Cinema: “O Urso do Pó Branco” inaugura o rentável filão dos animais chapadões

texto por João Paulo Barreto

Há uma imagem marcante na infância de várias pessoas que é aquela do Ursinho Puff (sim, o escriba em questão é do tempo anterior ao uso do nome original no Brasil) com as patas lambuzadas de mel e dentro de potes que transbordam toda aquela gosma adocicada. Do mesmo modo, a figura de Zé Colméia na mesma situação, lambuzado em mel ou roubando cestas de piquenique, mas, também (como bem lembrou o colega de crítica, Wanderley Teixeira), tentando escapar dos tiros do guarda florestal, é algo que a lembrança afetiva de muita gente mantém viva.

Do mesmo modo que na infância ríamos com as situações descritas acima, o absurdo da premissa de “O Urso do Pó Branco” (“Cocaine Bear”, 2023) é algo que precisa ser comprado para se fazer valer a pena a visita à sala de cinema. E se você conseguir compará-la nessa premissa irônica a esses dois ícones da cultura pop citados acima, o filme, em suas risadas se torna ainda mais divertido.

A tal premissa é aquela de imaginar o tal urso de pelugem preta sendo tomado pela energia avassaladora provinda da cocaína que lhe chegou a partir de um carregamento oriundo da Colômbia e que sobrevoava a região montanhosa do Tennessee, nos Estados Unidos da década de 1980, período no qual o tráfico de drogas produzidas na América do Sul era o principal a alimentar narizes gringos. Ao cair do céu e chegar ao pobre animal, os tijolos adocicados lhe causaram, porém, mais do que a satisfação de lhe matar a fome: acabaram por lhe transformá-lo em uma máquina assassina.

A cineasta Elizabeth Banks (da refilmagem “As Panteras”, de 2019) brinca com o absurdo de sua proposta desde os letreiros iniciais, quando faz questão de anunciar que os fatos trazidos pelo filme quanto ao comportamento dos ursos e o modo como devemos agir em caso de um ataque são comprovados por uma pesquisa na Wikipédia (?!). Ou seja, se o próprio longa faz questão de frisar o nonsense inacreditável já em seu ponto de origem, por que somos nós que temos que ser aqueles a querer trazer qualquer senso de realidade àquilo?

Há, no entanto, a história real e trágica por trás de toda aquela absurda ideia de um urso se tornar um assassino sanguinolento frenético por causa da cocaína, mas tais fatos reais não têm tanta graça. Ocorre que, de fato, um traficante pulou de um avião portando uma quantidade grande de cocaína em sua mala. No entanto, seu paraquedas não abriu. Além de sua morte, a de um urso foi registrada nos arredores da queda, e foi constatada que o mesmo havia perecido por conta de uma overdose do pó branco do título aqui, fato que ganhou notoriedade nos jornais da época.

Mas a proposta aqui é explorar outro norte menos trágico. Assim, o filme segue criando limites (ou ausência deles) no absurdo de suas situações, como quando duas crianças (!) provam cocaína como se fosse colheradas de açúcar (!!) ou quando uma guarda florestal, mirando o tal urso cheirado, acerta a cabeça de um civil. Não tarda muito para ela mesma (vivida pela veterana Margo Martindale) virar uma fatalidade em outro momento dos mais absurdos envolvendo seu rosto, uma maca e o asfalto da pista de acesso ao local.

No meio disso, Ray Liotta, em um dos seus derradeiros papéis (o ator faleceu pouco depois de finalizar sua participação) se diverte fazendo piada de si mesmo no melhor estilo canastrão do traficante oitentista, com cabelos longos e óculos escuros, enquanto tenta recuperar a carga preciosa que virou lanche do urso trincado.

Despretensioso em suas subtramas que envolvem traficantes com complexos de inferioridade, e com efeitos que, apesar de falhos em certos momentos na criação do urso digital, condizem com seu orçamento limitado (mas que já deu lucro nas bilheterias), “O Urso do Pó Branco” se encontra, realmente, é na sua proposta de cinema gore. Algo que fica provado quando braços decepados, canelas e pés sem coxas e intestinos servindo de lanchinho para filhotes de urso geram graça para aquele espectador que sabe a razão de ter comprado seu ingresso.

Nessas sequências, o filme parece querer buscar aprimorar cada uma das amostras de carnificina que seu protagonista cria para aqueles que cruzam seu caminho. E, se sua história para de oferecer atrativos maiores a partir do momento que a revelação física (em CGI, claro) de seu personagem principal é revelada, não resta muito à direção de Banks a não ser explorar ao máximo as possibilidades visuais que seu trabalho traz, sendo que a lista vai incluir dedos decepados por tiros certeiros, perseguição de paramédicos em ambulância desgovernada pelo terror causado pelo urso “carinhosamente” conhecido como Escobear e o momento em que fica comprovado que, sim, ursos conseguem escalar árvores.

Esperar, agora, pelas variações envolvendo tubarões que se deparam com malotes de cocaína no fundo do mar (que já está com data de lançamento), ou como pontuou o jornalista Chico Castro Jr, vem aí: o Leão Alterado, os Cães Doidões e o Jumento Junkie.

Avengers… Assemble?

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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