Música: Nu Azeite comprova, em seu disco novo, que o Rio de Janeiro continua lindo

texto por Jota Wagner

O domingo é de sol, o estômago começa a comunicar a necessidade do almoço. A brisa que vem do mar atravessa a fronteira da areia e alisa a cara, trazendo sal e sossego, soprando pro continente a solidão. Para onde se olha, há azul. Não um azul de tinta, mas de vida. Passa gente por mim. Passam boêmios, passam atletas, passam vendedores, passam turistas. Passam em tempo compassado. Em ritmo.

Não, eu não estou passeando pela orla do Rio de Janeiro. Eu estou ouvindo o novo álbum do Nu Azeite, que acaba de chegar às plataformas. O segundo da dupla, chamado, vejam só, “Vem Pro Mar”.

Alejandra Pizarnik, em seu fantástico livro “O Inferno Musical”, avisa em um de seus versos: “alguem canta o lugar em que se forma o silêncio”. Justamente por isso, ouvir o novo disco da dupla formada pelo tarimbado tecladista Fabio Santanna (Lenini, Marcos Valle, Elza Soares, entre outros) e o DJ Bernardo Campos (o cabeça da festa Rara), faz ainda mais sentido no continente, no escritório, em casa. É lá que mora o silêncio de praia, de sol e de férias.

O Rio de Janeiro tem dessas. Décadas de músicas feitas para que os não cariocas morram de inveja dos dias buena onda que a cidade proporciona. O próprio Marcos Valle, além de Fernanda Abreu, Sandra de Sá e Tim Maia (todos artistas em que se reconhece uma baita influência no álbum) cantam sobre as belezas e delícias do Rio 40 graus. A ostentação, no entanto, vem desde Tom Jobim e João Gilberto.

Vem pro Mar” chega para mostrar a todos que o Rio de Janeiro continua lindo. E dançante. Dalí, fervilha uma cena musical bastante particular, chamada de brazilian boogie, um filho mais sincopado da disco music e que fez a festa na década de 70 e 80, muito por responsabilidade do produtor Lincoln Olivetti, que meteu a mão em tudo quanto é disco da galera que queria agradar os DJs de baile daquela época. O criador do hit “Black Coco” produziu desde Rita Lee a Tim, sempre deixando a música com a sua cara.

O disco todo, que também traz uns temperos saborosos, que vão desde Azymuth e Hyldon até Air e Thievery Corporation, tem faixas que beliscam a house-music, outras o romântico soul brasileiro, e fecha totalmente com a vida ensolarada carioca. Fabio e Bernardo se completam. O primeiro cresceu nos bailes blacks do subúrbio e o outro nas festas eletrônicas da zona sul carioca. A fusão criou um projeto festeiro, “muito mais open air do que de club”, como define o próprio Bernardo Campos.

O Nu Azeite está em contagem regressiva para sua apresentação no Rock in Rio 2022 (palco New Dance Order, dia 08 de setembro). “Vem pro Mar“, no ar via Cocada Music, é o segundo álbum dos dois. Apesar de mais sofisticado tecnicamente, é uma continuação da história da dupla desde seu primeiro disco, lançado antes da pandemia.

E é também, por tabela, a continuação da história da música de baile carioca. Conheça, abaixo, o disco faixa a faixa!

Faixa a Faixa do álbum “Vem pro Mar”
por Jota Wagner & Claudia Assef

01) Vem pro Mar – A faixa que dá nome ao disco traz altas doses de sofisticação, com pegada easy listening, influenciada por Azymuth e Cassiano. Vem pro mar ver o sol nascer!

02) Bate Macumba – Batuques brasileiros e pegada festeira neste “brazilian boogie” clássico, com referência à fase 80 de Tim Maia e Sandra de Sá. Mais carioca, impossível!

03) Água de Coco – O primeiro single do Nu Azeite, Água de Coco, mostra o lado house-music ensolarado da dupla. Aqui, Bernardo Campos e Fabio Santanna estabelecem uma ligação entre a música dançante dos bailes cariocas de décadas passadas com a disco house americana.

04) Saudade – Neste feat com a cantora Maria Thalita (criadora do Bloco das Trepadeiras), o Nu Azeite mergulha no soul brasileiro, reinventado graças a exímia produção de Bernardo e Fábio. Um flerte perfeito com a MPB.

05) Na Salineira – Em todo o álbum, a house music clássica de Nova Iorque está presente. Mas é em faixas como “Na Salineira” que sua influência se torna mais presente, mostrando que o Nu Azeite é um dos grandes representantes atuais do estilo, mesmo misturando tantos outros ritmos em seu balaio.

06) Amor Sem Fim – A faixa é uma viagem no tempo pelos bailes do Rio de Janeiro dos anos 80. Sintetizadores, voz e bateria perfeitamente conectadas ao som das rádios e das pistas do boogie carioca. Em Amor Sem Fim, o Nu Azeite sintetiza suas maiores referências.

07) Te Trazer Pra Mim – Em mais um feat com a cantora Maria Thalita, o samba e a bossa servem de cama para beats para uma faixa doce e romântica, mais uma vez resgatando o soul em um caso de amor… na praia do Arpoador.

08) Tudo o Que eu Queria – A música deixa claro o talento instrumental da dupla, com solos jazzisticos de piano Rhodes comandados por Fabio Santanna. Jazz e Soul para captar respeito, Tudo o Que eu Queria é sexy!

09) Mãe Passou Nu Azeite – Em uma brincadeira com “Mamãe Passou Açúcar em Mim”, de Wilson Simonal, o Nu Azeite dá sua versão do tempero genético que preparou a dupla para seu groove sem igual. Preparando-se para o grande final do álbum, a faixa segue cool e jazzy, mas esbanja humor boa onda.

10) Aleluia – Finalmente, Aleluia. Uma das músicas escolhidas para ser single de promoção do álbum, a música é house music clássica, de primeira, e serve para despedir-se do público de forma dançante, animada… azeitada!

Jota Wagner escreve, discoteca e faz festas no Brasil e Europa desde o começo da década de 90. Atualmente é editor chefe do Music Non Stop e produtor cultural na Agência 55. Contribuiu, usando os ouvidos, os pés ou as mãos, com a aurora da música eletrônica brasileira.

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