Cinema: Indicado da Áustria ao Oscar, “Corsage” traz retrato íntimo da imperatriz Sissi e atuação premiada de Vicky Krieps

texto de Renan Guerra

Isabel da Baviera ou ainda Elisabeth da Áustria, Imperatriz da Áustria de 1854 a 1898, se cristalizou na cultura pop como uma figura mítica, especialmente a partir da atuação de Romy Schneider na trilogia “Sissi” (1955-1957), de Ernst Marischka. Esse fascínio pela figura da monarca ainda rendeu uma outra gama de peças de teatro, espetáculos de balé, séries de TV e outras diferentes referências à sua figura no cinema – esse ano mesmo ainda deve sair “Sisi & I”, cinebiografia alemã dirigida por Frauke Finsterwalder. “Corsage”, de Marie Kreutzer, o indicado austríaco para o Oscar de Filme Internacional de 2023 e que chega agora aos cinemas brasileiros, é um olhar bastante distinto sobre essa figura.

Marie Kreutzer opta por um recorte temporal bastante específico e transforma o filme em uma ficcionalização do que poderia ter se passado na vida de Sissi. A história se passa na fase em que a imperatriz está prestes a completar 40 anos e luta para manter uma imagem pública de magreza e beleza idílica. Para isso acompanhamos o seu dia a dia, seus compromissos cerimoniais, sua relação familiar, suas viagens e seu malfadado casamento com o imperador Francisco José I. É uma história 100% construída em uma lógica de “o sofrimento da monótona vida da monarquia” e poderia ser um tanto quanto enfadonho, mas curiosamente Kreutzer consegue cativar o espectador para dentro desse mundo de forma bastante interessante.

Talvez o foco principal seja a presença avassaladora de Vicky Krieps, atriz que despontou em “Trama Fantasma” (2017), de Paul Thomas Anderson, e que vive um excelente momento na carreira – ela também esteve em “A Ilha de Bergman” (2021), de Mia Hansen-Løve, e “Presos no Tempo” (2021), de M. Night Shyamalan; em 2022, por sua atuação em “Corsage”, foi premiada no Festival de Cannes e no European Film Awards. Tudo isso se justifica ao vê-la em cena: Elisabeth só se torna uma personagem crível e interessante pela minuciosa construção que Krieps faz, trazendo dubiedade e complexidade para uma personagem que facilmente poderia cair na egolatria vazia.

Conduzindo um retrato de uma realeza perdida em seu próprio cotidiano, “Corsage” obviamente pode ser comparado/conectado com outros filmes que focam nessas figuras femininas da monarquia, como “Maria Antonieta” (2006), de Sofia Coppola, e o mais recente “Spencer” (2021), de Pablo Larraín. Talvez além do fato de serem obras que ficcionalizam a vida de figuras femininas importantes, há uma conexão clara de que esses filmes buscam um olhar mais pessoal, mais focado na intimidade dessas personagens. De todo modo, meio que acabam aí as semelhanças, pois cada filme tem sua lógica, se “Maria Antonieta” é quase um retrato hedonista dos exageros da monarquia, “Corsage” é uma espécie de apresentação do vazio que essa personagem encontra apesar de todo e qualquer hedonismo.

Há outra questão que pode gerar comparações com o filme de Sofia Coppola: a trilha sonora moderna. Com pesquisa musical assinada pela francesa Camille, “Corsage” se utiliza de canções pop inseridas dentro da história e também de trilhas incidentais vindas de lugares inesperados, como uma faixa do projeto experimental Soap&Skin. Camille usa uma faixa chamada “She Was”, que havia sido lançada no seu disco “Ilo Veyou”, de 2011, e meio que transforma essa canção em múltiplas versões que reverberam pelo decorrer do filme. Mas é curioso, se em “Maria Antonieta” a trilha indie tinha certo anacronismo, como que nos lembrando sempre que estávamos a ver um filme pop do século XXI, a trilha de “Corsage” parece casar suntuosamente com aquele tempo, criando essa dissociação temporal.

Além disso tudo, é importante dizer: “Corsage” não se atém aos fatos históricos, na verdade, a dica é que você entenda que essa é uma personagem real, mas que o filme é uma obra que ficcionaliza os acontecimentos, dando novos rumos e criando uma leitura muito própria da diretora sobre quem poderia ter sido a imperatriz. E talvez isso seja o interessante do filme, você não tem um olhar complexo sobre as políticas históricas da monarquia, mas sim um recorte de uma personagem complexa e dúbia e que aqui se apresenta de forma aberta em seus medos, suas inseguranças e suas vontades.

“Corsage” está na shortlist dos indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, e talvez nem tenha grandes chances de ir para a segunda fase, mas, de todo modo, o fato é que esse é um grandioso filme e se o Oscar não se prendesse tanto a esse clubinho anglófono, poderíamos sim considerar Vicky Krieps como uma importante competidora pela categoria de atriz.

– Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com Monkeybuzz e Revista Balaclava. 

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