Três perguntas: Buscando ser mais direto nas letras, Trampa lança o single “Fogo”

entrevista por Paulo Pontes

Após protestar contra o descaso total do governo no momento mais crítico da pandemia na faixa “Farda”, canção de 2016 que foi revivida com clipe em 2020, a banda brasiliense Trampa, formada por André Noblat (vocal), Pedrinho “Bap” Cardoso (baixo), Rafael Maranhão (guitarra), Arnoldo Ravizzini (bateria) e Rodrigo Vegetal (guitarra), volta o olhar para outros problemas que o Brasil enfrentou nos últimos quatro anos com o single “Fogo”, lançado recentemente nas plataformas digitais.

A faixa é guiada por riffs pesados de guitarra, que deixa a sonoridade muito próxima ao grunge, além de algumas inserções do cavaquinho da banda Machete Bomb. A letra permeia todos os temas que estiveram em alta ao longo desse período complexo da história do país: negacionismo, desmatamento, grilagem de terras indígenas, preconceito contra pessoas negras e LGBTQI+, a violência e o incentivo para compra de armas. Para ilustrar o som e fazer com que a letra seja conhecida por todos, a TRAMPA também lançou um lyric vídeo, que você confere abaixo.

O Scream & Yell conversou com o vocalista André Noblat e com o guitarrista Rafael Maranhão, que falaram da busca por mensagens mais diretas nas letras sem deixar de lado o lirismo poético (“Mas em ‘Fogo’, com tudo que vivemos e estamos vivendo, não podia arriscar ser incompreendido”, explica Noblat), sobre o conservadorismo que vem tomando de assalto o rock (“O rock em si, desde sua gênese, não é conservador”, defende Maranhão) e também os planos futuros da banda, que inclui novos singles e um disco ao vivo. Leia abaixo.

Apesar de sempre bem políticas, outras músicas da Trampa têm uma característica lírica um pouco mais poética. Como foi esse processo e a escolha por uma linguagem mais direta na letra de “Fogo”? Imagino que o momento vivido no país tenha sido um grande catalisador para realmente colocar o dedo na ferida.
André Noblat: Na realidade, desde o nosso último álbum de estúdio “(¡Viva La Evolución!”, 2016) venho tentando combinar o lirismo poético com mensagens mais diretas. Tentando balancear as duas coisas. Mas em “Fogo”, com tudo que vivemos e estamos vivendo, não podia arriscar ser incompreendido. Tinha que ser claro e direto, sem deixar dúvidas no que queríamos dizer! Lógico que fazer isso me exigiu mudar um pouco. Pensar em ser o mais claro possível. Encontrar palavras e frases mais simples e diretas. E foi esse exercício que procurei fazer. Isso me fez chegar à conclusão de que posso investir nas duas coisas nas próximas composições do Trampa. Vale a pena ser mais direto. Existe muita poesia em ser direto. E a partir de agora quero explorar mais esse campo.

Hoje temos um movimento de bandas que têm se posicionado, se manifestado contra o retrocesso e o negacionismo, mas o rock — a música pesada — também tem um lado composto por muito conservadorismo. A música — a cultura em geral — tem um papel fundamental na luta contra toda essa onda. Entretanto, como fazer para quebrar a barreira, extrapolar a bolha e alcançar mais pessoas?
Rafael Maranhão: A cultura é e sempre foi um baluarte da progressividade e boa parte disso é a música. Todos os regimes autoritários tendem a reprimir isso em primeiro lugar, então tendemos a usar como força e símbolo de resistência, inovação e combatividade. O rock em si, desde sua gênese, não é conservador, assim como quase todas as músicas de origem negra. Muito pelo contrário. Por isso vemos tanta gente conservadora desapontada com seus antigos ídolos por eles defenderem valores progressistas. Eu acredito que para furar a bolha vai mais ou menos por aí: a música não pode ser uma entidade dura, com receita e fórmula, tem que inovar, se reinventar, adicionar elementos novos e se tornar interessante artisticamente. Todos os últimos grandes artistas têm feito assim, principalmente no Brasil.

A banda já tem planos para um próximo álbum de inéditas? O que podemos esperar após “Fogo”?
Rafael Maranhão: Temos planos imediatos de lançar músicas inéditas em levas menores, como singles e EPs. Eu, como filhote dos anos 90, sempre namoro com a ideia de lançar álbuns, mas acredito que vai demorar mais um pouco. O que temos também pra um futuro bem próximo é um álbum ao vivo, que já está gravado, com versões inéditas de várias músicas nossas e de outros artistas que temos muito amor, respeito e admiração.

– Paulo Pontes é colaborador do Whiplash, assina a Kontratak Kultural e escreve de rock, hard rock e metal no Scream & Yell. É autor do livro “A Arte de Narrar Vidas: histórias além dos biografados“.

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