Cinema: Mesmo com o título nacional estúpido e muito açúcar, “O Pior Vizinho do Mundo” é filme certo para Tom Hanks

texto por João Paulo Barreto

Refilmagem do longa sueco “Um Homem Chamado Ove”, que havia sido indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro na cerimônia de 2017, “Um Homem Chamado Otto” (“A Man Called Otto”, 2022, a decisão de usar o estúpido nome nacional apenas no título dessa crítica é proposital) é daqueles tipos de trabalhos escritos para a construção dramática de Tom Hanks. Tido como um intérprete que não se encaixa em papéis vis, o ator tem na amargura do protagonista da obra dirigida por Marc Forster sua oportunidade de tentar emular, mesmo que flertando com aspectos cômicos, um mínimo de rabugentice para sua criação dramática.

Na pele de um viúvo cuja morte da esposa o abalou ao ponto de perder qualquer trato social com os vizinhos da vila onde mora, Hanks brinca com a criação de Otto nos mesmos moldes que Walter Matthau fez ao viver o Sr. Wilson, quando interpretou o velho rabugento que o pimentinha Dennis atormentava. O norte é o mesmo, sendo que fica evidente que o entorno do protagonista vai, aos poucos, suavizar sua personalidade intumescida pela impaciência e pelo aspecto antissocial de sua rotina de afazeres domésticos e administrativos do lugar onde vive, algo que ele abraça de modo metódico e como a única razão para levantar-se de manhã.

Assim, é gradativa a percepção de que a persona boa praça e certeira no aspecto ‘nice guy’ que sempre caracterizou Tom Hanks irá, mais uma vez, prevalecer neste projeto que tem o seu carimbo, também, como produtor. Mas não que isso seja um problema. Na proposta de filme trazida por “Um Homem Chamado Otto”, as características do cinema dramático de Marc Forster, que dirigiu “Em Busca da Terra do Nunca” (2004), “O Caçador de Pipas” (2007) e “Christopher Robin” (2018), estão ali justamente visando esse resultado do ‘feeling good movie’. Sabemos exatamente para onde longa vai caminhar na ideia de redenção de seu protagonista.

Aqui e ali, os olhos vão marejar, sim. Tem o animalzinho que derrete (mesmo congelado de frio) o coração do trágico homem. Então, não é por falta de aviso em relação ao teor alto de açúcar que a obra possui que o público deve optar ou não por investir aquelas duas horas.

Mas para além desse desenvolvimento de seu personagem principal no sentido da socialização, bem como da incômoda falta de profundidade de algumas das figuras que o cercam (o homem a caminhar fazendo exercícios gera estranheza), “Um Homem Chamado Otto” apresenta uma pertinente discussão sobre o luto e suas consequências na psique humana. Ao inserir cenas envolvendo tentativas de suicídio, juntamente ao modo como Otto guarda suas memórias do período que viveu ao lado da esposa (flashbacks nos quais o jovem Truman Hanks capta todos os trejeitos do pai) como um porto seguro a visitar nos momentos em que a dor aperta no teor insuportável de sua rotina, o filme de Forster consegue se equilibrar em um tom acima do drama manipulador.

Esse aspecto de “manipulação”, mesmo com um termo que pode parecer pesado nesse julgamento, se encontra em alguns pontos evidentes na busca do diretor em alcançar a meta de emocionar seu público. Em determinados momentos, como quando fica clara a ideia de usar músicas românticas para guiar essas emoções, a escolha óbvia de Forster soa como um insulto à inteligência de sua audiência, principalmente pelo fato de que toda a construção das cenas em torno do luto e da perda de um ente querido já garantem o peso dramático necessário sem a banalização que o didatismo de uma música ao fundo conduz. O silêncio, muitas vezes, fala bem mais alto nessa intenção do que uma letra e acordes musicais a contar a tristeza de seu protagonista naqueles momentos.

Mas, enfim, sabemos que Hollywood, em suas refilmagens, não existe para agir com as mesmas sutilezas das obras originais. Talvez quando seguirem o conselho de Bong Joon-Ho sobre superar a barreira de um centímetro de altura que as legendas trazem, o público estadunidense poderá encontrar tais tesouros da forma original como eles merecem ser vistos. Até lá, fiquem com as versões diluídas em água e açúcar em excesso.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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