Entrevista: “Quero me mudar pro Brasil. Amo esse lugar”, diz Evan Dando, que relembra Lemonheads, Noel Gallagher e Eddie Vedder

entrevista por Leonardo Tissot

Evan Dando é o rei do rolê aleatório. Já fez show em supermercado, participou de filme da Winona Ryder, postou vídeo de Renato Russo, foi bróder de Johnny Depp e, como diria o locutor da Globo, aprontou altas confusões no Brasil ao longo dos anos. Mas dessa vez, para citar outro rei, ele voltou — agora pra ficar.

Visto desde dezembro em São Paulo, Ubatuba e na região da Serra da Cantareira — e flagrado em cima do palco com banda brasileira e até mesmo fazendo tratamento dentário —, o guitarrista dos Lemonheads parece à vontade no país. Tanto que já fala em se instalar por aqui de vez.

Sob o olhar atento de Antônia Teixeira — a quem Evan se refere como “noiva”, “esposa” e “namorada” —, o artista fala sobre o desejo de se mudar em definitivo para o Brasil, admite a preguiça de compor novas músicas, esclarece os motivos que impediram o lançamento de sua parceria com Noel Gallagher, conta fofocas de Eddie Vedder e encerra com uma citação de Bob Dylan em “Don’t Look Back”.

Sabe, Evan, uma vez eu sonhei que estava te entrevistando, mas as coisas não saíram muito bem… Por favor, não transforme meu sonho em realidade, ok?
No way!

Então, como o Brasil tem te tratado?
Deve estar me tratando muito bem, se você chegou a sonhar que estava me entrevistando… (risos). Esse lugar é incrível. Me sinto como um brasileiro honorário. Me sinto em casa aqui. É estranho, é o mesmo tipo de atmosfera da Austrália: amistosa, mas ao mesmo tempo dura. E São Paulo me lembra muito Sydney, se você embaçar um pouco o olhar. Lembra mesmo. Então, essa é minha segunda fase no hemisfério sul [Nota: Evan viveu um tempo na Austrália, há 30 anos]. Quero me mudar pra cá. Amo esse lugar.

Pois é, ia te perguntar sobre isso. Você planeja se mudar pra cá de vez?
Sim, mas provavelmente vou manter uma casa nos Estados Unidos. Tem a casa do meu pai em Martha’s Vineyard, se eu quiser ir pra lá e passar um tempo com a minha maravilhosa madrasta. Tem a casa da minha mãe em Providence. Quero comprar uma casa pra mim lá também, mas quero comprar uma aqui antes. [Vira-se para Antônia] Não preciso entregar demais, né…

Você trouxe todos os seus instrumentos, equipamentos…?
Trouxe muitos, comprei mais alguns, ganhei outros, e agora tenho coisas demais. Mas eu amo essas coisas. Não trouxe meu sintetizador Korg — tenho um miniatura aqui comigo. São muito legais. Mas o lance é que estou em um ambiente musical. Tem mais do que o suficiente aqui. A música está em todos os lugares. O pai da minha noiva é músico [o violonista e compositor Renato Teixeira].

Sim, estou sabendo.
Então, tem todo tipo de coisa aqui. Eles têm um Piano Kawai, que é um dos melhores que existem. É um ambiente ótimo pra mim, eu realmente estava precisando disso. Sabe, essa garota salvou minha vida. Salvou mesmo. [Mostra o braço direito] Foram minhas últimas marcas de pico. Não preciso mais disso. Estou feliz de ter parado com essa merda. Finalmente vi a luz. Alguma coisa ia me atingir. Estava quase lá, sabe? Algo iria acontecer e, bem na hora, eu consegui pular fora.

Fico feliz de saber disso. E você sempre se disse fã da música brasileira. Vi alguns vídeos seus aprendendo coisas novas com a família da sua noiva, que tem muitos músicos talentosos. Como está sendo isso pra você?
É um sonho que se tornou realidade. Sou oficialmente uma das pessoas mais sortudas do mundo. Você gosta de pensar que isso acontece porque você foi uma boa pessoa, mas certamente não tem nada a ver com isso, porque coisas ruins acontecem com pessoas boas todos os dias. Mas há algo vagamente mágico sobre isso tudo — não conte pro meu terapeuta. Eu amo esse lugar e sempre amei vir pra cá. Quando venho ao Brasil, sempre é especial. E é algo que está me mudando muito, e para melhor. Acho que sou naturalmente brasileiro. Estou tentando puxar o saco o máximo que posso aqui… (risos)

Ficamos felizes em recebê-lo. Tenho visto em suas redes sociais que você tem passado bastante tempo ao redor da natureza. O que me fez lembrar da canção dos Lemonheads, “The Outdoor Type”. Você se considera o tipo de pessoa que gosta de ficar ao ar livre hoje em dia?
Sim, menti a respeito de mentir sobre isso na música. Sou totalmente o tipo que gosta de ficar ao ar livre. Na verdade, Tom Morgan [parceiro de composição de Evan e coautor de várias músicas dos Lemonheads] compôs essa música, mas eu tinha que cantá-la.

Me fale sobre os shows que você vai fazer em São Paulo nesta semana. Eles vão acontecer no seu aniversário, né?
O aniversário do Tom Morgan é no dia 3 de março, e o meu é dia 4. Pode ser que eu faça outro show, porque os ingressos foram vendidos muito rapidamente e é um espaço pequeno. Pedi pra minha namorada falar com o pessoal pelo computador pra ver se consigo fazer mais um. Pode ser que façamos, vamos ver…

A ideia é fazer uma celebração de aniversário ou você escolheu essas datas por acaso?
Eu toco no meu aniversário quando marco o show eu mesmo, geralmente. Fiz um show em Newcastle (Inglaterra) no meu aniversário, e veio um montão de gente, umas 11 mil pessoas. Foi legal. Você tem que explorar o máximo que puder. Foi uma celebração divertida. É interessante que os shows sejam nos dias 3 e 4 de março. Bem, dia 5 é o aniversário do meu avô, então pode ser que eu faça um show nesse dia também. [Não há informações a respeito de um show extra até o momento]

E o que podemos esperar do setlist — hits, covers, músicas novas?
Sempre toco todas… Faço uma lista com o máximo de músicas que posso e dou uma misturada. Provavelmente umas três ou quatro do Gram [Parsons], três ou quatro do Townes [Van Zandt], talvez umas duas da Lucinda Williams, e provavelmente umas 25 minhas e do Tom Morgan — coisas dos Lemonheads e da minha carreira solo. Não vou deixar de tocar as canções que as pessoas conhecem. O terceiro show, se rolar, estamos tentando fazer com a banda. Talvez a Twinpines, porque foi muito legal [Evan fez um show surpresa com a banda brasileira em janeiro, em São Paulo].

Do que você se lembra sobre suas passagens pelo Brasil nos anos 90 e 2000?
Só gostaria de pedir desculpas ao pessoal do Killing Flame. Tocamos com eles na última vez que estivemos aqui, em 2004. É uma banda de hardcore. Eles eram bons. Acho que tivemos uma discussão no ônibus ou algo do tipo. De qualquer forma, todo meu respeito ao Killing Flame.

Os últimos lançamentos dos Lemonheads foram os álbuns de covers “Varshons” (2009) e “Varshons II” (2019). E você sempre gostou de fazer versões de músicas de outros artistas. Hoje em dia você se vê mais como compositor ou intérprete?
Composição é um troço engraçado, porque você simplesmente tem que trabalhar duro. Você precisa estar lá e esperar a música chegar. É quase como um acidente que acontece, vindo de outro lugar. Tenho preenchido minha vida com todo tipo de distração, e só preciso deixar que as canções venham, sabe? Porque eu sei que posso escrever canções. Jon Brion, que trabalhou comigo, falou uma vez: “queria que ninguém lançasse discos por 10 anos”. Aí eu falei: “beleza, não só vou fazer isso, como vou fazer dois discos de covers com um intervalo de 10 anos entre eles”. Quero competir pela posição de maior preguiçoso da indústria da música. Porque isso aí é preguiça. Há uma certa verdade nisso, infelizmente.

Mas você planeja voltar a lançar músicas novas com a marca Lemonheads em algum momento?
Com certeza. Já tenho muitas músicas prontas. Estou chegando lá. Não posso sair daqui sem finalizar as composições.

Temos a sensação de que você já tocou músicas de todos os artistas que existem, de Christina Aguilera a Metallica. Tem algum artista que você tenha tentado fazer uma versão, mas que não deu certo? Ou alguém que você acredita que não faria justiça às versões originais?
Eu jamais tocaria Velvet Underground, Stooges ou Modern Lovers. Provavelmente já toquei, mas jamais o faria em um disco. Esses são o triunvirato sagrado. E também Ramones e Black Sabbath.

Ah, mas você já tocou Ramones.
Sim, mas só ao vivo. A primeira coisa que fizemos como banda foi tocar “I Wanna Be Your Boyfriend”. Quando começamos, nossa ideia era fazer a coisa mais uncool possível. Punk rock era tão uncool. Cheguei a ficar um ano sem ouvir rock, só ouvia música clássica e jazz. E eu não conseguia tocar Wes Montgomery, não conseguia tocar guitarra jazz. Aí desisti. Acabei vendo um show do Flipper em 1984 no The Channel [casa de shows em Boston], e tinha um esquilo morto na pista. Aí pensei: “isso aí é pra mim”. O hardcore me fez querer tocar de novo. Pensei: “posso fazer isso com meus amigos”. Então, começamos tentando ser uma banda de hardcore. Abrimos um show dos Ramones em 86. Foi incrível.

Evan, queria te perguntar sobre algumas curiosidades acerca da sua carreira. Há alguns anos entrevistei o Mike Watt, especificamente para falar sobre o disco dele “Ball-Hog or Tugboat”, no qual você canta em uma música e até aparece no vídeo de “Piss-Bottle Man”. Lembra dessas gravações? Tem alguma história curiosa?
O Eddie Vedder estava lá… [Ele participa do álbum como vocalista na faixa “Against the 70s” e toca guitarra em “Big Train”, além de ter entrado em turnê com Watt para promover o disco em 1995]. Voltando um pouco no tempo: o Mudhoney e os Lemonheads saíram juntos em turnê, em 89. Quando tocamos em San Diego, a banda do Vedder na época, Bad Radio, estava tocando também. Ainda bem que éramos a banda do meio, porque tocar depois do Mudhoney em 1989 não era recomendado pra ninguém. Era tipo, “me tirem daqui”, porque eles eram bons pra caralho. Eram tipo o James Brown. Era uma bagunça, bom demais. Então ele [Vedder] veio e me entregou um folheto que tinha feito. “Evan, fiz um folheto pro show, saca só”. E aparentemente eu simplesmente larguei o folheto e dei as costas pra ele. Voltando ao disco do Mike Watt, ele estava lá no estúdio. E um dia ele pegou uma folha com as letras da música e levou até onde eu estava, no microfone… E simplesmente soltou o papel no chão, só pra se vingar. Tão bonitinho. Ele é um cara legal… Minha esposa ama Pearl Jam. Também gosto deles. Estou numas de ouvir Soundgarden ultimamente. Eles eram ótimos. Meio que perdi o bonde na época, e perdi o bonde do Pearl Jam também. Não curtia na época. Mas tem que respeitar os caras. Negatividade direcionada a outras bandas não leva a nada. Se eu não gosto dos caras, a culpa não é deles. Mas tudo bem. Ele é um bom cantor e tal. Eles foram do Green River [banda dos anos 80 formada por futuros integrantes de Mudhoney e Pearl Jam]. Eles sempre quiseram ser uma banda de arena. O Mark Arm e o Dan Peters — pessoas importantíssimas na minha vida — me falaram que eles [Pearl Jam] sempre quiseram ser uma banda de arena. É o que eles sempre quiseram fazer. E tudo bem. Eles conseguiram, né?

Nessa mesma época, você escreveu uma canção com Noel Gallagher, “Purple Parallelogram”, que nunca foi lançada oficialmente, certo? Apesar de ela estar disponível no YouTube. Essa história é muito mal contada. Por que a música nunca foi lançada?
Sabe o que é esquisito? Escrevemos essa música em 94. Eu tinha esquecido dela. No Glastonbury de 95, o Noel ficou, tipo: “Evan, cê tem que gravar ‘Purple Parallelogram’, hein?”. E eu achava a música meio melosa. Mas ele insistiu, daí gravei. Na hora de lançar, ele ficou, tipo: “ah, ele tá querendo vender discos em cima do meu nome”. Aí eu fiquei, tipo [revira os olhos]: “Noel, qual é?”. Acho que a gravadora teve que tirar a música do disco. Ela nem é tão boa. Foi uma bagunça. Mas agora temos nossa faixa secreta — toda banda precisa de uma dessas. “Ah, você já ouviu aquela canção que ninguém conhece? A música que nunca foi lançada?”. Você precisa ter uma dessas. Sempre penso sobre isso. É a mesma coisa com o lance de eu não poder entrar na Nova Zelândia — isso é legal. É uma credencial punk rock.

Você não pode entrar lá!?
Não. Quer dizer, não me deixaram entrar uma vez. Fiquei detido por 30 horas e quase me mandaram pra cadeia por causa da minha namorada doida da época. E eu também estava usando um sapato só, quando tentei entrar no país. Também foi numa época que o Trump tava cheio de gracinhas, então acho que foi algo meio “olho por olho”. “Se tiver alguma dúvida, foda-se, não deixe ele entrar”. Acho que teve mais a ver com Trump, mas também nós não ajudamos. Minha namorada esqueceu que estava carregando um pouco de speed. Estávamos vindo de uma semana de farra em Melbourne. Achávamos que daria tudo certo, mas não deu.

E como foi gravar com Rick James em “Come On Feel The Lemonheads”? Arranjaram problemas também?
Nas três semanas que ele passou com a gente, a namorada e o bebê dele estavam lá. Rick era ótimo, sabe? Depois ele acabou preso, perdeu a cabeça. Mas era um cara legal. Ele desertou da Marinha ou do Exército e se juntou a uma banda com Neil Young, The Mynah Birds. Eles eram muito jovens, foi antes do Buffalo Springfield. Chegaram a assinar com a Motown. Então tem esse ponto de referência entre nós. Era um cara ótimo, um coração enorme.

Ainda sobre esse álbum: tem algum plano para celebrar os 30 anos de “Come On Feel The Lemonheads” em 2023?
Acho que seria forçar um pouco a barra. Não temos planos.

Nenhum relançamento nem nada do tipo, como fizeram com “Lovey” e “It’s a Shame About Ray”?
Sim, isso sim. Mas sei lá. Cansei de turnês de relançamentos. Não posso mais fazer isso. Preciso seguir em frente. Pelo bem de todos e de mim mesmo. É divertido, é perigoso, e até um pouco satânico depois de algum tempo. Reviver o passado, tocar o disco inteiro na ordem… Não tem nada de errado com isso, é entretenimento. Farei se tiver que fazer. Sei lá.

E depois de tanto tempo na música, percebe sua influência em artistas atuais?
Ouço Lemonheads no Green Day. Mas eles não são fãs meus, e sim do Ben, que cantou nos primeiros discos. Eles iam nos assistir aos domingos. Tem várias bandas que dizem que gostam de mim. The Killers são grandes fãs. [Antônia sussurra o nome de Bruce Springsteen] O Bruce Springsteen é meu fã, mas é tipo… Ele tocava uma música minha antes de entrar no palco.

Courtney Barnett, quem sabe?
A Courtney Barnett tocou uma de minhas músicas. Fizemos uma turnê com ela, foi divertido. Ela é ótima, uma mulher maravilhosa. Adoro o Kurt Vile também. Quando nos conhecemos, tocamos “Frying Pan”, da Victoria Williams. Que cara legal.

Para finalizar, alguma mensagem para o pessoal que vai aos seus shows?
Keep a good head and always carry a light bulb!

Agradecimentos a Giancarlo Rufatto, Luiz Espinelly e Marco Antonio Barbosa pelas sugestões de perguntas.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo. Leia outros textos de Leonardo!.

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