Música: “Overload”, o bom disco de estreia dos ingleses do Yard Act

texto por Luciano Ferreira

Escolhido pelos britânicos do Yard Act como título para seu álbum de estreia, “Sobrecarregado” é um termo bem apropriado para os nossos dias atuais. O mundo em que vivemos ou a vida que levamos parece nos sobrecarregar das mais diversas formas, são as várias e velhas obrigações, informações e preocupações cotidianas (somadas as relacionadas à Covid-19), e as novas levas de desgaste com informações falsas, negacionistas, terraplanistas, fascistas, antivacinas, etc, etc, etc. Difícil não se sentir sobrecarregado, prestes a um curto-circuito, nos dias de hoje.

Esse sentimento de sobrecarga cotidiana está exposto nas letras de “Overload”, que musicalmente pode até soar como um convite à diversão por causa das batidas pra cima ou dos riffs de guitarra eufóricos, e não há mal nenhum em cair na dança, já que o groove come solto em faixas como “The Overload” e “Payday” (“Pegue o dinheiro, pegue o dinheiro, pegue o dinheiro e corr”a), dois grandes momentos do disco lançado pela Island Records em janeiro de 2022.

James Smith (vocal) e sua banda (Ryan Needham no baixo, Sam Shjipstone na guitarra e Jay Russell na bateria) constroem um álbum com temáticas contemporâneas, fazendo uso de uma narrativa urbana e incisiva, com observações mordazes sobre a sociedade atual. Nesse sentido, carrega em seu cerne o zeitgeist, ou seja, o espírito de seu tempo, com observações sobre o pós Brexit na terra da rainha, fake news, ganância, gentrificação, a pressão pelo sucesso e status.

Para isso, as letras seguem o estilo de curtas histórias com personagens diversos ou uma jornada de personagem único com reviravoltas de picos e vales ao longo das faixas, que começa num pub (na faixa de abertura “The Overload”) e termina com os primeiros raios de sol, no álbum, em “100% Endurance”.

O vocalista vem munido de um discurso afiado que faz uso de um estilo muito “em voga” atualmente, o chamado spoken word, do qual o saudoso Mark Smith (The Fall) era um dos grandes representantes, mas que também já foi utilizado por artistas vários como John Cooper Clarke e até Laurie Anderson. O spoken word tem no estilo quase blasé de Florence Shaw (dos ótimos Dry Cleaning) um dos exemplos mais interessantes na atualidade, junto ao Black Country, New Road.

Na parte instrumental, o quarteto privilegia a interação pulsante de baixo e bateria, que soma-se ao discurso vociferado do vocalista, afeito a refrões espertos para serem cantados em uníssono em casa ou durante um show.

Egresso do interessantíssimo grupo Post War Glamour Girls, Smith já havia mostrado ali sua capacidade vocal, explorada até num nível de exigência mais alto, já que usava bastante do falsete. Com o Yard Act, seu desafio é o de concretizar apostas que ficaram pelo caminho com seu antigo grupo. Isso explica essa abordagem musical “diferente”, que se alinha aqui e ali ao pós-punk mais agitado do Gang of Four (sem a potência interpretativa de John King, diga-se), mas está mais próxima mesmo do chamado dance-punk de um LCD Soundsystem, menos eletrônico e mais guitarreiro.

Em termos gerais, o Yard Act está ali naquela prateleira em que é possível encontrar alguns nomes da nova cena musical inglesa como Sleaford Mods, Folly Group, Courting, The Lounge Society e até o Shame.

Originários de Leeds, lar também do Kaiser Chiefs, o Yard Act foi formado em 2018 e já havia chamado a atenção com o EP “Dark Days” (2021), primeira experiência em estúdio onde davam amostras sobre o que esperar de sua música, principalmente na contagiante faixa título. “Overload” é a confirmação de que o grupo tinhas mais munição de mesmo calibre, ao ponto de se darem ao luxo de não incluir nenhuma das quatro faixas que compunham o EP, nem mesmo “Fixer Upper”, seu grande hit.

Se a primeira parte de seu disco cheio de estreia (sim, com capas de cores diferentes), o Yard Act apresenta um encadeamento de cinco canções quase perfeito, na segunda parte o fogo inicial se transforma em uma fogueira repleta de cinzas na superfície. Apesar disso, destacam-se o lado mais dançante de “Quarantine the Sticks” e “Pour Another”, assim como “Tall Popies”, faixa mais longa do álbum, e também que foge ao paradigma apresentado ao longo do disco.

Descompromissado, mas conectado, “Overload” é aquele tipo de álbum em que é possível perceber uma banda lançando um primeiro disco com algumas apostas elevadas, mas sem se deixar levar pelas expectativas. James Smith não é mais um adolescente, tem 31 anos e sabe como a máquina da indústria pop funciona, de forma que se tudo der certo, eles em breve estarão lançando um o novo álbum. Enquanto isso, se esse disco não ajuda a tirar a sobrecarga das nossas costas e mente, ao menos alivia e nos faz encarar tudo isso de uma outra forma.

– Luciano Ferreira é editor e redator na empresa Urge :: A Arte nos conforta e colabora com o Scream & Yell.

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