Entrevista: Rubel lança novo álbum acreditando no poder da música e da cultura como orientadores da experiência global

entrevista por Pedro Salgado, especial de Lisboa

“A musicalidade do meu novo álbum foi uma consequência da pesquisa pelas palavras, ideias e sentimentos. Sou apaixonado pelas palavras. A música surge como resultado dessa paixão. É como se eu me estivesse a contratar aos 31 anos para esta profissão e me designasse a este emprego como um trabalhador das palavras”, começa por me dizer Rubel, numa entrevista por Whatsapp, quando o questiono sobre o papel central que a componente lírica assume no seu trabalho mais recente.

As Palavras Vol. 1 & 2” (2023) aborda a experiência de Rubel (e de outros personagens) em viver no Brasil nos últimos anos, propondo um diálogo entre a tradição e a modernidade e contando com um naipe de convidados especiais, nos quais se incluem Tim Bernardes, Bala Desejo, Liniker, Luedji Luna e Milton Nascimento, entre vários outros. É inegável que Rubel alcançou um patamar de excelência, na medida em que o disco cativa pela sua emoção, paixão e pelo engenho criativo, fazendo da musicalidade das palavras um instrumento e gerando, em última análise, uma peça de afirmação em sintonia com a música e a experiência histórica do Brasil.

Existem muitos momentos notáveis no trabalho, como é o caso de “Posso Dizer”, um samba carregado com beats de funk, passando pelo exercício experimentalista da faixa-título, tal como o samba jazz eletrônico de “Doutor Albieiri” ou as duas releituras emotivas de Luiz Gonzaga. Mas, a versão cantada de “Forró Violento” sintetiza da melhor forma o âmago do álbum, incorporando a tradição e colocando igualmente o foco na contemporaneidade. “A faixa inclui coros femininos que remetem para a música tradicional brasileira, mas também traz elementos recentes através do canto falado e os timbres e a sonoridade carregam uma modernidade que é quase inspirada no movimento do rap americano atual”, ele explica.

Numa altura em que se prepara para um tour do novo álbum, que se inicia a 9 de Junho, em Curitiba, passando por Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e que terminará em Lisboa a 23 de Setembro, Rubel mostra-se bastante motivado com a perspectiva de regressar a Portugal (as suas primeiras atuações no país foram em Agosto de 2018) e elogia o público local: “Os portugueses têm uma atenção muito grande às letras e à essência da canção. Eles interessam-se pela obra como um todo, pelos discos completos e pela narrativa que eu estou a contar. Para mim, isso é a maior alegria possível. Eu amo Portugal e tenho uma ligação muito profunda com as pessoas e a cultura portuguesa e estou muito animado para voltar”.

Sobre o seu futuro e a forma como gostaria de ser recordado, o autor de “As Palavras Vol. 1 & 2” não hesita. “Agradava-me que eu fosse lembrado como um bom contador de histórias e como um compositor que ajudou a levar a música brasileira para a frente. A nossa música já é muito linda e temos artistas que são dos maiores do mundo. Por isso, sinto que o meu trabalho não deve reproduzir o que já foi feito, porque jamais conseguiria fazer o que os grandes gênios musicais do Brasil fizeram. Mas, talvez consiga encontrar soluções diferentes para problemas antigos. Acredito que poderei desbravar algum caminho que ainda não foi percorrido e essa será a minha grande contribuição”, conclui. Do Rio de Janeiro para Lisboa, Rubel conversou com o Scream & Yell. Confira:

O seu anterior trabalho, “Casas” (2018), denotava uma sensação de pertença ao Brasil, revisitando a MPB e juntando-a ao hip hop. No seu novo álbum você foi mais longe em termos rítmicos e temáticos. Esta superação derivou apenas da pesquisa que você fez sobre a literatura e a história do cancioneiro brasileiros ou resultou também do seu maior interesse por novas questões e correntes sonoras?
Eu acho que resultou das duas coisas que você apontou. Partiu de uma vontade de ampliar os temas que eu abordei no meu disco “Casas” (2018) e no álbum de estreia “Pearl” (2013) e de poder falar de questões que estavam para além da minha vivência e da minha história particular. O objetivo era estender sonoramente e esteticamente os ritmos que eu poderia cantar, porque eu sou apaixonado por todos os tipos de música, especialmente as variações da música brasileira. Por isso, este trabalho foi uma forma de me permitir explorar as minhas paixões, como o pagode, funk, samba, forró ou a MPB e aumentar o meu repertório musical tanto em termos de ritmos e géneros, dentro da complexidade da canção, e incrementar os níveis de melodia e harmonia. Tematicamente, para além do amor e da auto-descoberta, eu queria falar sobre política, sociedade, violência, ironia e raiva, porque a experiência humana é muito diversificada. Senti que os temas que eu abordava representavam uma fatia muito pequena da minha experiência de vida. Globalmente, este disco foi importante para me aventurar nos sons que me encantam e que me trazem beleza e esperança no Brasil.

“As Palavras” é um trabalho dual, com um lado luminoso e um lado melancólico bem vincados. Nas músicas mais animadas como “Grão de Areia” ou “Posso Dizer” o amor é apresentado com elevação e “Put@ria!” revela alguma ferocidade sexual. Por que você exibiu este contraste emocional?
Boa pergunta. Sinto que a experiência amorosa é feita desse contraste. O amor na vida real não é apenas platónico, romântico ou idealizado. Ele também é feito de putaria, do prazer da carne e existe uma parte feroz, safada e suja. Isso encanta-me. Julgo que se existir apenas o amor romântico é chato. O contraste dessas duas facetas na experiência afetiva ou sexual é o que faz com que ela seja completa. Eu queria expandir essa vivência e a forma como falava de sexo e amor. No meu trabalho anterior eu fiz um recorte muito apaixonado e idealizado sobre o amor, quando aquele que eu vivo na vida real é de outra natureza. Pode parecer que eu esteja desiludido, mas é exatamente o oposto. Quanto mais encaro o amor com solidez melhor ele fica. Acredito que neste disco me aproximei da experiência mais realista e palpável do que o amor é para mim.

O álbum tem várias parcerias de renome, nas quais se incluem Milton Nascimento, Tim Bernardes, Bala Desejo, Gabriel do Borel, BK, Mestrinho ou MC Carol, entre outros. Como surgiram estas colaborações e quais foram os aspectos mais positivos para si no trabalho com estes artistas?
As colaborações surgiram da vontade de trazer pessoas de universos diferentes do meu, como a MC Carol no funk ou o Mestrinho no forró e que pudessem contribuir para a riqueza musical que eu buscava. O disco é muito ligado às diferentes faces e à experiência da música brasileira. Eu senti que para contar essa história, narrativa e aventura, precisava de outras vozes além da minha. Esse é o cerne das participações, ter pessoas que vêm de lugares diferentes e possuem outras experiências, que atuam em gêneros diferentes, mas que de alguma forma conseguissem dialogar comigo e enriquecer tanto as canções como as histórias contadas. A melhor parte das parcerias é o contraste com a minha forma de cantar e a minha experiência musical. Um exemplo disso é a MC Carol. Ela é uma funkeira que fala de putaria de uma forma explícita e tem uma relação com o sexo que é muito diferente da maneira de cantar da MPB tradicional. É o caso também do Xande de Pilares (um grande nome do pagode brasileiro). Ele tem um canto mais para fora e que é articulado e grandioso. O grande encanto das colaborações é o fato de trazerem elementos que eu não teria na minha voz ou na minha visão do mundo.

É normal que os músicos digam que o seu disco mais recente é o melhor, mas eu gostaria de saber se ele é apenas um espelho do momento criativo que você vive atualmente ou um manifesto de intenções para os próximos tempos?
Ambos. Tenho muita clareza e convicção de que “As Palavras Vol. 1 & 2” é o meu melhor disco. Sinto que é a primeira vez que fiz um álbum absolutamente seguro e consciente das escolhas que tomei ao nível musical, lírico ou temático. Acho que o meu trabalho anterior era muito intuitivo e isso tem valor mas, desta vez, apropriei-me das ferramentas que tenho de uma forma mais assumida e determinada. Este disco é um espelho dos últimos anos em que eu quis me debruçar mais sobre a música brasileira, bem como a relação entre música e política ou a relação musical e a construção de uma identidade nacional. Mas, eu sinto que ele é uma carta de intenções para a minha carreira. Ao longo dos últimos quatro anos (foi o tempo de feitura do álbum), eu entendi com muito mais clareza o lugar para onde quero apontar a minha energia e o meu esforço criativo. É um lugar de dedicação extrema à cultura e à música brasileira e em última instância à experiência coletiva de estar no Brasil. Trata-se de uma missão muito ambiciosa e talvez abstrata, mas eu creio nela. Acredito no poder da música e da cultura como orientadores da nossa experiência global. Foi um primeiro passo relativamente à forma como eu quero orientar o meu trabalho musicalmente, tematicamente e politicamente.

Tomando como ponto de partida o questionamento geracional de “Samba de Amanda e Té” como vê o momento presente do Brasil e, principalmente, o futuro da geração a que você pertence?
Para mim, a fase que vivemos atualmente é de esperança. Eu vejo na expressão das pessoas que o Brasil saiu de um momento de luto. Nos últimos anos do Governo Bolsonaro houve muito atrito e agressividade no discurso oficial bem como nas ruas e nas famílias. O país estava dividido e eu via amigos e familiares rompendo relações. Nesse sentido, considero que a vitória do Lula vai abrir boas perspectivas. Existe um novo discurso para o Brasil que é de inclusão, tolerância e empatia. É acima de tudo uma mensagem de conciliação, ao contrário da narrativa anterior que era bélica e de divisão. Acredito que a mentalidade do Governo impacta a forma da sociedade pensar. A eleição do Lula traz uma esperança de resignificação do que é ser brasileiro neste momento. Tenho alguma dificuldade em responder-lhe relativamente ao futuro da minha geração, porque a situação brasileira é muito delicada. O Lula está no poder, mas não há nenhuma liderança de esquerda que possa substituí-lo. Não temos ninguém que dê continuidade a esse trabalho, porque ele já tem uma idade muito avançada. Ao passo que a extrema-direita talvez tenha possibilidade de se fortalecer no futuro. Por isso, sinto que vivemos uma etapa de maior otimismo, mas há que ter muito cuidado com os próximos anos. O que o Governo anterior revelou é que existe uma grande parte da sociedade brasileira que o apoia. Eu temo que a qualquer momento essa força possa retornar, seja na figura do Bolsonaro ou de outro político. Eu prefiro ser esperançoso, mas constato que o futuro do Brasil ainda é muito incerto e espero que as futuras gerações cresçam num país maravilhoso, tolerante, rico e desenvolvido. São esses os meus votos.

Em junho você vai iniciar em Curitiba um tour de cinco cidades brasileiras, que terminará em Lisboa no mês de setembro. Como serão esses shows e quais são as suas expectativas?
O show que vamos levar para o Coliseu de Lisboa será um grande espetáculo, com 15 músicos no palco, mas estamos ainda a tentar perceber se levamos a banda toda, porque essa é a minha vontade e esperança. A ideia é fazer um tour com poucas apresentações para que as possamos realizar com a formação integral e traduzir no máximo possível a experiência completa do álbum. Neste disco, especialmente, eu não quero fazer uma adaptação menor ou um show só de voz e violão. É um trabalho que precisa de muito cuidado com os arranjos e a instrumentação. Tocarei o álbum quase inteiro e algumas músicas importantes do meu trajeto anterior e a minha expectativa é a melhor possível. É um sonho para mim tocar no Coliseu de Lisboa por ser um palco tradicional de Portugal e por ser muito bonito. Será a primeira vez que eu farei um show tão grande para o público português e espero que esteja cheio.

Capa de “As Palavras Vol. 1 & 2”, de Rubel

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell desde 2010 contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. A foto que abre o texto é de João Kopv.

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