Cinema: “A Fera”, de Baltasar Kormákur, reúne elementos precisos na sua proposta de suspense e sanguinolência slasher

texto por João Paulo Barreto

Existe uma ausência de pretensão em “A Fera” (“Beast”, 2022), novo filme estrelado por Idris Elba, que colabora de modo vital para a eficiente construção do longa em seu positivo resultado final. A começar pela metragem de 90 minutos redondos, algo que não deixa espaço para muitos devaneios ou floreios artísticos, mantendo uma linha narrativa centrada na brutalidade de seu roteiro. Há, claro, a necessidade de uma trama paralela que mova à frente o seu protagonista, no caso, a não conexão com suas filhas e o fato de ter perdido sua esposa para um câncer. Apesar de estritamente servir apenas como um modo de criar a necessária empatia pelo médico vivido por Elba, que busca superar o trauma voltando à África do Sul natal da mãe de seus rebentos, tal subplot não tira o impacto proposto na ideia de termos um grupo de pessoas enclausuradas em um carro durante um safari enquanto um leão sanguinário, a fera do título, as circunda.

“A Fera”, filme de Baltasar Kormákur, se baseia nessa premissa que remete, obviamente, a um clássico: “Tubarão” (1975), filme de Steven Spielberg, trabalha em uma estrutura bem semelhante e serviu como inspiração para essa obra de 2022. Claro que enquanto lá o oceano e um barco criavam todos os elementos de tensão e suspense, aqui, a selva e o claustro de um carro servem como fator de equilíbrio narrativo no mesmo sentido. Mas Kormákur sabe o terreno onde pisa e trabalha para não vilanizar de modo mesquinho a criatura bestial de seu filme. Enquanto o tubarão era visto como um alvo a ser destruído, um ser de pura maldade, o leão é a vítima dentro do contexto criado pelo roteirista Ryan Engle.

No contexto em questão, caçadores ilegais na savana africana buscam por suas presas e encontram na fera sua ruína. Deste modo, com a não transformação do animal puramente em uma besta irracional, Engle, em seu roteiro, torna a criatura um ser que apenas responde com a mesma agressividade àqueles que o provocaram. Torna-se uma saída eficiente para uma possível armadilha que a história poderia criar para si, uma vez que o verdadeiro antagonista do filme não é um animal irracional, mas, o ser humano. Este, sim, bastante racional e ardiloso.

Outro ponto de eficiência é o modo como a direção de Kormákur, em conjunto com o roteiro de Engle e, claro, a atuação de Elba, coloca aquele protagonista, um homem cuja intelectualidade vai de encontro ao seu porte físico, como alguém que não tem em si a violência advinda do pragmatismo, mas, sim, do puro instinto de proteção para com sua família. E o paralelo disso com o modo como o roteiro do filme cria um contexto semelhante para os animais que protegem seu território contra invasores torna ainda mais engenhosa a simplicidade de sua trama.

Utilizando-se de longos planos sequência para tornar fluída a maneira como os ataques repentinos da fera acontecem, bem como fazendo valer do mesmo artifício de montagem para criar um ritmo no qual a construção que culminará em um embate final se dá de modo não menos brutal, “A Fera” reúne elementos precisos na sua proposta de suspense e sanguinolência slasher.

E ainda dentro do mesmo conceito de análise de sua força emocional na construção dos seus personagens, o filme consegue se valer da utilização da África do Sul como um cenário a amarrar de modo visualmente preciso tal aspecto dramático de seu trio de personagens principal, no caso, Elba e suas duas filhas adolescentes.

Ao se valer do fato de que a mais velha herdou da mãe a paixão pela fotografia, “A Fera” vai no ponto preciso ao criar tantos rimas visuais que interligam passado e presente daquelas pessoas, como, também, estrutura de maneira extremamente respeitosa para uma homenagem e citação aos aspectos locais do continente, inserindo em pontuais momentos imagens que refletem a milenar riqueza cultural africana. Nada mal para um filme cujo “vilão” é um leão feito de CGI.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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