Música: “First Two Pages of Frankenstein”, do The National, um disco complexo, tímido e atormentado

texto por Paolo Bardelli

Faz alguns dias que estou com essa triangulação em mente: The National, U2 e David Letterman. Porque neste período em que mergulhei na audição de “First Two Pages of Frankenstein” por acaso assisti ao documentário “A Sort of Homecoming” e refleti sobre a parábola entre deixar de ser a banda de rock mais importante do planeta para tentar manter suas glórias, o melhor que puder, enquanto o tempo passa e as pessoas o esquecem, e a capacidade de escrever boas músicas se esvai. The National nunca foi realmente coroada como a banda mais importante do planeta, como o U2 foi outrora, mas o Telegraph acaba de estampar a manchete “Como The National se tornou a banda mais influente do mundo“: a tese deles é que se Taylor Swift os aclama como sua banda favorita, Ed Sheeran escolhe Aaron Dessner para produzir seu álbum “Subtract” e Phoebe Bridgers, a queridinha da geração Z, canta algumas músicas em seu último álbum, bem, então você com certeza é muito influente.

Porém, nem todo mundo pensa assim: “First Two Pages of Frankenstein” recebeu muitas críticas mornas, o que se deve à falta de percepção de alguns críticos: o que, na minha opinião, é o melhor álbum deles desde “Trouble Will Find Me” (2013) é um disco complexo, tímido e atormentado. Os motivos são óbvios e as notas de imprensa que falavam de um período difícil e de uma possível separação da banda nem eram necessárias, bastava ouvir a letra de “Your Mind Is Not Your Friend” ou prestar atenção em frases espalhadas aqui e ali (como “Keep kicking yourself to keep from crying” de “This Isn’t Helping”) para entender que Berninger não tem se saído bem nos últimos anos e está à beira da depressão. Uma fase muito humana, atualmente mais aceita socialmente como uma doença da qual se pode falar sem medo de ser estigmatizado, que também envolveu muitas pessoas durante e pós período de pandemia e que as letras do National sempre aludiram, abordando a insatisfação de ser homem (o belo artigo da New Yorker “The Sad Dads Of The National” cita trechos do “comovente” e imperdível documentário “Mistaken for Strangers”  como prova da sensibilidade dessa banda).

Pianos nunca antes tão claros e limpos (“Once Upon a Poolside”, com Sufjan, e “The Alcott” com Swift), finais perfeitos para envolver o público ao vivo (“Tropic Morning News”, com aquelas duas notas de guitarra que arrepiam, impressas no cérebro e condenadas a nunca nos abandonar), belos e circulares refrões (“You should take it / ‘Cause I’m not gonna take it”) são apenas alguns dos pontos fortes de um álbum que não tem o objetivo de manter a reputação do The Nacional em alta, mas sim tentar manter a sanidade sem se afundar, apostando no básico, em perguntas ao invés de respostas, de encontrar força no dia-a-dia ao invés de se entregar ao cansaço. Se o U2 continua se esforçando para parecer cool, sempre no ponto, sempre o número 1, o National continua entregando o que sempre fez de melhor: músicas como uma sessão de psicanálise. E se o U2 perdeu o dom de se comunicar, Berninger se entrega nu e o que podemos fazer é apenas observa-lo correr em nossa direção e abraça-lo. Porque ele é como você, é como todos nós, frágil e demasiadamente humano.

E assim, em meio a toda esta confusão de pensamentos, percebi que só David Letterman salva o U2 no documentário “A Sort of Homecoming”, logo ele que no auge da sua carreira quis fugir dos holofotes porque talvez já não tivesse os estímulos adequados, e por isso – em um jeito igualmente humano – vagueia por Dublin conversando com lojistas, banhistas, enfim, com o povo. Fazendo coisas normais, como o National faz neste “First Two Pages of Frankenstein”: eles escrevem músicas, como sempre fizeram, o diferencial é que ainda escrevem boas músicas, o que o U2 não consegue mais fazer.

Dai que, em determinado momento de meus pensamentos intranquilos, comecei a pirar pensando que David Letterman deveria gravar um documentário rodando em Nova York com Matt Berninger, o que me fez pensar em desistir dessa crítica, pois ela já estava girando em minha cabeça há dias. Dai que, então, agora que decidi escrevê-la, Letterman aparece declarando que “gostaria de ser como Matt Berninger, porque ninguém é mais legal do que Matt e ele deveria estar no Hall da Fama”. Bem, querido David, por favor: faça este documentário, porque quero ver a humanidade e a auto-ironia contundente de você e Matt conversando e caminhando com Nova York ao fundo, em um banco com vista para o East River, em um café de imigrantes italianos, em qualquer canto dessa maravilha cidade que Berninger redescobriu depois de voltar a ela após sua mudança para Los Angeles em 2014. E conte-nos, acima de tudo, sobre a magia melancólica do The National e como é possível ser o número um simplesmente sendo eles mesmos, sem esconder suas fraquezas. Aguardamos.

Texto publicado originalmente no site italiano Kalporz, parceiro de conteúdo do Scream & Yell. 

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