Cinema: “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, faz retrato potente sobre amizade e perda em meio ao crime

texto de Renan Guerra

“Noites Alienígenas” (2023) é o primeiro longa-metragem ficcional do Acre a ter uma estreia nacional nos cinemas, em uma história que acompanha três personagens centrais: Rivelino (Gabriel Knoxx), Sandra (Gleici Damasceno) e Paulo (Adanilo), três amigos de infância que moram em bairros periféricos da capital do Estado, Rio Branco. Os três se veem emaranhados em um cenário de violência marcado pela chegada na região de facções criminosas do Sudeste. Rivelino trabalha vendendo drogas ao lado de Alê (Chico Diaz), já Paulo é usuário e pai do filho de Sandra, personagem que tenta viver a parte da guerra às drogas, trabalhando em um restaurante e liberando suas energias em encontros de slam ao lado de amigas.

O filme estreou no 50° Festival de Gramado, em 2022, onde recebeu cinco prêmios, incluindo Melhor Filme Brasileiro, Melhor Ator para Gabriel Knoxx, Melhor Ator Coadjuvante para Chico Diaz, Melhor Atriz Coadjuvante para Joana Gatis e o prêmio da crítica, além de receber uma menção honrosa pela atuação de Adanilo. E esse sucesso tem um motivo: “Noites Alienígenas” tem uma narrativa estranha, é como um “objeto não-identificado” no cinema nacional, pois conversa com o realismo dos filmes de periferia nacional, mas em determinados momentos quase tensiona algo entre o realismo fantástico e a ficção científica – algo próximo daquela estranheza dos filmes de Adirley Queirós. Porém, de algum modo, a realidade se mostra mais forte e poderosa.

Nos últimos dez anos, quase triplicou o assassinato de crianças e jovens no Acre e isso está relacionado a pulverização das facções criminosas pelo interior do Brasil. Os métodos do PCC se expandiram e se enraizaram nos mais diversos espaços do país e o filme de Sérgio de Carvalho leva toda essa violência para o espaço das relações humanas. “Noites Alienígenas” se constrói nesses espaços das relações mais cotidianas e mostra como a violência urbana se infiltra nas nossas vidas e destrói as coisas. O ponto principal do filme está nas figuras de Rivelino e Paulo, em atuações poderosas de Gabriel Knoxx e Adanilo, bem como suas relações com suas mães, interpretadas por Joana Gatis e Chica Arara.

Nessas narrativas de múltiplos personagens é que o filme talvez tenha seu ponto mais nevrálgico: nem sempre todas as histórias parecem bem amarradas e algumas coisas soam pulverizadas demais. A personagem de Gleici Damasceno é talvez o ponto mais simbólico disso: sua história parece não ser desenvolvida da forma que merecia soando não ser encerrar dentro do filme, o que é uma pena, pois Gleici, conhecida por ser a vencedora do reality show Big Brother Brasil, da TV Globo, é uma figura que dialoga muito bem com a câmera, seu rosto parece nascido para as grandes telas e ela sabe como manusear isso muito bem. Aliás, o grande trunfo de “Noites Alienígenas” está em seu elenco, formado por muitos atores jovens e sem experiência no cinema, mas que conseguem de forma bastante simbólica lidar com a câmera de forma sedutora, além de uma boa conversa com os atores mais experientes, como Chico Diaz e Joana Gatis.

Joana Gatis, aliás, é talvez uma das estrelas mais fortes em cena. A construção de sua personagem é de uma delicadeza e complexidade assombrosa. Sem dar spoilers, tudo que podemos dizer é que ela e Chico Diaz propiciam uma cena final dilaceradora de um filme que, entre realidade e fantasia, consegue criar um retrato poderoso da Amazônia, entre a violência urbana e a força da ancestralidade dos povos tradicionais. Como já dissemos, esse é um filme ímpar dentro da nossa cinematografia e já valeria ser assistido apenas por sua diferença, mas além disso é um filme humano, cheio de nuances e que vale pela potência das narrativas e discussões que ele propicia.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava

One thought on “Cinema: “Noites Alienígenas”, de Sérgio de Carvalho, faz retrato potente sobre amizade e perda em meio ao crime

  1. Um texto interessante, mas que deixa-se escorregar numa falha que, para nós, amazônidas, é comum e de certa forma espelha como somos pouco compreendidos no resto do país. O Acre não fica no Nordeste e, sim, no Norte. Fica a observação.

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