Ao vivo: De volta à BH, Caetano Veloso faz apresentação coesa da turnê “Meu Coco”

texto por Bruno Lisboa
fotos de Alexandre Biciati

Após abrir sua nova turnê em Belo Horizonte com três shows esgotados no Palácio das Artes em abril deste ano e rodar capitais e grandes cidades de quatro regiões brasileiras na sequência (só o Norte ainda não assistiu ao novo show do baiano), Caetano Veloso retornou à capital mineira às vésperas do segundo turno da eleição presidencial brasileira de 2022 com um set list idêntico aos da estreia quase sete meses antes, mas com o punch de palco fazendo a diferença após 20 shows na estrada.

E se em abril, Caetano deu um pontapé em sua turnê nacional em BH numa casa charmosa com capacidade para menos de 2 mil pessoas, o show do último final de semana foi realizado no Expominas, centro de exposições local que comporta dezenas de milhares de espectadores, que lotaram as dependências do espaço. E por mais que uma apresentação num lugar de grande porte como esse possa perder em intimismo, Caetano soube conduzir a apresentação de forma calorosa.

“Meu Coco” (2021), seu primeiro disco de canções inéditas em nove anos, figurou em diversas listas de melhores álbuns do ano passado, rendendo uma indicação ao prêmio APCA, a segunda colocação no Melhores do Ano Scream & Yell (ficando atrás apenas do também vencendor o prêmio APCA) e, ainda, conseguiu cravar duas canções entre as mais votadas do site, feitos que “Abraçaço” (2012), seu disco de estúdio exatamente anterior, ficou longe de alcançar.

Como lhe é peculiar, o set de cada turnê busca conciliar hits e hinos com pérolas selecionadas com cuidado especialmente para os fãs mais aficionados além de sempre abrir espaço generoso para as canções mais novas numa abrangente seleção que consegue dar uma ampla visão de suas diversas fases, e que, de certa forma, estabelecem um diálogo histórico com nossos tempos. Não à toa, o show abre com “Avarandado”, do álbum “Domingo”, que Caetano dividiu com Gal em 1967 (é a primeira vez que Caetano a registra em sua voz), e logo na sequência traz a faixa título do álbum de 2021 (54 anos separam as duas músicas). “Baby”, outra cantada primeiramente por Gal, ressurge do mesmo jeito que frequentou a turnê “A Foreign Sound”, de 2004, com “Diana”, de Paul Anka, acrescida.

O repertório presente no disco “Meu Coco”, como esperado, é o carro-chefe da nova turnê: das 25 canções do show, 7 são do trabalho mais recente – de lá vieram “Anjos Tronchos”, “Ciclâmen do Líbano”, “Enzo Gabriel”, “Noite de Cristal”, “Não Vou Deixar”, “Sem Samba Não Dá” e faixa título. Para efeito de comparação – e certa surpresa –, o segundo disco mais representado no show é “Cinema Transcendental”, de 1979, com quatro sucessos. De álbuns icônicos como “Transa” (1972), e “Araçá Azul” (1973) foram pinçadas uma única canção enquanto tanto o disco de estreia (1968) quanto os elogiados “O Estrangeiro” (1989) e “Cê” (2006) ficaram de totalmente de fora do novo show.

Visivelmente à vontade, Caetano foi bastante comunicativo, evitando falar de política, mas aproveitando a apresentação para contar sobre suas referências e revelar histórias dos bastidores de suas composições, prestando, inclusive, justas homenagens a dezenas de músicos de apoio com o qual já tocou, como a fase A Outra Banda da Terra, com a qual trabalhou de 1977 a 1983, reunindo em sua formação músicos como Vinicius Cantuária, Tomás Improta, Perinho Santana e Arnaldo Brandão.

Dessa frutífera parceria foram resgatadas “Cajuína”, “Lua de São Jorge”, “Trilhos Urbanos” e “Menino do Rio” (as quatro de “Cinema Transcendental”), sendo que a última é uma canção de sua autoria eternizada por Baby Consuelo. Também dessa época marcaram presença números como “Sampa” e “Muito Romântico”, presentes no disco “Muito” (1978), e “A Outra Banda da Terra”, de “Uns” (1983). Inédita até então em sua voz e inserida no repertório durante a turnê do álbum “Abraçaço”, “Reconvexo” continua sendo um dos grandes momentos dos shows recentes de Cae, título que divide, com honras, com as também festejadas “Cajuína” e “Odara”.

Se não havia nenhuma canção do disco “Cê” no set, a parceria com a Banda Cê, formada Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Calladom ganhou destaque através da execução “A Bossa Nova é Foda” e em falas elogiosas ao livro “Lado C”, obra de Luiz Felipe Carneiro e Tito Guedes, que analisa de perto esse período de reinvenção artística.

Sua banda de apoio atual é formada por Pretinho da Serrinha, Tiaginho da Serrinha, Kainã do Jeje (responsáveis pela parte percussiva do show), Alberto Continentino (baixo), Rodrigo Tavares (teclado) e Lucas Nunes, que é produtor do último de disco de Caetano e guitarrista / integrante do Bala Desejo. O sexteto consegue, a sua maneira, manter a vitalidade sonora necessária para que Caetano se sinta à vontade em cena, o que fica perceptível desde os primeiros momentos da noite, até o seu final.

A apresentação, realizada um dia antes do segundo turno das eleições, foi encerrada com coros pró-lula, mas Caetano, assim como se comportou durante todo o espetáculo, não endossou a manifestação. Antes que pudesse dar as costas à plateia, um canto uníssono entoou “A Luz de Tieta” e Caetano se sentiu impelido a cantar o refrão junto ao microfone para delírio geral colocando pontos finais em mais uma apresentação coesa.

– Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014.  Alexandre Biciati é fotógrafo: www.alexandrebiciati.com

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