Cinema: “De volta à Borgonha”, de Cedric Klapisch, é um passatempo descompromissado na terra do vinho

texto por Marcelo Costa

Jean, o mais velho de três irmãos, não teve uma boa relação com seu pai na adolescência, sentindo a pressão de assumir a vinícola da família, na Borgonha, quando todos os seus amigos estavam partindo para estudar em outros lugares e conhecer o mundo. O sentimento de prisão tornou a alma do jovem ainda mais rancorosa, e a única solução, para ele, era colocar o pé na estrada e não olhar para trás. Na sua viagem, ele roda o mundo, envolve com vinícolas e uma mulher na Argentina e acaba abrindo sua própria vinícola com a agora esposa na Austrália. Mas a Borgonha o chama de volta, porque às vezes é impossível escapar do passado.

O pai de Jean está internado, bastante doente, o que o faz retornar para um acerto de contas familiar deixando esposa e filho, num momento conturbado da relação, na Austrália. De volta à velha casa em meio aos vinhedos ele encontra a irmã Juliette, insegura, tomando conta da vinícola da família (auxiliada por um dos braços direitos do pai, Marcel, vivido por Jean-Marc Roulot, um verdadeiro enólogo que contribuiu com o roteiro) e o irmão mais novo Jérémie casado com a filha de um vinicultor rival. Como costuma acontecer, o pai aparentemente só esperava a visita do filho para partir, e agora os três irmãos estão sozinhos com a vinícola.

“De volta à Borgonha” (“Ce qui nous lie”, 2017) é o 12º filme de Cedric Klapisch, que já lançou outros dois após esse (“Encontros”, de 2019, e “O Próximo Passo”, de 2022). O “auge” popular de sua carreira continua sendo a trilogia “Albergue Espanhol” (2001), “Bonecas Russas” (2005) e “O Enigma Chinês” (2013) mais “Paris”, de 2008, e quem assistiu a algum deles sabe que Klapisch não é um realizador exemplar, mas, ainda assim, seus filmes conquistam a atenção do espectador pela honestidade e pelo sentimentalismo impressos em seus roteiros – que em “De volta à Borgonha” é dividido entre o diretor e o colaborador costumaz Santiago Amigorena.

Acertos de contas com o passado e, ainda, com a própria família, são um tema recorrente na arte, mas “De volta à Borgonha” prefere não se aprofundar no drama, tateando de maneira distante as dores do protagonista. A relação com os irmãos, outro ponto passional da história (que, inclusive, surge mais forte no título original que, traduzido, significa “O Que Nos Une”), é tratada de maneira leve, sendo a divisão da herança (outro tema recorrente) uma pequena pedra no sapato que será resolvida de maneira óbvia e simplória, ainda que realista. No final, o que credencia o filme é a atuação do trio central de atores, bastante convincente.

Pio Marmaï, que fez 36 filmes desde 2008, se sai muito bem como o irmão mais velho, que retorna a casa para se sentir dividido entre a vida com os irmãos e a com esposa e filho numa terra distante. Ana Girardot (31 filmes desde 2010) é uma joiazinha, concedendo insegurança e força para um personagem bem interessante, prestes a assumir uma grande responsabilidade. François Civil (34 filmes desde 2005) constrói um ótimo irmão caçula, apagado diante do brilho dos irmãos mais velhos e do sogro, mas disposto a lutar por seu espaço. Juntos, os três fazem de “De volta à Borgonha” um filme mais aprazível de ser.

Tendo a beleza da região vinícola francesa como fundo além de deliciosas particularidades do mundo do vinho soltas aqui e ali na história, “De volta à Borgonha” vacila em enfiar os dois pés no lodo dramático e acaba se tornando um passatempo descompromissado. Klapisch parece mais interessado em entregar um filme turístico optando por soluções estereotipadas (uma carta esquecida no bolso? Sério?) e histórias secundárias não desenvolvidas (o interesse de Jean numa garota que está ajudando na colheita é insinuado, mas não trabalhado) para preencher as quase duas horas de um filme que, no fim, soa vazio e incompleto.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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