro Ramos. E eu não conversei muito com ele. Mandei um dos últimos cortes para ele, ele assistiu uma parte, por causa do tempo. Ele me falou e eu pedi pra ele para não assistir mais (risos). Movimento de câmera, por exemplo. Eu estava sempre atrás do diretor de fotografia (N.E. Gabriel Teixeira). E a gente ia dirigindo juntos. Mas, sabe, eu vivo isso a minha vida toda. Eu estava assistindo à direção de Lázaro especificamente em “Medida Provisória” e via como as coisas funcionavam. E isso fora da missão dele como artista. Essa questão desse movimento de câmera que vem de filmar corpos, e, inclusive, possui uma queixa muito grande aqui no Brasil que é a gente não saber filmar a dança. Se você assiste a um filme de dança de fora do Brasil, existe uma diferença enorme. Eu acho que não temos nenhuma pessoa treinada nesse sentido de captar o movimento da dança em imagens. Eu já trabalhei com alguns diretores de Fotografia com quem eu aprendi bastante e que se deixam ouvir. E por se deixarem ouvir, eles fazem um trabalho legal. Mas a maioria, pelo menos para captar os movimentos da dança, não. Eu, como dançarino, tenho essa percepção de como o corpo deve ser filmado. Qual é a importância que tem uma anca em certos momentos, ou um cotovelo em certos momentos. E se você perceber, nos documentários de dança, tem muitos pés filmados. Eu não entendo quando o diretor de Fotografia vai filmar a dança e só filma pé, gente! (risos) Haja pé! São fascinados pelos pés dos dançarinos quando tem um monte de coisa para captar em outros lugares do corpo das pessoas. Então, para mim, isso foi muito orgânico. Eu já cheguei no set com algo muito orgânico. Ia descobrindo coisas e captando. Gravamos mais de 20 horas. Captamos movimentos de dança geniais que não puderam ser mostradas dessa vez. Mas eu tenho um plano para um segundo projeto. Outra ideia é fazer minidocs individuais com essas pessoas, que eu acho que vai ser genial, também. Cada pessoa, individualmente, contando sua história na dança e a gente editar isso. E a gente partir para outros projetos nesse sentido. Mas, respondendo sua pergunta, para mim não foi muito complicado, não, porque eu tive bons professores.

A ideia de trazer esse minidocs é algo bem interessante, pensando no modo como muita coisa do é captada hoje, com a rapidez e fugacidade da internet.
Sim, mas neste documentário, eu não me deixei me render muito por essa urgência da mídia, de que agora tudo tem que ser em poucos minutos, segundos. Não! Eu me rendi um pouquinho porque nós tínhamos o primeiro corte com duas horas e pouco e ficamos com uma hora e vinte minutos no final. Mas eu te afirmo que eu não me rendo a isso, não. Eu acho que a gente tem que preservar o tempo das coisas. Preservar o tempo da música. Preservar o tempo do movimento. Acho que essa urgência está fazendo com que a gente vá para um lugar que não é muito bacana. Um lugar que não é o lugar da observação e nem da alimentação de produtos como um livro, por exemplo. Eu leio muito e não há nada melhor do que ler. E é muito difícil hoje em dia você fazer um jovem ler. Porque é muito tempo para você se dedicar a ler um livro de 900 páginas. Nenhum desses jovens está disposto a fazer isso. E eu quero dizer com isso que eu não me rendi muito a essa urgência da internet. Não me rendi. Posso ir até nessa direção, mas eu não quero me render à urgência do TikTok.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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